O perigo da ampliação do déficit de resultado primário sem contrapartida na trajetória sustentável da dívida pública

Editorial

Apesar das pressões em torno da alteração da meta de resultado primário para 2024, o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) manteve a meta de resultado primário de déficit zero[1] para 2024, o que significa dizer que ao final do ano vindouro as despesas primárias terão que ser exatamente iguais às receitas primárias.

Existem algumas oportunidades para alterar a meta de resultado primário no processo orçamentário: a primeira se dá por meio de emendas de Deputados e Senadores quando da tramitação do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) na Comissão Mista de Orçamento (CMO); a segunda se dá por meio da apreciação em sessão conjunta de um novo Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) quando o PLDO já foi aprovado pelo Plenário; e a terceira acontece por intermédio de proposição legislativa encaminhada pelo Poder Executivo ao Poder Legislativo quando a Lei Orçamentária Anual (LOA) já está vigendo (execução do orçamento).

A alteração da meta em qualquer que seja a fase gera pelo menos duas consequências: uma política e outra técnica.

A razão política está associada com dois pontos: abrir espaço para o Poder Legislativo influenciar na execução do orçamento; e o timing da solicitação de alteração. A depender das alterações propostas pelo Poder Executivo, a negociação com o Poder Legislativo pode representar enfraquecimento do governo e dar margem a barganha, além de admitir que a escolha do déficit zero estava equivocada.

A razão técnica se relaciona ao fato de que o conjunto de informações existente à época da apresentação do PLDO/2024 pouco se alterou em relação ao existente hoje, o que aumenta a incerteza em relação a uma nova solicitação de alteração da meta fiscal mais adiante, haja vista que será a programação financeira do exercício de 2024 e a execução do processo orçamentário-financeiro que poderá avaliar a evolução das despesas e prever uma eventual frustação de receitas.

Vale lembrar que o acompanhamento bimestral das despesas e receitas primárias é o melhor termômetro para identificar, em primeiro lugar, a necessidade de adoção de medidas de limitação de empenho e de pagamento e, em segundo lugar, se haverá necessidade de alteração da meta.

É importante ressaltar que o resultado primário do Governo Central é definido de maneira a garantir a trajetória sustentável da dívida pública. O acompanhamento bimestral de despesas e receitas primárias e o uso da limitação de empenho e de pagamento previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF são os mecanismos utilizados para garantir que a meta de resultado primário seja atingida, de maneira que [s]e verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subsequentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias (caput do art. 9º).

Neste processo, a variável de escolha do governo é a despesa primária e é sobre ela que ocorre a calibragem, sendo o contingenciamento o instrumento utilizado para este fim.

A alteração da meta de resultado primário é um segundo passo depois de avaliadas as condições fiscais da execução do orçamento. Somente a partir da evolução das despesas e receitas primárias ao longo do exercício fiscal é que é possível estimar com maior segurança quais são as novas condições de resultado primário que precisam ser pactuadas para garantir a trajetória sustentável da dívida pública.

Sendo assim, o problema do governo central é o de minimizar a dívida publica sujeito a um resultado primário, de tal forma que para cada resultado primário haja um nível mínimo ótimo de dívida (aquela que é sustentável ao longo do tempo). Dessa forma, quanto maior for o nível ótimo de dívida maior tem que ser o resultado primário e vice-versa.

Portanto, se a proposta é ampliar o déficit da meta de resultado primário deve-se ter em mente uma trajetória de dívida compatível, do contrário a meta de resultado primário perde completamente a função de regra fiscal.  

A meta de resultado primário de déficit zero pode até ser uma ficção, mas perigoso mesmo é ampliar o déficit do resultado primário sem se saber a contrapartida na trajetória sustentável da dívida pública.


[1] O déficit zero está expresso no Caput do art. 2º do PLN 4/2023 (documento (senado.leg.br)), in verbis:

Art. 2º A elaboração e a aprovação do Projeto de Lei Orçamentária de 2024 e a execução da respectiva Lei deverão ser compatíveis com a meta de resultado primário de R$ 0,00 (zero real) para os Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, conforme demonstrado no Anexo de Metas Fiscais constante do Anexo IV a esta Lei.

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