Adriana da Costa Fernandes
O Brasil finalmente saiu do tempo do cobre.
Depois de uma longa e árdua jornada que quem viveu conhece bem, segundo o relatório TIC Domicílios 2022, da CGI.br, 80% das residências brasileiras já possuem acesso à internet e 71% das casas já se encontram conectadas via banda larga.
Para sanar a diferença em busca do atingimento da conectividade full, algumas alternativas para 2024 vem sempre sendo pensadas, ainda que nem sempre colocadas em prática.
No Futurecom 2023 (Out 23), as operadoras debateram, por exemplo, (a) novos focos em microtecnologias com o objetivo de compactar componentes físicos para facilitar as instalações de redes FTTB e FTTH, o que já é explorado no exterior; (b) a Web3 e a Indústria, a revolução no setor industrial; (c) as Agtechs e diversos outros temas essenciais para a alavancagem do setor e o estabelecimento de novos patamares econômicos e tecnológicos.
Segundo informações da plataforma Telesíntese e dados da consultoria britânica Juniper Research, já são 5 (cinco) as tecnologias em destaque, as quais são consideradas aptas a impactar de forma significativa o setor já a partir do próximo ano, influenciando as atividades das operadoras e dos provedores de internet.
São elas:
(1) Satélites, setor do qual já há algum tempo se espera o impacto sobre as redes 5G em especial acerca do fornecimento de conectividade em áreas com pouca ou nenhuma cobertura móvel.
(2) APIs abertas, tema na pauta da GSMA, associação global de operadoras, a qual anunciou seus primeiros produtos no país no Projeto Open Gateway.
(3) Dispositivo com ISim integrado, possibilitando que o smartphone possa se conectar à rede móvel sem a necessidade de comportar um SIM físico ou um eSIM (chip virtual).
(4) Interoperabilidade entre plataformas, consideradas gatekeepers (controladoras de acesso digitais), Google, Meta, Microsoft, Apple, Amazon e TikTok que precisarão se adequar à Lei dos Mercados Digitais (DMA, em inglês) até março de 2024. O foco será buscar a interação com os consumidores, não importando o aplicativo de mensagens OTT usado. A questão na mesa há de ser: o nível mantido de privacidade e o comportamento dos algoritmos nisso?
(5) Inteligência Artificial (IA) generativa, como prioridade, “the ultimate darling”, cabendo aqui novamente o sinal amistoso, – Hey, Jude, atenção, ferramenta em desenvolvimento.
Inclusive, nesta linha, o próprio Ministro Luís Roberto Barroso indicou o lançamento do Manifesto sobre a Simplificação da Linguagem no Direito.
Curiosamente, mesmo que eu não soubesse do fato até agora, me alegro do que me contou aqui Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy acerca de um texto antigo dele chamado “A Revolução da Brevidade“, do querido autor Ítalo Calvino, em As Seis Propostas Para O Próximo Milênio, base para a 1ª Residência Literária Brasileira, da qual participei em Paraty (RJ), durante meu período sabático no ano de 2015.
Sobre Linguagem, bacana, em bases convergentes, como veremos.
Na toada da fibra ótica, a lista dos 6,5 mil órgãos públicos que devem se conectar à rede privativa de segurança nacional ainda não foi definida. A expectativa é a de que a rede tenha características mínimas, aderentes ao edital do 5G, posto ter sido condicionante, sendo 80% óptica e os 20% afetas a outras tecnologias.
Diante de todo este interessante cenário tech, ainda remanesce uma “espinha de peixe” atravessada na garganta do consumidor nacional apesar de inúmeros pontos de melhoria obtidos com o passar dos anos.
O fato é que, à medida que a disrupção se impõe e a inovação aumenta a sua presença, o desafio de prover cibersegurança e com maior agilidade de respostas a antigos dilemas que pareciam superados, mas realmente não foram, os temas voltam à pauta e novos atores tendem a repetir os mesmos erros.
Um destes problemas é a questão das antigas bases legadas das operadoras do Sistema Telebrás que foram unificadas nos sistemas das operadoras, das mais diferentes formas.
Em verdade, estas bases nunca geraram um cadastro único. As teles não possuem “o seu” cadastro integrado. O que existe são diversas bases internas que se comunicam, nem sempre da melhor forma possível e tantas vezes com certo delay.
Imensas, em face da quantidade de usuários deste país continental, bem como nem sempre preenchidas e continuadas da melhor forma, exigem atenção e novo investimento a cada vez que novos problemas surgem mais complexos de serem resolvidos, isto porque nem sempre acompanham a agilidade dos sistemas atuais.
Espera-se que esta migração já tenha sido providenciada ou venha sendo, mas não parece, quando se percebe que a base de cobrança, a de dados pessoais e a de marketing de grandes operadoras, continuam não se comunicando adequadamente.
A exemplo disto, uma story simples que acontece a todo o instante e que os indicadores da ANATEL e dos PROCONS conhecem, desrespeitando a legislação consumerista, em um verdadeiro “enxuga-gelo” e fomentando a máquina do Judiciário:
“Marisa, mãe de quatro filhos, divorciada, advogada, na faixa etária dos 55 anos, dona de uma agenda lotada de compromissos, com perfil avesso à tecnologia, do tipo que sempre adorou fila de banco, pela sensação de “dever cumprido”. Inicia todo mês levando as contas organizadas por valor, do maior para o menor, à mesma Agência Bancária há 30 anos. Típica preocupação de quem terminou a faculdade nos anos 80, ainda gosta de ler jornal em papel, feliz por sujar a mão e comprar o pão na padaria às 7h. Se acostumou a enfrentar fila de cartório, fila de transporte, a pagar DARF com preenchimento manual e coisas do gênero. Apenas registros de uma geração, nada mais. E daí? Marisa sofre, sofre mesmo porque sua operadora de telefonia celular se recusa, e o faz abusadamente, a encaminhar a conta física para sua residência, apesar de ainda existir esta opção e ela a ter exercido. Sente-se agoniada todos os meses ao receber o código de barras para pagamento no APP, coisa que ela nem sabe direito usar e que precisa pedir ajuda ao filho mais novo, que ainda mora com ela, que, lógico, nunca tem tempo. E ao certo, a conta de celular normalmente atrasa entre 5-10 dias, o que a irrita profundamente. Marisa tem o típico perfil das pessoas preocupadas demais com o “decoro imaculado” do nome, como filha ou filho, que nem tarde em casa pode chegar, quanto mais atrasar um vencimento que a faria ficar sem se comunicar com seus mais importantes clientes e até perder prazos jurídicos. Coitada da Marisa, treme a alma todos os meses só de ouvir o nome da operadora de telefonia. Pois chegou fevereiro, carnaval e o filho viajou para a Bahia com a namorada. Ih, Marisa “ficou lascada”, na melhor das gírias adolescentes. 20 dias de atraso na conta. Ela começou a receber ligações diárias incessantes que simplesmente nada falavam ou diziam: – Oi, você é (pa-u-sa)… a (pa-a-u-s-sa no meio da sala de audiências. Não ela não desligaria, precisava informar que o filho viajou, mas ninguém falava com ela)… Marisa? … pi-pi-pi. Ufa! Ele voltou. – Ah, mãe, relaxa, agora existe uma opção de pagamento via PIX. Pago. E de imediato uma mensagem: – Agradecemos o seu pagamento. Ainda bem. Ufa! Uma semana inteira de paz. (…) Até que às 20h da sexta-feira, descansando, tomando vinho e ouvindo música clássica, uma mensagem: – Olá, como não recebemos o seu pagamento até o momento, o seu celular a partir de agora só receberá chamadas de emergência. Solicitamos que solucione o pagamento urgente. O reestabelecimento da linha apenas após a confirmação do pagamento, em até 72 (setenta e duas) horas.”
Este é um caso fake, criado pela inteligência natural que carrego comigo, mas poderia ser real, porque acontece o tempo todo por aí. Em verdade, quem nunca?
Dois problemas sérios: (a) a não interface entre as duas bases ocasionando a não baixa imediata do pagamento já confirmada ao consumidor. E, neste caso, em antagonismo à regra consumerista nacional, ao reconhecer o pagamento e depois novamente cobrar. (b) Dia e hora errados de contato e corte de um serviço que deveria ser considerado ao menos parcialmente essencial, aguardando ao menos o dia útil e um contato, priorizando o Princípio da Razoabilidade e a mitigação de danos. Onde estão os Jurídicos Consultivos Preventivos?
Ok, amenizando, isto tudo não é só um problema de telecom. Alto lá.
Quando da entrada da Estratégia Nacional do Governo Digital e as teles ficaram de fora, toda a coordenação foi das TICs, realizando exatamente a mesma operação, integrando as bases dos diversos Órgãos Públicos, Ministeriais e Institucionais, sobrepondo sobre o emaranhado de dados levantados uma “cobertura”, uma espécie de “colcha de retalhos da vovó” que busca dar ao usuário a sensação, o feeling, de estar lidando com uma coisa só, via GOV.br Ou seja, a problemática inicial foi e é exatamente a mesma.
O trabalho foi intensivo e continua sendo. Melhorou muitíssimo ao que era. Sensacional, mas se compararmos, por exemplo, as páginas das Agências Reguladoras dentro do GOV.br, os contextos são totalmente diversos. E muitas vezes, desproporcionais, justamente pelo fato de que a base legada de algumas era ruim, precisando ser muito trabalhada simultaneamente ao que é feito em termos de melhoria e inovação no GOV.br como um todo.
Este tema foi pauta, inclusive, de painel da Futurecom, onde se abordou até mesmo a grande dificuldade de conseguir boa mão de obra para a realização deste tipo de trabalho lapidar.
Ou seja, mexer no bolo e ao mesmo tempo assentar a cobertura, não é tarefa para qualquer um. Exige cautela, muito comprometimento e boa vontade.
É um problema geral. Uma das maiores empresas internacionais de varejo, aquela que todos amam, tem uma das maiores fragilidades de base que eu já vi neste quesito. A outra amadinha de alimentos idem.
Perdi a conta de quantas vezes precisei alterar meu cadastro, confirmar um milhão de coisas tolas e, mesmo assim, pasmem, o número de telefone cancelado há mais de 1 (ano) é o que hoje, novamente, está valendo quando reinicio o telefone do zero, pois, das duas, uma, ou a falha interna voltou a ocorrer nos cadastros ou muito provavelmente estamos falando de uma questão severa de cibersegurança que eles não têm mecanismos, de fato, seguros e efetivos para identificar.
Novamente, isto só ocorre porque as empresas dispõem destas diversas bases de dados independentes, algumas recebidas, herdadas, legadas, que tiveram de ser tratadas, sem os adequados históricos de movimentação e acesso, que até pouco tempo não eram de todo confiáveis.
No caso dos endereços e informações pessoais, ponto de alta atenção quanto à Garantia prevista na LGPD acerca da privacidade de Dados Pessoais, a questão ainda é mais complexa, em especial quando hoje Dado é Petróleo, pois as bases são manipuladas por empresas terceiras, com pessoal sem preparo e normalmente sem muita estabilidade.
O maior risco continua sendo a falta de verificação do histórico dos profissionais x baixos salários x falta de preparo x descontrole de acessos (driblar ainda é fácil, seja pelos sistemas falhos, seja pela ineficiência de preenchimento). Não se tem controle do quantitativo da dita infiltração de pessoal.E isto é grave. Isto é cibercrime. O Brasil ainda não acordou.
Estes pontos são facilmente verificáveis, pois normalmente quando o consumidor atualiza sua informação pelo site da operadora ou via mobile dificilmente funciona. Algum grau de efetividade ocorre apenas quando o call center é acionado e assim mesmo, de forma parcial, porque, como dito, a base do sistema da operadora é diverso do call center. Quantas vezes já não se ouviu: – Nosso sistema está fora do ar. Leia-se, nossos sistemas não estão se falando agora de forma alguma, nem com delay.
Isto ocorre igualmente com a empresa prestadora de serviços que faz o atendimento na casa do usuário, com o da empresa de cobrança e com todos os serviços terceirizados.
Trata-se de um o aspecto ao qual me referi em um de meus últimos textos, acerca da infraestrutura nacional (como um todo, não estou mencionando planta de engenharia instalada) ainda carecer de alguma atenção no quesito base antes de tanta celeuma com IA como Linguagem.
Mais uma vez, bolo bom se faz com os melhores ingredientes e a melhor ganache, mas não com massa ruim. Precisa ser palatável e ter consistência para crescer.
Esta mesma regra se aplica ao que se pretende agora construir no Judiciário.
Com mais cautela ainda, pondero. Em especial, em face de destinos individuais e da construção de uma rota coletiva segura. Da mesma forma, em se tratando da definição de bons rumos da Precedência, porque, sim, se estará indiretamente tratando cada vez mais disto. E IA tem inconteste o condão de cruzar, matricialmente, bases espetaculares (os excelentes ingredientes), como as doutrinárias, hermenêuticas, as linguísticas comunicantes (texto anterior) e, ao certo, os indicadores de eficiência que o mundo usa – KPIs (sem espanto, por favor) devidamente adaptados.
Afinal de contas o Direito não é uma ilha no meio do oceano da vida, ao contrário. É um ponto de convergência das muitas vidas plurais.
Não sou favorável à centralização institucional completa, isto é incompleto e diz respeito a um Estado engessado e antiquado. Bem como não é do que não se trata. Porém, as Instituições de topo de pirâmide precisam aprender a assumir papéis menos burocratas e mais principiológicos, formadores, orientativos, luminosos, inspiradores e acima de tudo, de mão reversa, ou seja, decisores, mas de acompanhamento de eficiência social. Delegando, de fato, tudo o que é realmente necessário, mas mantendo firmes as rédeas do que é essencial para o grupo caminhar junto, lado a lado, uníssono na mesma rota.
Assim, que bons ventos abracem nossos setores regulados, nosso Judiciário e a nós operadores e consumidores.
Que venha 2024 com muitos novos satélites no ar e com o fim do drama dos postes e do cabeamento aéreo, ainda que estes sejam papos para outras horas.
Feliz Dezembro!