Cristina Ribas Vargas
A teoria econômica neoclássica, e particularmente a teoria microeconômica, forneceram importante instrumental analítico para o desenvolvimento da teoria da concorrência. Contudo, a partir da microeconomia subjacente aos fundamentos da Teoria Geral de Keynes, a conclusão sobre a necessidade de intervenção e regulação nos mercados foi em direção oposta ao recomendado pela teoria convencional.
A teoria econômica neoclássica parte do pressuposto de que os ofertantes, ou concorrentes em determinando mercado, assumem comportamentos que podem ser classificados como homogêneos, de tal modo que suas ações estratégicas não apresentariam diferenças significativas entre si em termos dos resultados alcançados. Nos mercados em que a estrutura pressuposta é a concorrência perfeita, as firmas, além de apresentarem comportamento homogêneo, são consideradas atomizadas, de tal forma que sua participação no mercado pode ser considerada desprezível. A hipótese de atomismo tem o objetivo de garantir que as decisões individuais sejam incapazes de afetar significativamente as condições de mercado, particularmente os preços e as quantidades comercializadas. Essa hipótese exclui, portanto, a possibilidade de exercício de poder de mercado.
No entanto, a prática da concorrência é indissociável de dois conceitos econômicos fundamentais: assimetria e cumulatividade. O comportamento e a estrutura assimétrica dos concorrentes, vinculado ao acúmulo de conquistas sucessivas de parcelas de mercado, podem resultar em maior concentração e poder de mercado em médio e longo prazo.
Em sua Teoria Geral Keynes argumentava que existe imensa dificuldade por parte dos agentes econômicos em estimar uma distribuição de probabilidades para resultados a serem alcançados sob condições de incerteza. As informações compradas ou acumuladas com base na experiência dos agentes podem apresentar custos elevados e ser de difícil acesso, reduzindo as possibilidades de calcular o risco para a tomada de decisão.
Passaram-se noventa e um anos desde que Hayek e Keynes enfrentaram-se no debate pela primeira vez. Hayek argumentava que, dado que ninguém podia saber o que estava na mente de cada membro da sociedade, e que o melhor indicador de suas necessidades eram os preços de mercado, as tentativas do Estado em conduzir a economia seriam infrutíferas.
Se fizermos o exercício de supor que toda informação hoje disponível nas redes sociais e internet, que já estão disponíveis ao acesso de algumas grandes empresas de informação, estivessem amplamente acessíveis ao público, seria a incerteza eliminada do mercado e do Estado? O que os fatos da atualidade nos mostram indicam uma resposta negativa. No estágio atual de democratização da informação dois resultados no mínimo possíveis já são observáveis: aumento de assimetria produzido por grandes bigtechs, e a necessidade de uma profunda discussão social acerca das regras do jogo sobre a conveniência e oportunidade de universalização do acesso à informação. Neste caso, a teoria keynesiana sairia vitoriosa do debate, pois ainda seria necessária a presença do Estado mediador para assegurar o cumprimento das regras do jogo. Jogo este que estaria não só sujeito ao malogro das fake news, mas também de decisões estratégicas variadas diante de informações idênticas.
Supondo empresas atomizas com informações perfeitas em um mundo totalmente conectado em rede mundial, como as firmas buscariam continuar acumulando poder de mercado? Mesmo com sistemas que vasculham as preferências dos indivíduos, e diariamente oferecem bens e serviços com base em resultados de pesquisa dos consumidores em rede, ainda assim, na maioria das vezes a demanda não é efetivada.
Arrow (1962) já apontava as dificuldades de se criar um mercado de informação. Três características são inerentes a informação enquanto mercadoria: consumo não-rival, natureza indivisível e impossibilidade de verificação de seu valor antes mesmo de possuir a infomação. Daí a importância de distinguir entre informação e conhecimento. Enquanto a informação pode ser tratada como um algoritmo ou um dado qualquer, o conhecimento vai muito além disso, exigindo que o receptor possa interpretá-la e utilizá-la.
É cada vez mais perceptível que as mudanças velozes da nova sociedade de informação impactarão a formação de expectativas dos agentes econômicos. Freeman e Soete (2008) ao identificarem a importância dos sistemas nacionais de inovação para o desenvolvimento econômico, dedicaram atenção aos impactos da sociedade de informação na geração de empregos, produção e produtividade. Ainda, nesse sentido, destacaram a visão de Kuznets (1955) acerca da necessidade da economia em dialogar com as demais ciências sociais para aprimorar a mensuração dos impactos das atividades governamentais sobre as forças de mercado e redução de desigualdades:
“ Se fôssemos tratar adequadamente os processos de crescimento econômico, os processos de mudança a longo prazo, nos quais as próprias estruturas tecnológica, demográfica, e social também estão mudando – e de maneira que decididamente afeta a atuação das próprias forças econômicas -, torna-se imperativo que nos arrisquemos em áreas além da própria economia (…) É imperativo que nos tornemos mais familiares com as constatações daquelas disciplinas sociais correlatas que podem ajudar-nos a entender os padrões de crescimento da população, a natureza e a força na mudança tecnológica e os fatores que determinam as características e tendências das instituições políticas. (…) Um trabalho efetivo nesse campo requer necessariamente uma reorientação da economia de mercado para a economia política e social.” (Kuznets, 1955).
No último capítulo de sua teoria geral Keynes (1936) aponta três funções do Estado a fim de assegurar o pleno emprego: direcionamento da liquidez do Estado para práticas produtivas, tributação progressiva para financiar um orçamento que possa fazer frente a oscilações abruptas de demanda, e cooperação internacional para a redução de instabilidades que inviabilizem a busca pelo pleno emprego. A esse último ponto poderia ser acrescida a necessidade de regramentos sobre acesso a informação assimétrica por parte de grandes empresas de informação e do próprio Estado.
Referências
ARROW, K. Economicwelfareandtheallocationofresources for invention. The rate anddirectionofinventiveactivity. Princeton: Princeton University Press: 1962.
FREEMAN, C.; SOETE, L. A economia da inovação industrial. Campinas: Editora Unicamp, 2008.
KEYNES, John M. Teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Saraiva, 2012 [1936].
MACEDO E SILVA, Antonio Carlos. Macroeocnomia sem equilíbrio, Campinas/Rio de Janeiro: Ed. Vozes/Fecamp: 1999.
POSSAS, MARIA SILVIA Concorrência e elementos subjetivos Competitivenessandsubjectiveelements Revista de Economia Política, vol. 18, nº 4 (72), pp. 595-611, outubro-dezembro/1998.
WAPSHOTT, Nicholas. Keynes x Hayek. As origens e a herança do maior duelo econômico da história. Rio de Janeiro, Record:2017.