Maxwell de Alencar Meneses

No tempo da sociedade do conhecimento, com busca incessante por informação, essa pergunta se faz imperiosa. Ao invés de responde-la diretamente a intenção é perscrutar o tema e estimular o pensamento crítico a respeito de questões conexas. De antemão ressalvando que considerações aqui expressadas não constituem opinião de nenhuma instituição em particular, nem tampouco daquele que as escreve.  

Trata-se apenas de cogitações e testes de cenários a fim de compreender e explorar realidades complexas, como as associadas ao tema “conhecimento”. Mais do que nunca, o “tudo que sei é que nada sei” de Sócrates se faz mister. 

Para que seja possível minimamente tentar endereçar a pergunta que intitula o artigo, que faz menção a uma busca por algo, no caso o conhecimento do Cade, é necessário tecer um retrato falado de quem se busca, para que seja então possível seu reconhecimento, sendo assim, cabe aqui uma pequena digressão com disposições preliminares, no sentido de conceituar alguns elementos essenciais associados ao termo “conhecimento” no âmbito desse escrito.  

Começando pelo elemento básico do conhecimento, que aqui se chamará “dado”.  Define-se como partícula elementar capaz de carregar atributo único acerca de algo ou de si mesmo. Informação, por sua vez, seria um objeto composto construído cumulativamente pela agregação organizada de um conjunto de dados, até o limite de sua transmutação à condição de um ente portador de valor utilizável.  

De maneira semelhante, o conhecimento advém do agregado de informações sistematizadas a respeito de um determinado tema, que envolve necessariamente o processo de interação íntima com essas informações por uma pessoa humana ou, de modo emulado por um robô, até o ponto de constituírem parte indissociável dessa pessoa natural ou artificial. 

Em uma escala bem mais elevada, seria definida a “sabedoria” como a absorção, por meio de um contato experimental, de conhecimentos múltiplos em um período abrangente o suficiente para habilitar a capacidade de produzir outros conhecimentos inéditos e de desfazer conhecimentos errôneos. 

O que justificaria o quão arriscado são as nomeações de pessoas sem a sabedoria necessária. Talvez isso tenha ocorrido com Lina Khan, que, depois de assumir o FTC, sofreu internamente uma queda da satisfação geral de um terço do seu próprio pessoal. Em pesquisa realizada na agência americana, que antes apontava que 83% dos seus colaboradores detinham elevado nível de respeito pelos líderes seniores, após a chegada de Lina, esse índice caiu para 49%i.  

Em outras palavras, “it’s all about people” (é tudo a respeito de gente), o que traz à lembrança de que não é nada segura a comida de restaurantes em que os funcionários estão insatisfeitos. Além disso, explica a menção a muitas pessoas feita aqui, a começar por Sócrates, oferecendo sugestões antecipadas para os possíveis rumos da resposta à discussão central do artigo. 

Em relação ao Cade, que foi eleito em 2022 como um dos melhores lugares para trabalhar, sendo o único na Administração Pública, é possível notar um verdadeiro progresso nos conceitos estilizados de conhecimento aqui experimentados, especialmente considerando a contínua maturação institucional à qual o Conselho está submetido, oferecendo uma infinidade de oportunidades para a construção de novos conhecimentos.  

Nesse contexto, o que efetivamente estimulou a abordagem desse tema foi uma dessas experiências inefáveis de geração de conhecimento enfrentadas pelo Cade. Tudo se iniciou pelo fim, quando recentemente foi concluído o caso Nestlé Garoto, fruto de belíssimo trabalho da atual Procuradora Geral do Cade, Dra. Juliana Domingues, colunista do WebAdvocacy. Tema rico merecedor de muitos estudos, mas que foi apenas o gatilho para algumas reflexões visitadas nesse texto.  

Na sessão de julgamento em que foi apresentada a proposta de acordo para encerramento do caso iniciado em 2002, pretérito à atual lei de defesa da concorrência, algo da história do caso foi lembrado tanto pelo Cade quanto por representantes das partes. De modo emotivo e, para além da sessão, foi inevitável pensar em quantos advogados, economistas, autoridades, técnicos, procuradores, profissionais de variadas áreas e composições do conselho vieram e partiram, deixando alguma parcela de contribuição durante esse tempo. 

Despertando aos nascidos no século passado, que mais conscientemente vivenciaram esse período, divagações a respeito de quanto conhecimento foi empregado, gerado e para onde teria ido esse conhecimento. As fotos de ex-autoridades do Cade hoje existentes na sede do órgão apontam também nesse sentido.  

Mesmo quem não tem sua foto na parede, mas passou pelo Cade, lembra com saudosismo e alguma dose de nostalgia pelas experiências, contribuições e aprendizado. Ainda assim, se essas fotos falassem e pudessem compartilhar seus conhecimentos acumulados, se pudessem ser entrevistadas e responder a dúvidas de quem chegou por agora, talvez muitas rodas não precisariam ser reinventadas. 

De fato, já seria possível fazê-lo. A exemplo de museus que se utilizam de realidade aumentada para propiciar interatividade, ou pela aplicação da ubiquidade da internet das coisas, que habilita que objetos sejam emissores de sinais digitais. Tecnologias perfeitamente capazes de tornar possível essa entrevista com os “pais” do antitruste.  

A quantidade de informação hoje disponível é notadamente muito grande e de certo modo suficiente para suprir de assunto esse diálogo. Até pelo contrário, essa magnitude de informação pode ser na realidade um obstáculo para seu real aproveitamento. 

Esse volume estupendo torna-se uma benção e uma maldição. O malogro está na condição de que muito conteúdo é um modo de não se ter nenhum. O overload de informações é bem conhecido como forma de atrapalhar investigações, por intermédio do fornecimento de uma quantidade massiva de documentos.  

As máquinas também sofrem, visto que o flooding, o Distributed Denial of Service (DDoS) são técnicas clássicas de causar indisponibilidade de serviços ou servidores, por intermédio da sobrecarga das interfaces com acessos distribuídos, ou com uma grande quantidade de dados. 

O Rei Salomão, renomado como o mais sábio e abastado, possivelmente um dos raros estudiosos a combinar esses dois elementos – conhecimento e riqueza – antecipou algo semelhante há milhares de anos, quando aconselhou: “Meu filho, cuidado, pois não há limite para a quantidade de livros que se produz; o estudo excessivo sobrecarrega o corpo”.  

Os livros são exemplos de documentos contenedores de informações, das quais especula-se aqui, e também são um meio de comunicação com as pessoas de outrora e da atualidade. No entanto, quando em uma quantidade e finalidade não adequadamente sistematizada, são um método de sobrecarga de informação, à semelhança dos ataques cibernéticos citados, mas que também significam outras sobrecargas preocupantes, como peso e espaço, que até explicaria em parte o sucesso do Kindle da Amazon.  

Dentro desse contexto, é compreensível que o Cade tenha implementado um sistema de gestão de biblioteca moderno, utilizando a tecnologia de RFID (identificação por radiofrequência), que pode ser associada à mencionada internet das coisas. Fruto do belíssimo trabalho da Bibliotecária Deborah Lins, que também contribuiu para a criação da própria Biblioteca Agamenon Magalhães, que possui o nome do pai do Antitruste no Brasil, alguém outrora tão combatido pelo consórcio de mídia de seu próprio tempo.  

Delineando a esse ponto de modo mais direto onde está o conhecimento do Cade, destaca-se do acervo da Biblioteca, livro de Ednei Silva, Coordenador-Geral de Análise Antitruste, que versa sobre controle de concentrações envolvendo fundo de investimento no Brasil, que como diz Vinicius de Carvalho, ex-presidente do Cade, trata-se de um dos temas mais polêmicos e difíceis da política de defesa da concorrência. 

A questão a respeito de onde está o conhecimento aponta também para a relevância da organização da informação e da habilidade de localizar o conhecimento necessário tempestivamente. Com a recente pane no sistema elétrico, torna-se interessante reforçar esse conceito em contextos como o do ONS, o Operador Nacional do Sistema Elétrico.  

Apesar de toda a tecnologia à disposição em seu centro de controle sito no SIA, em Brasília, semelhante aos centros de controle retratados em filmes sobre a NASA, o ONS ainda recorre a manuais de procedimentos de rede, volumes de considerável tamanho, que precisam ser mantidos constantemente atualizados e são de vital importância em situações de instabilidade. De tal forma que, esses manuais seriam inúteis se não estivessem impressos e acessíveis em momentos de crise. 

Ainda acerca do acesso ao conhecimento, é interessante notar ser possível hoje alimentar algumas ferramentas na nuvem com arquivos pdf e fazer perguntas a respeito do conteúdo, como na entrevista imaginada. No entanto, essa facilidade de nada adianta se não for possível localizar o livro ou o arquivo. Tal é a importância dessa questão, que levou a criação do Google Search Appliance, que foi um investimento da gigante de buscas no sentido de fornecer para as organizações uma forma de indexar automaticamente seus documentos.  

Tratava-se de um servidor com tecnologia Google embarcada, que era montado no Data Center do interessado e passava a indexar milhões de documentos corporativos. O problema passou a ser achar até o que não devia. Provavelmente, o motivo do produto vir a ser descontinuado brevemente, um indicativo da necessidade da intervenção humana na produção de conhecimento. 

Nesse sentido, O Departamento de Estudos Econômicos do Cade, proativo como de costume, produziu em 2020 o documento de trabalho nº 006/2020 com o subtítulo “Passado, Presente e Futuro”. Em síntese, trata-se de uma apresentação da história do Departamento, compilando em forma de conhecimento os anos de produção de estudos, pesquisas e pareceres de alto nível.  

Conhecimento responsável por definir rumos do antitruste no Brasil, dos quais destacam-se a Resolução nº 24/2019 do Cade, que trata do Gun Jumping, e o desenvolvimento de filtros econômicos para a detecção de cartéis já aplicados no mercado de venda de combustíveis. Com destaque a atuação do Economista-Chefe Luiz Esteves, colunista da Webadvocay, bastante profícuo na produção de notas técnicas durante sua gestão (2014-2016). 

Outra fonte de conhecimento para o Cade é a atuação dos advogados das partes, como bem ilustrado no recente artigo do ex-conselheiro do Cade, Mauro Grinberg, publicado no WebAdvocacy. Nesse artigo, ele destaca a significativa relevância da participação dos advogados perante o Cade, visto que desempenham um papel fundamental no processo de elaboração das decisões administrativas, cumprindo um compromisso público de contribuir para a construção dessas resoluções. 

As decisões que ao longo do tempo vêm moldando a jurisprudência do Cade, contribuindo para a formação de um conhecimento coletivo sobre diversos mercados, estavam, até recentemente, disponíveis em volumes intermináveis em papel. Como discutido anteriormente, devido às características inerentes desse formato, tais volumes apresentavam barreiras naturais de acesso, como as dificuldades e custos associados ao compartilhamento.  

No entanto, essa questão foi solucionada por meio da bem-sucedida iniciativa do Cade sem papel, que foi liderada por Mariana Rosa. Esse avanço se mostrou crucial durante a recente pandemia e, quando comparado com instituições governamentais de países como os EUA, coloca-nos em uma posição vantajosa, já que tais instituições não possuem a digitalização presente no caso do Cade. 

Além disso, à semelhança da natureza cumulativa do conhecimento mencionada no início, durante a gestão do ex-presidente Alexandre Barreto, o Cade implementou um sistema moderno de consulta de jurisprudência. Esse sistema é de importância fundamental para abordar as questões de acesso e garantir a previsibilidade das decisões da autarquia, um compromisso atentamente perseguido pelo corpo técnico do Conselho. 

A transparência e a participatividade que caracterizam a formação do conhecimento do Cade foram bem representadas durante a época da abertura de um inquérito administrativo para investigar possíveis práticas anticompetitivas no mercado financeiro e nos meios de pagamento eletrônico. Especificamente, o enfoque estava nos efeitos resultantes da verticalização dentro desse setor. Uma audiência pública, organizada pelo Cade e intitulada “Estrutura do Setor Financeiro Nacional: Impacto da Verticalização sobre a Concorrência”, proporcionou uma plataforma para uma ampla gama de perspectivas sobre as razões subjacentes ao custo elevado da intermediação financeira e dos serviços bancários e de pagamento no país. 

Nessa audiência pública, variadas visões foram apresentadas, abordando as possíveis causas da onerosidade associada aos serviços financeiros. Isso destacou a importância de analisar profundamente os efeitos da verticalização sobre a concorrência no setor financeiro, considerando a diversidade de opiniões e contribuições. Através desse processo participativo, o Cade demonstrou seu comprometimento com a transparência e a inclusão, permitindo que múltiplos pontos de vista fossem considerados na análise das práticas anticompetitivas e de suas implicações para os consumidores e para a economia em geral. 

A diversidade de pensamento e conhecimento, está presente em projeto de Elvino Mendonça, ex-conselheiro do Cade, pai da Webadvocacy, esta plataforma online que se destaca por produzir e disseminar conteúdo de excelente qualidade relacionado às áreas de direito e economia. Essa iniciativa representa de maneira notável outro âmbito de conhecimento do Cade: as comunidades online dedicadas à difusão de cursos, estudos e discussões. Muitos colunistas que fazem ou fizeram parte do Cade participam ativamente dessas comunidades, contribuindo para a manutenção de um ambiente de troca de conhecimentos. 

A presença de ex-membros do Cade nesses fóruns oferece uma oportunidade única para a comunidade antitruste. Ao compartilharem suas perspectivas e experiências, essas autoridades continuam a enriquecer o conjunto de conhecimentos disponíveis. Isso não apenas sustenta o nível atual de entendimento, mas também expande as perspectivas para abranger outras realidades e contextos. 

Dr. Elvino, como um ex-conselheiro do Cade, exemplifica a importância de indivíduos que, após ocuparem posições relevantes no campo antitruste, continuam a contribuir ativamente para a educação e o diálogo construtivo. A Webadvocacy e outras iniciativas semelhantes desempenham um papel vital na disseminação do conhecimento, na promoção do debate e na capacitação contínua de profissionais e estudantes interessados em direito e economia, proporcionando um ambiente de aprendizado rico e dinâmico, demonstrando o caráter de um ecossistema de defesa da concorrência que o Cade construiu ao logo dos anos. 

Em fechamento, nesse ponto, percebe-se claramente que o Cade, mesmo sofrendo com o turnover de pessoal como qualquer organização moderna, conseguiu elaborar uma série de instâncias e repositórios distribuídos e autogerenciáveis. Esses repositórios se retroalimentam de conhecimento antitruste, ventilando e engrandecendo o próprio conhecimento do Órgão. Esse conhecimento não se dissipa facilmente. Ao contrário das estruturas feudais de conhecimento acadêmico em que os nobres, detentores de títulos, se encastelam, como ocorria nos mosteiros do século XIV, o Cade empoderou cada servidor, colaborador, autoridade e a sociedade a ser um produtor de conteúdo. Esse conteúdo, ao ser continuamente produzido, não se permite ser esquecido. O conhecimento do Cade está hoje em toda parte. 


Disclaimer. As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da WebAdvocacy.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *