Fernanda Manzano Sayeg
A avaliação de interesse público é um mecanismo presente em diversos países, incluindo Brasil, Canadá, Nova Zelândia e Reino Unido, que permite que uma medida antidumping ou compensatória seja suspensa se for verificado que os efeitos da medida na economia são mais prejudiciais do que os benefícios gerados com sua aplicação.
No Brasil, a avaliação de interesse público é um processo administrativo conduzido pelo Departamento de Defesa Comercial (DECOM), da Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). O instrumento tornou-se muito popular nos últimos anos. Atualmente, os seguintes direitos antidumping encontram-se suspensos por questões de interesse público: direito antidumping aplicado às importações de aço GNO da China, Coreia do Sul, Taipé Chinês e Alemanha; direito antidumping aplicado às importações de fios texturizados de poliéster da China e da Índia; e direito antidumping aplicado às importações de vidros para eletrodomésticos da linha fria da China.
Em 17 de novembro de 2023, foi publicada a Portaria Secex nº 282, que trouxe novos parâmetros e procedimentos para as avaliações de interesse público no Brasil a partir de 1º de janeiro de 2024. As alterações são significativas.
O novo arcabouço legislativo limitou o âmbito de aplicação das avaliações de interesse público ao estabelecer que apenas poderá ocorrer a suspensão de medida antidumping ou compensatória, por razões de interesse público nas seguintes situações: (i) se for demonstrado que os efeitos negativos da medida antidumping ou compensatória sobre os agentes econômicos pertencentes à cadeia de produção, distribuição, venda e consumo serão maiores do que os efeitos positivos da medida; ou (ii) se tiver ocorrido a interrupção significativa (total ou parcial) da fabricação e do fornecimento do produto doméstico similar.
Da mesma forma, a Portaria Secex nº 282 limitou o rol de partes que podem solicitar ou participar da avaliação de interesse público. De acordo com o novo arcabouço legislativo, poderão requerer o início de avaliações de interesse público apenas (i) as partes nacionais que foram consideradas como interessadas no último procedimento de defesa comercial; (ii) os setores industriais nacionais usuários do produto sujeito à medida de defesa comercial; (iii) os fornecedores de matérias-primas e insumos para a sua fabricação; e (iv) os usuários nacionais cujos interesses sejam adversamente afetados pela medida. Anteriormente, não havia limitação expressa à participação de empresas e associações de classe estrangeiras.
Uma outra alteração importante consiste no fato de que as avaliações de interesse público passam a ser realizadas a posteriori, isto é, após a publicação da medida de defesa comercial, por solicitação formal das partes interessadas ou por interesse do governo brasileiro. O prazo para o protocolo da petição é de 45 dias após aplicação, prorrogação ou alteração da medida de defesa comercial. Nas situações de interrupção (total ou parcial) da fabricação e do fornecimento por produtora nacional do produto similar, foi estabelecido um novo procedimento expedito, ainda mais simplificado, que poderá ocorrer a qualquer momento durante a vigência da medida de defesa comercial. Note-se que, segundo o regulamento anterior, a investigação de defesa comercial e a análise de interesse público eram concomitantes.
A Portaria Secex nº 282 também reduziu os prazos da avaliação de interesse público para 3 ou 4 meses, tornado esse processo muito mais célere. Na regulação anterior, em regra, uma avaliação durava o mesmo tempo que um processo de defesa comercial, de 12 a 18 meses.
Adicionalmente, foi criada uma nova etapa na qual é realizado o juízo de admissibilidade da petição que requer a abertura da avaliação de interesse público. Ao término do período para apresentação de informações, haverá juízo de sua admissibilidade, que só será positivo caso os dados apresentados pela empresa ou entidade que solicitar a abertura da avaliação de interesse público sejam efetivamente demonstrados ou comprovados. Isso significa que a nova legislação aumentou o rigor em relação às informações apresentadas pelas partes para comprovar o impacto econômico-social da medida de defesa comercial.
Em resumo, observa-se que o novo arcabouço legal busca garantir que a suspensão das medidas de defesa comercial por interesse público ocorra de forma excepcional e equilibrada. Nada mais justo. Afinal, uma investigação para a aplicação de direito antidumping ou de medida compensatória é um processo extremamente complexo e técnico, que dura de 12 a 18 meses a partir de sua abertura (sem contar o período de coleta de dados, preparação e análise da petição), no qual as partes interessadas podem exaustivamente exercer o direito ao contraditório e apresentar documentos comprobatórios e evidências.
Observa-se, ainda, que a nova regulação sobre avaliações de interesse público tenta diminuir o ônus das partes interessadas ao instituir uma análise ex post. Nesse sentido, só haverá dispêndio de recursos em uma avaliação de interesse público ser houver efetivamente a aplicação da medida de defesa comercial e o se juízo de admissibilidade da avaliação de interesse público for positivo. Sem uma avaliação de admissibilidade, muitas avaliações de interesse público não possuíam sequer mérito preliminar o uso pouco racional de recursos humanos, haja vista que as medidas de defesa comercial poderiam sequer ser aplicadas. Com as alterações adotadas, as partes poderão concentrar melhor seus esforços em cada processo. Essa situação mostrou-se ainda mais danosa no passado, quando as avaliações de interesse público eram obrigatórias em todas as investigações antidumping e de subsídios.
Embora as alterações propostas tenham sido bem fundamentadas e resultem no aprimoramento da avaliação de interesse público, resta saber se, na prática, será possível ter uma análise mais adequada dos possíveis efeitos negativos e positivos da medida de defesa comercial na economia.
Fernanda Manzano Sayeg. Doutora e Mestre em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (2014 e 2009). Especialista em Direito do Comércio Internacional pela Faculdade de Direito pela Universidade de Buenos Aires (2006). Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (2003).