Maceió que o diga, José!!!

Será que o que está acontecendo em Maceió no Estado de Alagoas com o afundamento de bairros é um exemplo de que o tripé formado pelo Estado, poder econômico e população está condenado a ser desequilibrado para todo o sempre?

O Estado utiliza a força das suas instituições e a capacidade heroica dos seus servidores para demonstrar os pontos negativos da atuação do poder econômico; o poder econômico, por seu turno, utiliza toda a força econômica para contra-argumentar e protelar o improtelável; e a população fica literalmente neste buraco.

O que estamos a dizer não são ilações, são evidências!!

O problema dos afundamentos nos bairros de Maceió já vem de longa data, assim como também já vem de algum bom tempo a exploração de sal-gema na região.

Será que há correlação entre estes dois fatos? Parece que sim!!!

Não foram poucos os alertas a respeito das consequências das ações antrópicas[1]. O Serviço Geológico do Brasil (CPRM) apresentou, em 2019, extenso estudo[2] sobre o fenômeno que estava a acontecer nos bairros de Maceió, chegando à conclusão de que a causa do gatilho do tremor de terra com afundamento de cavidades nos bairros de Maceió era a desestabilização das cavidades de extração de sal-gema[3].

O poder econômico, por seu turno, apresentou diversos questionamentos a respeito da validade do estudo do Serviço Geológico do Brasil (CPRM)[4]. Nada mais natural!! Afinal de contas todo o poder deve ser combatido, inclusive o poder do Estado.

Direitos ao contraditório a parte, parece que as hipóteses apontadas pelo Serviço Geológico do Brasil para possível colapso das estruturas nos bairros de Maceió em Alagoas estão se confirmando.

E agora josé, a festa acabou!!![5]

Acabou para quem? Infelizmente acabou para a população que vive naquela região. São eles que estão vendo o seu patrimônio ser destruído e são eles que dependerão da luta entre o poder do Estado e o poder econômico para receberem as suas indenizações ou qualquer coisa que o valha.

            Por isso, com grande ousadia[6] nos apropriando de uma estrofe do venerável poema “José” de Carlos Drumond de Andrade para finalizar este editorial:

“Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?”

Apêndice: Conclusão do Serviço Geológico do Brasil a partir dos dados utilizados

HipótesesPremissasDesenvolvimentoConclusão
Características geotécnicas dos solos da região e forma de ocupação do bairroPresença de solos colapsáveis e orgânicos, forma de ocupação e métodos construtivos inadequados.Os ensaios de geotécnica não demonstraram características que explicassem os danos. O surgimento de rachaduras em imóveis de diversas idades não pode ser explicado por problemas construtivos. Entretanto, processos interligados necessitam de cuidados específicos, tais como estabilização dos processos erosivos, saneamento básico, instalação de rede de drenagem eficiente no bairro e demais obras estruturantes.O conjunto de estudos invalida esta hipótese. É importante ressaltar que as chuvas intensificam o processo erosivo.
Presença de vazios (cavidades, cavernas) nos solos e subsolos da região decorrentes de causas naturais ou ações antrópicasocorrência de cavidades decorrentes da dissolução de rochas em subsuperfície ou desabamento de minas de extração de sal-gema, como as minas 7 e 19.A sismologia mostrou sismos coincidentes com minas de extração. A gravimetria demonstrou a existência de anomalias negativas de massa associadas com as cavernas produzidas pela extração do sal. O método geofísico audiomagnetotelúrico mostrou a existência de anomalias resistivas em profundidade que seriam geradas por cavidades de mineração em desabamento. A interferometria indicou deformação compatível com subsidência por deformação dúctil da camada de sal e concêntrica na região de poços de mineração. As observações de campo apontam deformações compatíveis com subsidência. A análise integrada dos dados dos oito sonares em ambiente 3D permite afirmar que as atividades de extração de sal-gema, alterou o estado de tensões resultando no colapso de minas e causando os processos de subsidência no bairro do Pinheiro: Há evidências que comprovam que a deformação nas cavernas da mineração teve papel predominante na origem dos fenômenos que estão causando danos na região estudada. Este processo está em evolução.
Estruturas/Feições tectônicas ativas na regiãoOs danos estudados teriam origem em eventos de neotectônica.A geofísica identificou diversas falhas que já eram esperadas pelo contexto regional. A sismologia identificou padrões de sismos que não são compatíveis com movimentos de tectônica regional. A interferometria indica deformação concêntrica na região de poços de mineração incompatível com eventos de origem tectônica. Os trabalhos de mapeamento estrutural de campo realizado no bairro do Pinheiro e em outras áreas de Maceió confirmaram as direções das descontinuidades nas direções NW/SE, NS e NE/SW que são regionais e coincidentes com as direções das fraturas e trincas que ocorrem nas moradias e ao longo do bairro e delimitadas no mapa de mapa de feições de instabilidade do terreno.O conjunto de estudos indica que as hipóteses 2 e 3 estão associadas, sendo a hipótese 2 desencadeadora do processo. A correlação entre zonas de falha com direção NNW-SSE que ocorrem nos bairros do Mutange e Bebedouro e a localização das minas de sal indicam que o processo de mineração interferiu diretamente na trama estrutural preexistente da região e favoreceu a reativação dessas estruturas, produzindo a subsidência observada nos dados de interferometria.
Explotação de água subterrâneaOs danos estudados teriam origem em subsidência causada por recalque decorrente da extração de água subterrânea.A análise dos dados de hidrogeologia revelou que os níveis estáticos e dinâmicos dos aquíferos Barreiras e Marituba estão em recuperação, não existindo indícios de superexplotação.O estudo realizado invalida a hipótese.

Fonte: Brasil (2019)[7]


[1] Ações antrópicas são ações do homem.

[2] Serviço Geológico do Brasil – SGB (cprm.gov.br)

[3] “A sismologia identificou padrões de sismos que não são compatíveis com movimentos de tectônica regional. A interferometria indica deformação concêntrica na região de poços de mineração incompatível com eventos de origem tectônica”. [CPRM (2019), pags. 36 e 37].

[4] Estes questionamentos com as respectivas respostas do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) estão disponibilizadas no arquivo datado de 03 de junho de 2019 – RESPOSTAS DO SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL AOS QUESTIONAMENTOS DA BRASKEM – respostas_finalizacao_braskem.pdf (sgb.gov.br).

[5] Frase cunhada no poema de Carlos Drumond de Andrade “José”

[6] A ousadia está no fato de que Carlos Drumond de Andrade escreveu este poema em 1942, no auge da 2ª guerra mundial. Os medos estavam associados com a incerteza da guerra, mas também não estavam associados com o regime ditatorial que vigorava no Brasil à época. Não nos parece que os medos de “José” escritos no contexto da guerra e da ditadura sejam tão diferentes dos medos vividos pelos moradores de Maceió.

[7] BRASIL. Serviço Geológico do Brasil (CPRM). ESTUDOS SOBRE A INSTABILIDADE DO TERRENO NOS BAIRROS PINHEIRO, MUTANGE E BEBEDOURO, MACEIÓ (AL) Ação Emergencial no Bairro Pinheiro. Volume I, RELATÓRIO SÍNTESE DOS RESULTADOS Nº 1. Brasília, 29 abril de 2019. Disponível em: relatoriosintese.pdf (sgb.gov.br). Acesso em: 02 de dezembro de 2023.

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