Katia Rocha 

Estamos observando, já faz algum tempo, diversas iniciativas na contramão de uma agenda positiva que deveria estimular segurança no atendimento à demanda, modicidade tarifária, competição e governança no setor elétrico.

Recentemente, o tema sobre prorrogação de subsídios para fontes incentivadas “ressuscitou” através de Emendas propostas pela Câmara de Deputados no PL das Eólicas Offshores. A questão trata do fim dos descontos na tarifa de uso para essas fontes, além de outras pautas. As emendas desconfiguram o projeto de iniciativa do Senado e incluem os já usuais “jabutis” que em nada dialogam com a “agenda verde” perseguida pelo Estado.

Segundo a ferramenta Subsidiômetro disponível na Aneel, apenas em 2023, os subsídios para fontes incentivadas corresponderam a R$ 9 Bilhões na conta do consumidor, praticamente um terço da Conta de Desenvolvimento Energético – CDE. Esse montante equivale a mais que o dobro do subsídio direcionado à tarifa social de energia elétrica (R$ 4 Bilhões). 

A nova estimativa – caso o PL seja aprovado com essas emendas no Senado – eleva as tarifas de energia elétrica em R$ 39 bilhões por ano. Um valor expressivo sobre a já elevada tarifa de energia elétrica dos consumidores residenciais no Brasil, superior, inclusive, à média mundial. Uma contradição em vista da competitividade de nossa matriz elétrica renovável a baixo custo.

Oportuno lembrar que a Lei 14.120 / 2021 já havia disposto, faz dois anos, sobre o fim desses mesmos subsídios às fontes incentivadas. A iniciativa foi precedida de inúmeros debates que reuniram uma gama representativa de agentes – formulador de políticas públicas, entes privados, academia e sociedade como preconiza as melhores práticas institucionais. Cabe relembrar que a racionalização dos encargos e subsídios, e a avaliação criteriosa das políticas de subsídios, observando suas necessidades e por tempo determinado (Acordão TCU 2877/2019), faz parte da agenda de modernização do setor elétrico, objeto de amplo debate desde 2017, cujo objetivo consiste no fornecimento de energia ao menor custo, considerando a abertura de mercado (PL 414 / 2021), sustentabilidade da expansão e eficiência na alocação de custos e riscos.

Observamos, portanto, seis anos de esforços que compreendem consultas públicas, análises de impacto, debates envolvendo academia, em vão, uma vez que se modificam políticas setoriais, recentemente aprovadas, sem razoável coerência ou embasamento técnico. No sentido amplo de formulação de política pública, que vai além do regulador, o fato evidencia a baixa governança institucional e qualidade regulatória do país.

A Economia, no entanto, não perdoa e a Figura 1 ilustra bem esse ponto. Os dados corroboram a relação positiva entre qualidade regulatória[1] e a respectiva renda per capta para um conjunto de 160 países de baixa, média e alta renda em 2022.

Figura 1. Desenvolvimento Econômico e Social x Qualidade Regulatória

Fonte: WDI – Banco Mundial (2022)

Essa dinâmica não é nova. Diversos estudos[2], há tempos, demonstram a relação positiva entre características institucionais dos países e seu nível de crescimento e renda. Melhores níveis de governança (qualidade regulatória, aparato legal, efetividade do governo, controle de corrupção, entre outros) está associada a maior desenvolvimento econômico e social.

Em seu relatório Economic Surveys: Brazil 2020, a OCDE estima (via modelos de crescimento de longo prazo) que um choque positivo que aproxime os indicadores institucionais do Brasil à média dos países membros, teria potencial de aumentar em 5,9% seu PIB per capta. Juntamente com outras medidas, seria possível elevar a taxa de crescimento potencial em 0,9% ao ano em termos reais. Um aumento considerável.

Observando a evolução dos indicadores de qualidade regulatória da Figura 2, percebe-se que a posição atual do Brasil é baixa, inclusive na comparação com os pares latinos (Colômbia, México, Peru e Uruguai), se descolando destes a partir de 2012.

Figura 2. Evolução da Qualidade Regulatória: Brasil x LAC x OCDE

Fonte: WDI – Banco Mundial (2022)

Importante destacar que a estabilidade e consistência da qualidade regulatória em direção a um melhor arcabouço institucional é um forte condicionante para atração do capital privado para investimentos, especialmente no setor de infraestrutura, com benefícios que envolvem desenvolvimento, produtividade, acesso à saúde e educação, criação de empregos e redução da pobreza e desigualdade.

Estimativas apontam que uma melhora no ranking de qualidade regulatória para o mesmo nível ocupado pelos pares emergentes latinos (posição 60) teria potencial de aumentar o fluxo de investimento privado em 0,8% do PIB ao ano[3].

Não à toa, na perspectiva da OCDE, a qualidade regulatória, no sentido amplo, é um pilar complementar às política macroeconômica e fiscal, para realização de objetivos institucionais, relacionados às boas práticas, e ao desenvolvimento econômico e social. Depreende-se que tão importante quanto o cumprimento da regra fiscal ou aprovação da reforma tributária, estão a estabilidade, consistência e memória regulatória em direção a um melhor arcabouço institucional. Ter claro essa relação é de fundamental importância para o formulador de políticas públicas.


[1] Utilizou-se, no exemplo, o indicador de qualidade regulatória do WGI – Banco Mundial como proxy das características institucionais.

[2]Ver Acemoglu et al. (2004), Acemoglu et al. (2010).

[3] Ver Rocha (2020), Rocha (2021)


Katia Rocha. Pesquisadora do Ipea. E-mail: katia.rocha@ipea.gov.br. As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto institucional do Ipea.


Katia Rocha é Técnica de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), autarquia vinculada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão desde 1997.

Doutora em Engenharia Industrial/Finanças, Mestre e Graduada em Engenharia Industrial e Elétrica pela Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora no Departamento de Engenharia Industrial (2002-2013).

Autora e revisora em diversos periódicos acadêmicos – Energy Policy, Journal of Fixed Income, Emerging Markets Review, Forest Policy and Economics, Pesquisa e Planejamento Econômico, Revista Brasileira de Finanças, Revista Brasileira de Economia, Economia Aplicada e Estudos Econômicos.

Atua no Planejamento, Desenvolvimento e Avaliação de Políticas públicas nas áreas de Investimentos em Infraestrutura , Economia da Regulação, Financiamento da Infraestrutura (Investidores Institucionais e Mercado de Capitais), Finanças Internacionais, Determinantes de Risco Soberano, IED e Fluxos de Capital para Economias Emergentes.


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