José Américo Azevedo

O Brasil enfrenta uma série de problemas estruturais que, se sob a ótica do comodismo pode ser considerado um traço da cultura, na prática apresenta efeitos pernósticos para o desenvolvimento do país.

Desde que se nasce, ouve-se o chavão de que o Brasil é o país do futuro. Como a chegada do futuro é incerta e imprevisível, a solução é continuar esperando por anos, décadas ou séculos para ver concretizadas algumas ações específicas.

Várias análises são usadas para definir o fenômeno, como a existência do “apagão da caneta”, quando o agente público se omite ao precisar tomar uma iniciativa de sua responsabilidade, com receio de ser penalizado por um órgão de controle policialesco. Outra expressão bastante utilizada é a que se refere ao “jeitinho brasileiro”, na qual a “esperteza” do cidadão tupiniquim – vocábulo evidentemente usado em sentido pejorativo – encontra caminhos heterodoxos, por vezes carentes de licitude, para resolver suas agruras.

No presente artigo, numa tentativa de estar respaldado pelo manto da elegância, optou-se por imputar ao gerúndio todo a heresia da morosidade nas ações administrativas no âmbito de todos os Poderes.

O gerúndio é usado para indicar que uma ação ainda está em curso ou que é prolongada no tempo. Transmite uma noção de duração e continuidade de ação verbal. É dizer, algo inacabado, seja por motivos legítimos, por força de cronogramas ou atrasos justificados, seja por indolência nas necessárias ações que competem ao Poder Público.

Parece exagero, mas é possível ilustrar a assertiva com exemplos reais. Em 2020, foi definitivamente encerrada uma ação judicial (RE 1.250.467) que foi apresentada por Isabel de Orleans e Bragança, nossa Princesa Isabel, em 1895 (!), ou seja, chegou a termo após 124 anos de litígio. O Supremo Tribunal Federal decidiu que o Palácio Guanabara, a sede do governo do estado do Rio de Janeiro, pertence à União, e não aos descendentes da família real brasileira.

Para não se fiar somente em casos emblemáticos a fim de alicerçar o argumento, pode-se utilizar situações mais digeríveis, como no caso da justiça trabalhista. Segundo estatística do Conselho Nacional de Justiça[i], em 2022, existiam mais de 220 mil processos trabalhistas com mais de 15 anos desde seu ajuizamento, ainda não solucionados. Mais de duzentos mil trabalhadores esperando o desfecho de uma ação que, sendo ou não favorável aos seus propósitos, consiste, até o momento, na expressão de Carnelutti, em um “conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos interessados e pela resistência do outro”, ou seja, uma legítima aspiração de consecução da Justiça, aperfeiçoando seu direito.

No entanto, a morosidade – com a temível aplicação do gerúndio – não é monopólio do Poder Judiciário. No Executivo, tomando-se apenas um exemplo, a Empresa de Planejamento e Logística, ligada ao Ministério da Infraestrutura, editou para consulta pública, em 2023, Plano Nacional de Logística – PNL 2035, de onde se extrai um perceptível excerto:

Em 1869, o engenheiro militar Eduardo José de Moraes desenvolveu um plano focado na navegação fluvial, buscando a exploração deste recurso junto às poucas ferrovias já implantadas. A preocupação (…) era o estabelecimento de vias de comunicação associadas às vias de transporte, assim com garantir uma redução de custos para escoamento de produções localizadas no interior.[ii]

Há que se notar que passados mais de 150 anos, o planejamento é ainda citado, porém, nunca saiu do papel. O Governo está planejando, estudando e pensando, e, assim, reforçando a mais aprimorada forma de utilização do gerúndio.

Para não esquecer o Poder Legislativo, deve-se lembrar que a tão propalada Reforma Tributária aprovada este ano, mas ainda sendo – desculpem a repetição do tempo verbal – regulamentada, teve seu nascedouro há, pelo menos 40 anos, sendo o sistema atualmente em vigência no país, da longínqua década de 1960.

Impossível não saltar aos olhos, a morosidade da Administração Pública ao longo de todo este período, desde os tempos do Brasil Império. Diversos governos, sob diferentes sistemas políticos, com os mais variados matizes ideológicos, comandam o país a passos de cágado, sendo o Brasil um sobrevivente do descaso e da letargia dos dirigentes.

Voltando ao nosso tema – o gerúndio –, interessante observar, buscando nos versos de Caetano Veloso, em sua música Língua, cuja frase nada mais é que uma paródia do pensamento do filósofo alemão Martin Heidegger, que “está provado que só é possível filosofar em alemão”. Coincidência ou não, o idioma alemão não possui gerúndio!

Na língua germânica, o verbo é conjugado no presente, que pode indicar algo que está sendo feito, que irá se fazer ou que se faz habitualmente. Cabe refletir se, metaforicamente, essa não seria uma importante lição a ser aprendida pelos agentes públicos, especialmente os alçados à condição de dirigentes.

Há que se pensar no presente, sem a continuidade que o gerúndio proporciona e, por vezes, turva o horizonte de conclusão das ações necessárias ao desenvolvimento e bem-estar da sociedade. Há que se pensar no presente – repete-se – para que as iniciativas ocorram de forma imediata, desde o planejamento, evidentemente, mas, essencialmente na sólida execução do que foi idealizado.

Talvez assim, o Brasil deixe de ser somente o país do futuro e possa vislumbrar o presente coroado de excelentes realizações.


[i] https://painel-estatistica.stg.cloud.cnj.jus.br/estatisticas.html. Consultado em 29.01.2024.

[ii] Plano Nacional de Logística – PNL 2035. Relatório Executivo. Brasília: Ministério da Infraestrutura. Empresa de Planejamento e Logística, 2023. p. 13.

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