Editorial

A coisa anda quente pelos lados da Câmara dos Deputados. O Projeto de Lei nº 2630/2020, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, estava pautado para terça-feira 02 de maio de 2023, mas foi retirado de pauta com a justificativa de que o Relator deseja avaliar os argumentos trazidos pelas big techs.

Na verdade, a justificativa é bem outra e está associada com o fato de que não havia como garantir número suficiente de votos para aprovar a proposição legislativa na Câmara dos Deputados e a dificuldade se explica pela oposição feita pelas big techs ao projeto, pois, além destas empresas atuarem junto às suas bases na Câmara dos Deputados, há indícios de que elas utilizaram e estão utilizando o seu elevado poder econômico para ampliar o discurso contra o Projeto de Lei e impedir que manifestações de apoio sejam veiculadas em suas redes.[i]

Dois importantes órgãos do Ministério da Justiça já lançaram as suas ofensivas contra a possível violação dos direitos dos consumidores e da concorrência resultante da “ação” das big techs. A Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) abriu investigação para apurar os efeitos sobre os consumidores e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) abriu processo preparatório de inquérito administrativo[1] com o intuito de apurar suposto abuso de posição dominante por parte do Google e da Meta.

A atuação junto ao consumidor em casos em que empresas como Google e Meta manipulam a opinião dos utilizadores das redes sociais parece ser uma decisão acertada, pois o consumidor deve ser protegido sempre que a sua liberdade de consumir é de alguma forma tornada obscura.

No entanto, é preciso avaliar se o caso em comento é de fato um caso de competência da autoridade concorrencial. É preciso rememorar que a defesa da concorrência se ocupa da concorrência, o que quer dizer que uma infração à ordem econômica afeta a concorrência e não o concorrente.

Os indícios de que as empresas utilizaram os seus algoritmos para fazer com que somente fossem veiculadas informações contra o PL das fake News afeta a liberdade de decisão dos consumidores, na medida em que induz o consumidor ao erro e, consequentemente, altera a percepção dos deputados.

Mas em que este comportamento afetaria a concorrência?

Bem, se considerarmos que as big techs como o Google e a Meta detêm elevado poder de mercado nos mercados em que atuam e que o ecossistema digital atua sobre todos os setores econômicos, não é demais dizer que os seus concorrentes e os setores que atuam a jusante estão sujeitos as arbitrariedades das empresas quase monopolistas.

Mas voltemos ao caso em comento e por partes. O que há de concorrencial no texto do PL? Bem, o texto do PL faz conexão direta com a defesa da concorrência, basta para isso analisar o quanto expresso em alguns artigos como, por exemplo, os artigos 3º e 17.

O art. 3º define que a aplicação desta lei deverá observar princípios como, por exemplo, IX – a vedação à discriminação ilícita ou abusiva pelos provedores aos usuários; XII – a livre iniciativa; e XIII – os previstos nos seguintes diplomas normativos: … e) Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Já o caput do art. 17 dispõe que o procedimento de moderação de conteúdo e de conta deve observar o normativo vigente e ser aplicado com equidade, consistência e respeito ao direito de acesso à informação, à liberdade de expressão e à livre concorrência e o seu parágrafo único fala postula que à moderação de conteúdo e de contas, devem sempre estar orientados pelos princípios da necessidade, proporcionalidade e não discriminação, inclusive quanto ao acesso dos usuários aos serviços dos provedores.

Ora, há uma clara conexão entre o texto do PL 2630/2020 e a lei de defesa da concorrência. Resta saber, no entanto, em que medida as práticas adotadas pelo Google e demais big techs envolvidas podem ser caracterizadas como infrações à ordem econômica nos termos do art. 36 da Lei nº 12.529/2011.

Lembremos que para ser infração à ordem econômica a prática tem que ser um ato que tenha por objeto ou possa produzir (i) limitação da livre iniciativa e livre concorrência; (ii) domínio de mercado relevante; (iii) aumento arbitrário de lucros; e (iv) abuso de posição dominante.

De acordo com o “A guerra das plataformas contra o PL 2630/[2]020[3]”, as práticas adotadas pelo Google, Meta, Spotify e Brasil Paralelo são as seguintes: Google impulsiona site próprio chamando de “PL da Censura”; Brasil Paralelo anuncia no Google contra o PL; Ignorando as próprias regras, Spotify veicula anúncio político do Google; Google anuncia sem rótulo META ADS na Meta, contra o PL; YouTubers contra o PL 2630/2020 são sugeridos na primeira página; Página do Google aparece com mensagem contra o PL; e Google induz busca sobre “PL da Censura”.

Portanto, é possível verificar que principalmente o Google utiliza a sua posição dominante para influenciar os utilizadores do buscador contra o PL 2630/2020. No entanto, cabem os seguintes questionamentos: como essa prática afeta a concorrência? Qual é ou quais são os mercados relevantes afetados? Ao propagandear o PL da Censura o Google exclui empresas do mercado, amplia os custos dos rivais ou qualquer outra conduta prevista no §3º do Art. 36 da Lei 12.529/2011.

Prima facie, as práticas do Google e demais big techs não são práticas de natureza concorrencial, a menos que pudéssemos pensar no mercado de oposição ao PL como sendo um mercado, em que a posição dominante do Google lhe garantiria o domínio das críticas. No entanto, não é isso que acontece. Não se está aqui a dizer que as empresas não cometeram crime, o que se está aqui a falar é que será preciso investigar se as empresas cometeram crime contra a ordem econômica – abuso de posição dominante ou aumento arbitrário dos lucros, de competência do CADE.


[1] Processo administrativo nº 08700.003089/2023-85.

[2] A guerra das plataformas contra o PL 2630 – NetLab UFRJ, Abril 2023 (poder360.com.br)

[3] A guerra das plataformas contra o PL 2630 – NetLab UFRJ, Abril 2023 (poder360.com.br)


 

 

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