Editorial

O dia 07 de junho de 2023 é um dia para ficar na história do antitruste brasileiro. Nada mais nada menos do que a aprovação da aquisição da Garoto pela Nestle, ato de concentração submetido ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) em 2002, reprovado pelo CADE em 2005, judicializado, com diversas idas e vindas ao longo dos últimos 20 anos, e aprovado com celebração de Acordo pelo Plenário do Conselho[1].

A aprovação deste caso envolveu duas décadas de composições de Conselho, um pouco mais de uma década de SG e a composição de várias Presidências e Procuradorias Federais junto ao CADE. A vitória é de todos!! O Conselho foi decisivo no início dos anos 2000 e na decisão de 2023, a SG foi precisa na instrução e na elaboração de Parecer translúcido que conduziu a decisão do Plenário do último dia 07 de junho e incansável foi a Procuradoria Federal junto ao CADE ao longo destes longos anos.

Afora a competência dos presidentes, conselheiros, superintendentes e procuradores que atuam e que atuaram no CADE durante este período, há que se exaltar a importância do desenho institucional e procedimental que sustenta o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. O excerto extraído do PARECER n. 00017/2023/CGCJ/PFE-CADE/PGF/AGU deixa bem clara a natureza deste desenho institucional, in verbis:

27. Evidentemente, a solução negociada é superior à solução imposta, na medida em que elimina os custos associados à implementação, antecipando à sociedade os benefícios da tutela legal[6]. Com efeito, muitas vezes a solução negociada dos processos administrativos que visam à aplicação da LDC, na medida em que obvia os custos e riscos inerentes à morosidade do trâmite judicial, pode se afigurar como uma alternativa para a implementação eficaz da política de defesa da concorrência.

28. Por essa razão que a Lei 8.884/94, aplicável à época da operação, derrogada pela lei 12.529/11, exigiu que o acordo seja proposto pela Procuradoria-Geral e aprovado pelo Plenário (composto de seis Conselheiros e um Presidente com mandato, todos nomeados pelo Presidente da República dentre cidadãos brasileiros maiores de 30 anos, de ilibada reputação e notórios conhecimentos jurídico e econômico, após sabatina pelo Senado Federal). 29.

29. Este desenho institucional e procedimental confere ao CADE a necessária independência e legitimação para vocalizar o interesse público, no caso concreto, quanto à conveniência e oportunidade na celebração de acordo processual (TCC, TAC ou transação) ou extraprocessual. Portanto, a celebração de acordo encontra-se na esfera de competência do Plenário do CADE como mecanismo válido de implementação da política de defesa da concorrência. 30.

30. A Lei 12.529/11 não apenas manteve como reforçou a hipótese de negociação administrativa de termos de compromisso de cessação (art. 85), claramente validando a experiência de anos do CADE na implementação de uma política de solução negociada de seus litígios com administrados. No que se refere aos acordos judiciais, que é o caso sob análise, a Lei 12.529/11 também previu expressamente, no seu art. 15, inciso VI, a competência da PFE-CADE de promover acordos judiciais mediante autorização do Tribunal.

Resta claro que esta e outras decisões são fruto do trabalho conjunto do CADE (SG, Tribunal e DEE) e da Procuradoria Federal junto ao CADE. Conforme demonstrou a SG, o mercado se ajustou ao longo do tempo e a rivalidade existente no mercado já era motivo suficiente para que a operação chegasse a bom termo.

Fosse o direito econômico revestido somente de questões mercadológicas, talvez a solução já tivesse sido dada a mais tempo, haja vista a evolução do mercado de chocolates e afins no Brasil e no mundo. No entanto, o direito econômico não é só econômico, ele é jurídico também e a batalha na seara jurídica é bem mais longa.

A judicialização das decisões do CADE acaba fazendo com que a solução final acompanhe o tempo e a morosidade do Poder Judiciário. É preciso muita capacidade de negociação e resiliência para se chegar a bom termo e, nisso, o papel da atual Procuradoria-Geral do CADE para fazer todas essas costuras e arremates finais foi gigante!

A aprovação da operação Garoto/Nestlé pelo CADE marca o fim dessa chaga no SBDC. Ganha a concorrência, ganham os consumidores, ganha o Brasil.

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[1] Do ponto de vista do funcionamento dos mercados relevantes envolvidos na operação, o acordo celebrado entre CADE e Nestle prevê:

d) Por força do presente acordo, a NESTLÉ declara e se compromete, ainda, que, pelo período mínimo de 7 (sete) anos, contados da sua homologação judicial, manterá em produção, eficiente e moderna, a unidade fabril da CHOCOLATES GAROTO em Vila Velha – ES, sob pena de multa de R$ 50.000.000.00 (cinquenta milhões de reais), a ser aplicada pelo CADE e recolhida ao Fundo dos Direitos Difusos – FDD.

e) O funcionamento da unidade fabril da CHOCOLATES GAROTO em Vila Velha – ES será atestado por trustee, contratado para esse fim específico pela NESTLÉ, mas previamente aprovado pelo CADE, conforme trâmites previstos no Anexo I, em periodicidade anual, a partir da homologação do presente acordo perante o competente juízo. Para que não reste dúvida, a presente obrigação em nada interfere no imediato encerramento da ação ordinária (Autos sob o n.º 2005.34.00.015042-8), a partir da homologação judicial do presente acordo, com emissão de sentença, nos termos do CPC artigo 269, III.

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