Editorial
Este foi o comentário emitido no Twitter pelo Relator do Projeto de Lei nº 2630/2020[1] que trata da liberdade, responsabilidade e transparência na internet que deve ter o parecer[2] colocado em votação na Câmara dos Deputados na próxima terça-feira (02.05.2023).
Um dos pontos fulcrais do Projeto de lei diz respeito à responsabilização civil solidária pela reparação de danos gerados por conteúdos causados por terceiros, se o dano tiver sido causado por meio da plataforma ou, quando for identificado descumprimento das obrigações de dever de cuidado e segurança (art. 6º do PL 2630/2020).
Para além da responsabilização civil, o PL 2630/2020 igualmente prevê uma seção sobre as obrigações de análise e de atenuação de riscos sistêmicos devendo identificar, analisar e avaliar diligentemente os riscos sistêmicos decorrentes da concepção ou do funcionamento de seus serviços, sobretudo, quando se tratar de difusão de conteúdos ilícitos, violência contra mulher, racismo, proteção da saúde pública, de crianças, adolescentes, idosos, quando puder gerar consequências negativas graves para o bem-estar físico e mental da pessoa, quando colocar em risco o Estado Democrático de Direito e à higidez do processo eleitoral, os efeitos da discriminação ilegal e abusiva na utilização de dados pessoais sensíveis.(ver §2º do art. 7º do PL 2630/2020).
O projeto de lei ainda prevê uma seção com obrigações e dever de cuidado, estabelecendo que os provedores devem atuar diligentemente para prevenir e mitigar práticas ilícitas no âmbito de seus serviços, envidando esforços para aprimorar o combate à disseminação de conteúdos ilegais gerados por terceiros que possam configurar crimes contra o Estado Democrático de Direito, atos de terrorismo, crimes de induzimento, instigação e auxílio ao suicídio ou automutilação, crimes contra crianças e adolescentes, racismo, violência contra a mulher e infração sanitária (Ver art. 11 do PL 2630/2020).
Segundo parecer do Relator, a nova versão do PL não traz a instituição fiscalizadora e aplicadora de sanções. Com esta versão, a fiscalização dos provedores (redes sociais, aplicativos de mensagem instantânea a ferramentas de busca) será realizada nos termos de regulamentação própria[3].
Na mesma semana em que se anuncia a possível votação do PL 2630/2020, a Justiça Federal do Espírito Santo (1º grau) decidiu pela retirada do ar do aplicativo Telegram em razão do descumprimento de decisão que determinava que a plataforma entregasse dados de grupos e usuários suspeitos de planejar ataques em escolas. Em segundo grau, o magistrado Flávio Lucas da 2ª Turma Especializada do TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região), reconsiderou parcialmente a decisão tornando ao ar a plataforma, sem suspender a multa diária. Entendeu o desembargador que a medida “não guarda razoabilidade, considerando a afetação ampla em todo território nacional da liberdade de comunicação de milhares de pessoas absolutamente estranhas aos fatos sob apuração“.
O que o caso Telegram no Poder Judiciário diz a respeito ao questionamento do relator sobre a instituição que fiscalizará a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência da internet?
Bem, três situações já são possíveis de análise: (i) a primeira, a de que a responsabilização civil solidária das plataformas digitais e todo o dever de cuidado é uma questão urgentíssima; (ii) a segunda, a de que a determinação de criação de códigos de conduta elaborados sob as diretrizes do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), sem uma estrutura que permita seu enforcement é para lá de questionável. (iii) a terceira, é a de que uma estrutura administrativa de Estado com poderes de enforcement teriam o condão de reduzir a pressão sobre o Poder Judiciário.
O caso Telegram nos demonstra que deixar a cargo das empresas o critério para monitorar e retirar conteúdo ofensivo e criminoso a seu bel prazer é uma tarefa nada trivial, principalmente porque a decisão de combater determinados comportamentos nas redes envolvem custos das mais variadas formas, o que diminuirá, certamente, o lucro dessas empresas.
Por fim, a retirada do texto de criação de uma autarquia especial destinada à regulação e a fiscalização do cumprimento da lei e de outras incumbências como a de fixar mutas administrativas, estabelecer mecanismos de regulação e fiscalização, implementação efetiva das políticas, dentre outras atribuições a serem previstas em lei, tornam o projeto de lei praticamente inexequível. É o que chamamos de “lei para inglês ver”!” Sendo a norma jurídica, formada por preceito e sanção, a criação de preceitos sem estrutura administrativa para implementação de sanções torna sem qualquer força a norma. Aliás, a tarefa de fiscalizar e regular é do Poder Executivo e não do Poder Judiciário.
E a pergunta continua: qual instituição fiscalizará a lei e eventualmente aplicará sanções?
[1] PL 2630/2020 – Institui a Lei Brasilira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.
[2] O Parecer do Deputado Orlando Silva (PCdoB/SP) encontra-se disponível no link: prop_mostrarintegra (camara.leg.br).
[3] Relator apresenta novo parecer ao Projeto das Fake News; texto será votado na terça – Notícias – Portal da Câmara dos Deputados (camara.leg.br)
[*] Frase dita pelo Relator do PL nº 2630/2020. Ver reportagem no link: Relator apresenta novo parecer ao Projeto das Fake News; texto será votado na terça – Notícias – Portal da Câmara dos Deputados (camara.leg.br)