Gabriela Pimenta R. Lima

Em 2007, quando o Supremo Tribunal Federal estava sob a presidência da Ministra Ellen Gracie, foi publicada a Emenda Regimental (ER) 21, que incluiu a possibilidade de o relator submeter a análise da repercussão geral (RG) de processos por meio eletrônico, podendo os demais ministros encaminhar, também por meio eletrônico, manifestação sobre a RG, criando-se, assim, o plenário virtual (PV), que desde então vem contribuindo significativamente para o aprimoramento do STF como uma Corte Constitucional Digital.

A criação do PV está diretamente ligada à RG, introduzida no ordenamento jurídico pela EC 45/2004, disciplinada pela Lei 11.418/2006, e efetivamente implementada pela referida ER 21/2007. À época de sua criação, um dos principais objetivos da RG era reduzir o acervo de processos, bem como garantir a segurança jurídica, garantindo que casos semelhantes tenham a mesma solução.

De lá para cá, o plenário virtual teve suas competências ampliadas. Em 2010, a ER 42/2010 permitiu o julgamento do mérito de questões com RG, nos casos de reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, por meio eletrônico. Em 2016, a ER 51 incluiu os agravos internos e os embargos de declaração no PV. Em 2019, a ER 52 possibilitou o uso do PV para o julgamento de agravos regimentais, medidas cautelares em ações de controle concentrado, referendo de medidas cautelares e de tutelas provisórias, desde que a matéria tivesse jurisprudência dominante na Corte.

Em março de 2020, com a decretação da pandemia causada pela Covid-19, as sessões presenciais de julgamento do STF foram suspensas, e para dar andamento aos julgamentos, a ER 53/2020 ampliou ainda mais a competência do PV, permitindo que todos os processos de competência da Corte fossem submetidos a julgamento em listas, no ambiente presencial ou no eletrônico, equiparando o plenário virtual ao físico.

Após a ER 53/2020 foram publicadas as Resoluções 669/2020 e 675/2020, que possibilitaram a disponibilização dos votos e a apresentação de sustentação oral e de esclarecimento fáticos, por meio de gravação de vídeo, enviada antes do início da sessão virtual.

As alterações normativas refletiram na proporção de decisões proferidas no PV. Conforme dados da pesquisa científica “O plenário virtual na pandemia da Covid-19”[1], desenvolvida pela Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação do STF, em 2019, o Tribunal proferiu 81,9% de decisões colegiadas em ambiente virtual; em 2020, 95,5%; e, até junho/2021, 98,4%.

Segundo a pesquisa, o primeiro aumento significativo de decisões virtuais está diretamente ligado à expansão da competência do PV, implementada pela ER 51/2016. E o segundo aumento significativo ocorreu em 2020, por causa da pandemia, quando ocorreram 17.400 julgamento virtuais, enquanto 10 anos antes, ocorreram apenas 112.

É inegável a importância que o PV adquiriu no modelo decisório do STF nos últimos 16 anos, mostrando-se como mecanismo importante para a redução do acervo de processos, que na presente data é de 24.361, contra 129.623, em 2007, segundo dados do programa “Corte Aberta”[2] do STF.

Em que pese seus avanços, o PV ainda sofre muitas críticas. Após a publicação da ER 53, advogados manifestavam preocupação quanto à limitação ao direito de defesa[3]. À época, mais de 100 advogados, incluindo ministros aposentados do STF, como Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Francisco Rezek, Nelson Jobim, Ellen Gracie e Cezar Peluso, assinaram abaixo-assinado apresentado ao então presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, pedindo a revogação da ampliação do PV, em razão da violação aos princípios da ampla defesa, do devido processo legal, do contraditório e da publicidade, bem como do art. 133, da CF, que prevê a indispensabilidade do advogado à administração da Justiça, e do art. 93, X, da CF, que determina a publicidade de todos os julgamentos do Poder Judiciário[4].

Diante de muitas manifestações contrárias à ampliação do PV, o STF anunciou algumas mudanças, como i) a inclusão das sustentações e votos no andamento processual; ii) a possibilidade dos advogados encaminharem memoriais durante a sessão virtual; e iii) a obrigatoriedade de os ministros passarem pelas sustentações orais para ter acesso ao campo de votação.

De fato, hoje, todas essas medidas foram adotadas, mas não foram suficientes para dirimir a questão. Sob uma ótica menos positivista, podemos reconhecer que o direito de apresentar a defesa oral está sendo assegurado, afinal, o advogado pode encaminhar o vídeo de sua sustentação, mas o problema está na forma como o direito vem sendo assegurado, pois desconsidera-se o interesse do advogado em sustentar de forma presencial/telepresencial, isto é, em tempo real na presença dos julgadores, impossibilitando o acompanhamento do julgamento e de eventuais discussões, bem como da apresentação de eventuais esclarecimentos fático durante o julgamento.

O tema segue em discussão. Mais recentemente, em 19/09/2023, após a retirada de processos relacionados aos atos antidemocráticos do 8 de janeiro da pauta presencial do Plenário[5], o Conselho Federal da OAB enviou ofício[6] à Corte propondo que o envio de julgamentos para o PV seja feito somente se houver a anuência do advogado do processo, sob pena de violação do devido processo legal, do contraditório e do direito de defesa do direito de defesa, bem como do art. 7º, X, XI e XII, do Estatuto da OAB, que prevê garantias quanto ao uso da palavra, indispensável ao exercício do direito de defesa.

Até o momento, o STF não se manifestou sobre o ofício. Contudo, observamos uma importante mudança implementada pelo novo presidente da Corte, ministro Barroso, que tomou posse em 28/09/2023.

A fim de promover o diálogo entre os julgadores, o ministro Barroso adotou um novo formato de julgamento presencial, no qual são realizadas duas sessões de julgamento. Na primeira, é lido o relatório e são feitas as sustentações orais. Após, a sessão é suspensa, sendo marcada uma nova data apenas para os ministros proferirem seus votos. Segundo o ministro Barroso, o novo modelo atenderia a um pleito antigo dos advogados, que alegam que por vezes a sustentação oral é mera formalidade porque os votos já estão prontos antes do julgamento e são proferidos logo após a sustentação, impossibilitando que os julgadores tenham tempo para analisar os argumentos expostos nas sustentações.

A mudança já foi colocada em prática, no julgamento do ARE 1309642, que ocorreu em 18/10/2023, exclusivamente, para leitura do relatório e realização das sustentações orais. Após, o julgamento foi suspenso para aguardar o agendamento de nova sessão para os ministros apresentarem seus votos.

Pensando em aplicar o novo formato de julgamento presencial aos julgamentos virtuais, quando o caso for incluído na pauta do PV, os advogados teriam duas opções, 1) seguir o caminho que temos hoje, isto é, enviar o vídeo da sustentação no prazo regimental, ou 2) no mesmo prazo, manifestar o interesse na realização de sustentação oral de forma presencial, então, o caso seria retirado do PV para que seja agendada nova data para inclusão em sessão presencial apenas para a realização da sustentação, em seguida, 2.1) ou o caso voltaria para o PV e seguiria o rito que já é adotado hoje, 2.2) ou se for do interesse do relator e/ou de algum dos ministros, o caso seria destacado do PV para seguir no julgamento presencial.

Certamente a discussão sobre as sustentações no PV ainda dará muito “pano para a manga”, mas o debate é uma importante ferramenta para aprimorar o funcionamento desse mecanismo decisório, eficaz pelo número de processos que são julgados, adequado para apreciação de demandas de diversas complexidades e fundamental para o desenvolvimento do STF como uma “Corte Constitucional Digital”.


[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). O plenário virtual na pandemia da Covid-19 [recurso eletrônico] / Supremo Tribunal Federal. Brasília: STF, Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação, 2022, p. 31.Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/codi/anexo/Pesquisa_Plenario_virtual

.pdf. Acesso em: 01 nov. 2023.

[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). O plenário virtual na pandemia da Covid-19 [recurso eletrônico] / Supremo Tribunal Federal. Brasília: STF, Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação, 2022, p. 15.Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/codi/anexo/Pesquisa_Plenario_virtual

.pdf. Acesso em: 01 nov. 2023.

[3] POMPEU, Ana. Sessões virtuais do STF preocupam advogados e geram críticas de partes das ações. JOTA, 2020. Disponível em: https://www.jota.info/stf/do-supremo/sessoes-virtuais-do-stf-preocupam-advogados-e-geram-criticas-de-partes-das-acoes-28042020. Acesso em: 06 nov. 2023.

[4] Advogados, dentre os quais 6 ex-ministros do STF, peticionam contra plenário virtual. JOTA, 2020. Disponível em: https://www.jota.info/stf/do-supremo/advogados-dentre-os-quais-6-ex-ministros-do-stf-peticionam-contra-plenario-virtual-16042020. Acesso em: 06 nov. 2023.

[5] Ação penal dos atos antidemocráticos será julgada no Plenário Virtual. Supremo Tribunal Federal, 2023.  Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=514341&ori=1. Acesso em: 06 nov. 2023.

[6] Em audiência com Alexandre de Moraes, OAB requer respeito à prerrogativa de sustentação oral. OAB Nacional, 2023.  Disponível em: https://www.oab.org.br/noticia/61445/em-audiencia-com-alexandre-de-moraes-oab-requer-respeito-a-prerrogativa-de-sustentacao-oral. Acesso em: 06 nov. 2023.


GABRIELA PIMENTA R. LIMA. Cursando o LL.M. em Processo e Recursos nos Tribunais no IDP. Mestre em D. Constitucional pelo IDP (2021). Pós-graduada em D. Tributário pelo IDP (2014). Especialista em D. Tributário pelo IBET (2014). Graduada em Direito pelo CEUB (2011).


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