Editorial

Está um bafafá danado essa história de que a União não cumprirá a meta de resultado primário de déficit zero em 2024. A entrevista do Lula na sexta-feira no dia 27 de outubro de 2023 deixou o mercado de cabelo em pé, pois ele falou na possibilidade de um rombo nas contas públicas entre 0,25% a 0,5% do PIB para 2024. Já falam em encaminhamento de proposição legislativa ao Congresso Nacional pelo Presidente da República a fim de alterar a meta de resultado primário para o ano que vem.

Mas, espera aí, qual é a surpresa? Qual é o problema?

Não!! Não há nenhuma surpresa nem nenhum problema na alteração da meta de resultado primário!!

Não há surpresa porque pela legislação pátria, a receita primária é estimada e a despesa primária é fixada, não sendo por outro motivo que o art. 8º da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF (Lei Complementar nº 101, de 04 maio de 2000) assevera que o Poder Executivo estabelecerá a programação financeira e o cronograma de execução mensal de desembolso[1] e que o caput do art. 9º pontua que [s]e verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subsequentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias.

Também, é importante revisitar a legislação para lembrar que o encaminhamento de proposição legislativa ao Congresso Nacional por parte do Chefe do Poder Executivo solicitando a alteração da meta de resultado primário está prevista em lei. Adicionalmente, é bom que se diga que desde 2001, quando a meta de resultado primário tomou o formato aplicado até hoje, a alteração da meta foi uma prática utilizada em mais do que 50% dos anos considerados[2].

Além de tudo isso que já foi dito, é importante visitar a novel legislação de agosto deste ano, a Lei Complementar nº 200, de 30 de agosto de 2023, lei esta que instituiu o Regime Fiscal Sustentável, também conhecido como Novo Arcabouço Fiscal, especificamente o que expressa o art. 7º, I, II e §2º, in verbis:

Art. 7º Não configura infração à Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), o descumprimento do limite inferior da meta de resultado primário, relativamente ao agente responsável, desde que:

I – tenha adotado, no âmbito de sua competência, as medidas de limitação de empenho e pagamento, preservado o nível mínimo de despesas discricionárias necessárias ao funcionamento regular da administração pública; e

II – não tenha ordenado ou autorizado medida em desacordo com as vedações previstas nos arts. 6º e 8º desta Lei Complementar.

§ 2º O nível mínimo de despesas discricionárias necessárias ao funcionamento regular da administração pública é de 75% (setenta e cinco por cento) do valor autorizado na respectiva lei orçamentária anual.

Trocando em miúdos, o que a Lei Complementar nº 200/2023 nos trouxe foi uma nova interpretação do que venha a ser meta de resultado primário. Por esta nova legislação, a meta passou a ser um conjunto formado pelo centro da meta (déficit zero para 2024) e pelo intervalo de tolerância (0,25 pontos percentuais do PIB para cima e para baixo), de maneira que somente se descumprirá a meta se os incisos I e II e no §2º não forem atendidos.

Claro que qualquer alteração do centro da meta desloca os intervalos da banda e o cumprimento da meta segundo a Lei que deu origem ao Novo Arcabouço Fiscal pode ficar mais ou menos apertada a depender do seu novo valor.

No entanto, polemizar em cima do centro da meta e não sobre o conjunto formado pela meta e pelo intervalo de tolerância é cometer um erro de interpretação, haja vista que, diferentemente do revogado Teto de Gastos, a meta no Novo Arcabouço Fiscal sempre será cumprida para qualquer que seja o valor da regra fiscal dentro do intervalo de tolerância.

Portanto, tudo pode acontecer com uma declaração política sobre a meta fiscal no âmbito do Novo Arcabouço Fiscal, inclusive nada. TUDO porque se houver alteração no centro da meta há, inevitavelmente, alteração nos intervalos de tolerância, e NADA, em razão da meta fiscal poder ser cumprida em qualquer ponto dentro do intervalo de tolerância.

Portanto, não há qualquer surpresa com o governo nem para o bem nem para o mal. e a apreensão do mercado não se justifica, pois tudo está dito na Lei Complementar nº 200, de 30 de agosto de 2023.


[1] Art. 8oAté trinta dias após a publicação dos orçamentos, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias e observado o disposto na alínea do inciso I do art. 4o, o Poder Executivo estabelecerá a programação financeira e o cronograma de execução mensal de desembolso.             (Vide Decreto nº 4.959, de 2004)                (Vide Decreto nº 5.356, de 2005)

[2] De acordo com Barbosa (2022), até 2021 a meta de resultado primário foi mudada em 57% dos anos de sua vigência, isto é, em 12 de 21 anos desde aprovação da LRF, em 2000.

BARBOSA, Nelson, 21 anos de meta de resultado primário. Blog do IBRE. 31 de janeiro de 2022. Disponível em: 21 anos de meta de resultado primário | Blog do IBRE (fgv.br). Acesso em: 31 de outubro de 2023.

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