Gabriela Pimenta R. Lima

Está pendente de julgamento no Superior Tribunal de Justiça o Tema Repetitivo 1201, que trata sobre importante controvérsia que se ampara no artigo 1.021, §4º, do CPC, o qual estabelece que “Quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime, o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará o agravante a pagar ao agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa”.

Antes de chegar ao STJ, a vice-presidência do TJSC admitiu o REsp 2.043.826, o REsp 2.043.887, o REsp 2.044.040, o REsp 2.043.860 e o REsp 2.044.143 como representativos da controvérsia, com fundamento no artigo 1.036, §1º, do CPC, por discutirem a aplicação do entendimento firmado no Tema Repetitivo 434/STJ, “O agravo interposto contra decisão monocrática do Tribunal de origem, com o objetivo de exaurir a instância recursal ordinária, a fim de permitir a interposição de recurso especial e do extraordinário, não é manifestamente inadmissível ou infundado, o que torna inaplicável a multa prevista no art. 557, §2º, do Código de Processo Civil”.

Por se tratar de recursos selecionados como representativos da controvérsia na origem, quando chegaram ao STJ, o então Presidente da Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas, Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, determinou a aplicação do rito previsto nos artigos 256[i] ao 256-D do RISTJ[ii].

A Procuradoria-Geral da República posicionou-se favoravelmente à afetação. As partes, apesar de intimadas, não se manifestaram, e os autos retornaram ao Ministro Sanseverino, que concluiu pela submissão do recurso à sistemática dos repetitivos, salvo entendimento diverso pelo relator, sob o fundamento de que se trata de controvérsia jurídica multitudinária ainda não submetida ao rito qualificado, com relevante impacto jurídico, visto que busca a correta interpretação de norma processual passível de atingir milhares de processos em fase recursal, além de impactar diretamente na efetividade das teses fixadas em sede de precedentes qualificados.

O Ministro Sanseverino ressaltou que o Tema Repetitivo 434/STJ, de relatoria do Ministro Campbell, se deu durante a vigência do CPC de 1973, por essa razão, seria necessário esclarecimento acerca da sua aplicação, considerando-se as disposições do CPC de 2015, consideravelmente importante para a concretização do princípio da segurança jurídica.

Em razão da prevenção, o caso foi distribuído ao Ministro Campbell, para análise da Corte Especial, que em sessão virtual realizada entre os dias 07/06/2023 a 13/06/2023, por maioria de votos, decidiu por afetar o REsp 2.043.826 ao rito dos recursos repetitivos, cuja controvérsia ampara-se no artigo 1.021, §4º, do CPC. Também por maioria, a Corte suspendeu a tramitação de processos com recurso especial e/ou agravo em recurso especial interposto que tratam sobre os temas, em tramitação na segunda instância e/ou no STJ.

Para o relator, a proposta de afetação constitui desdobramento do Tema Repetitivo 434/STJ, mas que tem como peculiaridade a aplicação ou não da tese referida quando o acórdão recorrido se baseia em precedente qualificado. Além disso, que se impõe a ponderação acerca do cabimento da multa quando se alega, em sede de agravo interno, a indevida ou incorreta aplicação da tese firmada em sede de precedente qualificado.

Segundo o Ministro Campbell, é certo que os juízes e tribunais devem observar os precedentes qualificados, especialmente, os acórdãos proferidos em incidente de assunção de competência (IAC) ou de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos, conforme previsto no artigo 927, III, do CPC, no entanto, ponderou que não se considera fundamentada qualquer decisão judicial (seja ela interlocutória, sentença ou acórdão) que se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos, nos termos do artigo 489, §1º, V, do CPC.

Nesse contexto, concluiu que a questão jurídica central deve ser cindida em duas partes, as quais delimitou da seguinte forma:

1) Aplicabilidade da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC quando o acórdão recorrido baseia-se em precedente qualificado (art. 927, III, do CPC);

2) Possibilidade de se considerar manifestamente inadmissível ou improcedente (ainda que em votação unânime) agravo interno cujas razões apontam a indevida ou incorreta aplicação de tese firmada em sede de precedente qualificado.

É fundamental compreender os aspectos gerais da discussão acerca do Tema Repetitivo 1201/STJ, e é esse o objetivo do presente artigo.

O §4º do artigo 1.021 prevê que quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime, o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará o agravante a pagar ao agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa.

De acordo com o dispositivo para que a multa seja aplicada, deve-se observar o preenchimento cumulativo dos requisitos previstos, (1) o recurso ser manifestamente inadmissível ou improcedente; (2) por votação unânime; e (3) a necessidade de decisão fundamentada sobre a aplicação da multa.

O item 1 da questão submetida a julgamento apresenta uma nova hipótese para o cabimento da multa, que é quando o acórdão recorrido se basear em precedente qualificado, nos termos do artigo 927, III, do CPC, contudo, não estão claros os parâmetros para a aplicação dessa nova modalidade.

Em uma primeira leitura, pode-se dizer que bastaria que o acórdão recorrido apenas se baseasse em precedente qualificado para que a multa seja aplicada de forma automática.

E o item 2 apresenta a possibilidade de se considerar manifestamente inadmissível ou improcedente, ainda que em votação unânime, o agravo interno que apontar como razão de seu recurso a discordância da aplicação de precedente qualificado.

Da leitura desse item, poderia se dizer que quando a decisão recorrida se basear em precedente qualificado, o agravo interno por si só já seria manifestamente inadmissível ou improcedente.

Ocorre que o advento do artigo 932 do CPC, as decisões monocráticas passaram a ter mais especificações legais, entre elas, as previstas nos incisos  IV e V, nas quais cabe ao relator julgar monocraticamente com base no enquadramento da situação fático-jurídica recursal em uma matéria anteriormente já julgada em sede de precedente qualificado, como súmula do STF, do STJ ou do próprio tribunal, acórdão proferido pelo STF ou pelo STJ em julgamento de recursos repetitivos e entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência. Essas decisões são classificadas como definitivas ou resolutivas, pois o relator ultrapassa os requisitos de admissibilidade, passando à análise do mérito para negar (inciso IV) ou dar provimento (inciso V) ao recurso[iii].

Apesar de o próprio artigo 932 ter ampliado os poderes do relator, dispensando a análise do órgão colegiado em hipóteses específicas previstas em seus incisos, é direito do jurisdicionado recorrer de qualquer decisão monocrática da qual não concorde por meio do agravo interno, conforme o princípio do acesso à Justiça, garantindo-se a possibilidade de análise recursal pelo colegiado[iv].

Presentes os requisitos indispensáveis à admissibilidade do agravo interno, passa-se a análise do mérito. Nesse ponto, é importante delimitar os termos manifestamente inadmissível e manifestamente improcedente.

Com relação à admissibilidade, o agravo interno não pode ser inadmitido de pronto apenas em razão do argumento da existência de precedente qualificado. A inadmissibilidade somente ocorrerá pelo não preenchimento dos requisitos intrínsecos (cabimento, legitimidade, interesse recursal e inexistência de fato impeditivo ou extintivo) e dos requisitos extrínsecos (tempestividade, regularidade formal, preparo). Além desses, no caso do agravo interno é pressuposto de admissibilidade a impugnação específica de todos os fundamentos da decisão agravada.

Observa-se que os requisitos de admissibilidade não se relacionam à aplicação de precedente qualificado. Por isso, não seria correto presumir como manifestamente inadmissível o agravo interno cujas razões apontam a indevida ou incorreta aplicação de tese firmada em sede de precedente qualificado.

Superada a parte de admissibilidade, passa-se ao mérito do agravo interno, no qual se analisa sua procedência ou improcedência. Penso que no mérito do agravo interno é que se analisaria a aplicação de precedente qualificado ao caso concreto, sendo manifestamente improcedente aquele que sustenta tese contrária a enunciado de súmula ou precedente jurisprudencial qualificado que demonstrar adequadamente as peculiaridades do caso concreto que justifiquem o distinguishing, ou sem evidenciar o overruling.

Portanto, o agravo interno, como mecanismo recursal, ao afastar precedente qualificado aplicado de forma equivocada ao caso concreto não pode ser “manifestamente inadmissível”, em razão da técnica processual, conforme explicado anteriormente, e nem “manifestamente improcedente”, pois é necessário que o julgador analise os argumentos apresentados pelo agravante para depois concluir se aquele precedente se aplica ou não ao caso concreto.

 O fato de existir precedente qualificado não é argumento suficiente para se concluir pela inadmissibilidade ou improcedência do agravo interno, aplicando-se a multa de forma automática.

Sobre esse ponto, esta Corte já proferiu entendimento segundo o qual “a aplicação da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC⁄2015 não é automática, não se tratando de mera decorrência lógica do não provimento do agravo interno em votação unânime”, concluindo que a “condenação do agravante ao pagamento da aludida multa, a ser analisada em cada caso concreto, em decisão fundamentada, pressupõe que o agravo interno mostre-se manifestamente inadmissível ou que sua improcedência seja de tal forma evidente que a simples interposição do recurso possa ser tida, de plano, como abusiva ou protelatória”[v].

Inclusive, a análise de novos argumentos que apontem para a incorreta aplicação de precedente qualificado é fundamental para o desenvolvimento do sistema de precedentes, garantindo a segurança jurídica a partir do fortalecimento de teses jurídicas firmadas em precedentes qualificados em razão da devida análise da ratio decidendi.

A condenação do agravante ao pagamento da multa deve ser analisada em cada caso concreto e por meio de decisão fundamentada, nos termos do artigo 489, §1º, V, do CPC, segundo o qual não se considera fundamentada qualquer decisão judicial (seja ela interlocutória, sentença ou acórdão) que se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos.

Por um lado, é ônus o agravante apresentar em seu recurso a adequada dialeticidade entre o caso concreto e o precedente qualificado, como um pleito de revisão de tese e/ou superação de precedente utilizado. Por outro, é ônus do julgador analisar tal distinção e proferir decisão fundamentada quanto a aplicação do precedente qualificado, e não simplesmente aplicar a multa porque no mérito do agravo interno se discute a (in)aplicabilidade de precedente qualificado.

É inegável a importância da discussão do Tema Repetitivo 1201/STJ, haja vista que o STJ precisará definir a forma como se dará a aplicação da multa prevista no §4º do art. 1.021 do CPC, quando o acórdão recorrido se basear em precedente qualificado, pois pode se tratar de limitação ao direito recursal do jurisdicionado de boa-fé de acesso à decisão colegiada. Também não podemos deixar de mencionar que se trata de uma importante ferramenta para o aprimoramento do sistema de precedentes, quanto à distinção e superação de precedentes, evitando-se o engessamento do direito e garantindo-se a segurança jurídica.


1 Art. 256. Havendo multiplicidade de recursos especiais com fundamento em idêntica questão de direito, caberá ao presidente ou ao vice-presidente dos Tribunais de origem (Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal), conforme o caso, admitir dois ou mais recursos especiais representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando os demais processos, individuais ou coletivos, suspensos até o pronunciamento do STJ.

2 Art. 256-D. Caso o Presidente do STJ admita o recurso especial, determinará a distribuição dos autos nos seguintes termos: I – por dependência, para os recursos especiais representativos da controvérsia que contiverem a mesma questão de direito; II – de forma livre, mediante sorteio automático, para as demais hipóteses.

3 LEMOS. Vinicius Silva. Recursos e Processos nos Tribunais. 5 ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Editora JusPodivm, 2021, p. 448-449.

4 LEMOS. Vinicius Silva. Recursos e Processos nos Tribunais. 5 ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Editora JusPodivm, 2021, p. 450.

5 STJ, AgInt nos EREsp n. 1.120.356/RS, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 24/8/2016, DJe de 29/8/2016.

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