Polyanna Vilanova & Ana Flávia Nápoli
Nas últimas décadas, o setor de telecomunicações passou por inúmeras transformações tecnológicas, chegando no ano de 2010 como um dos pilares da economia global. Contudo, se pela perspectiva da praticidade e acesso à informação, o setor de telecomunicações gerou grandes ganhos à sociedade, sob o aspecto concorrencial e regulatório, o caminho foi árduo e repleto de desafios.
Fato: cada vez mais a sociedade tem se conectado por meio de aparelhos celulares. Uma pesquisa realizada pela Comscore em 2021 indicou que, dispositivos móveis somam 91% do tempo de acesso à internet no Brasil [1], ficando atrás somente da Indonésia. Em 2016, 5 anos antes, esse número era de apenas 60%[2]. Essa crescente demanda por conectividade impulsionada pela proliferação desses dispositivos móveis e a popularização da internet demonstram a dinamicidade desse setor: a necessidade da criação constante de novos produtos e serviços (e novas infraestruturas para esses produtos) para se adequar às necessidades dos consumidores.
No entanto, se por um lado essa dinamicidade traz tantas inovações à sociedade, por outro, é justamente ela que implica na tendência de concentração desse mercado, e o principal ponto dessa problemática é que os investimentos para a prestação de novos serviços no setor de telecomunicação (ou até mesmo os próprios custos de operação nesse mercado) são altos. Em 2021, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) estimou que o investimento para as operadoras de telefonia operarem a tecnologia 5G no Brasil giraria em torno de R$ 169 bilhões[3]. A partir desses valores, é possível concluir que são poucas as empresas no Brasil capazes de atuar nesse mercado – e é justamente isso que faz com que os agentes existentes possuam vantagens no mercado[4], tornando necessário o olhar mais atento tanto por parte da Anatel quanto e pelo Cade.
Os desafios enfrentados pelo setor se dão pelas elevadas barreiras à entrada, grandes economias de escala e escopo, limitação da disponibilidade de insumo essencial, inovações tecnológicas e constantes mudanças[5]. Além disso, tendo em vista o ritmo acelerado dessas mudanças tecnológicas que frequentemente superam a capacidade da agência, torna-se necessário que a Anatel constantemente revisite o seu arcabouço regulatório à luz dessas transformações no intuito de dar respostas rápidas e eficazes aos agentes do setor.
Em meio a esse dinamismo característico, há o desafio de haver uma regulação atual, adequada e capaz de estimular a entrada de novos agentes nesses mercados. Isso porque, apesar da regulação ser necessária ela também pode ter efeitos negativos no mercado, especialmente quando as regras são excessivamente restritivas e impedem a entrada de novas empresas ou a oferta de novos serviços. Isso pode afetar a concorrência e, consequentemente, elevar os preços e reduzir a qualidade dos serviços.
Se faz necessário, portanto, ponderar qual seria o melhor desenho para as novas tecnologias e modelos de negócios existentes, de que forma deve se dar a atuação do Cade e da Anatel para que seja alcançado o objetivo final de ampliar o oferecimento de serviços de qualidade a custos mais baixos e ao mesmo tempo estimular a competição.
Desse modo, o equilíbrio entre a regulação e a concorrência são elementos-chave para o bom funcionamento do setor de telecomunicações e devem caminhar lado a lado. Isso porque, em que pese a regulação seja necessária para garantir que as empresas cumpram com normas, obrigações e regulamentos específicos, protegendo os interesses dos consumidores, por outro lado, a concorrência é fundamental para promover um ambiente competitivo saudável e estimular a inovação. Assim, as funções das instituições são complementares e fundamentais para o setor.
Ao longo das últimas décadas, o Cade e a Anatel têm mantido uma política de cooperação e troca de conhecimentos, essencial para a identificação e resolução de problemas relacionados à concorrência e a regulamentação do mercado de telecomunicações, de modo a dirimir as assimetrias informacionais com a abertura do diálogo entre a agência e as empresas do setor.
Inclusive, em 10 de abril de 2023, com a colaboração da Anatel, o Cade lançou a 18ª edição da série “Cadernos do Cade” que analisa os mercados de telecomunicações no Brasil, com foco nos segmentos de telefonia fixa e móvel, banda larga fixa e infraestrutura. O Caderno apresenta o contexto em que o mercado atualmente se insere a nível nacional e global abordando diversas estatísticas do setor e casos que passaram pelo Cade, sejam estes atos de concentração ou investigações de condutas anticompetitivas.
O Caderno elenca alguns casos em que o Cade analisou o mercado de forma mais aprofundada, e um caso que merece destaque é a aprovação da compra da Oi Móvel pela Tim, Claro e Vivo[6]. Em fevereiro de 2022, o Cade aprovou a compra dos ativos de telefonia móvel do Grupo Oi pelas operadoras Tim, Claro e Telefônica Brasil. Visando preservar as condições de concorrência no mercado, a autorização do negócio foi condicionada à celebração de Acordo em Controle de Concentrações para mitigar possíveis riscos concorrenciais, pois ficou demonstrado que a saída do Grupo Oi do mercado de Serviço Móvel Pessoal (SMP) resultaria na redução de quatro para três o número de empresas que atuam nacionalmente no segmento, o que gera elevada concentração de mercado na oferta de telefonia móvel no país. Em vista disso, o Cade ponderou qual seria a melhor estratégia a seguir em relação a aprovação ou reprovação da operação, pois ao mesmo tempo, a possível insolvência da Oi geraria impactos sobre serviços de telefonia fixa, banda larga e comunicação de dados e outros serviços essenciais que dependem da infraestrutura da empresa. Assim, foi concluído pela autoridade que as condicionantes estabelecidas para a aprovação seriam suficientes para reduzir significativamente as barreiras à entrada, aumentar a expansão de concorrentes, mitigando, assim, as preocupações concorrenciais identificadas.
Da análise dos casos que passaram pelo Cade, é possível observar que no setor de telecomunicação, a existência de efetiva competição varia conforme a definição de mercado relevante, sob a ótica do produto e geográfica. Isso porque a depender do serviço ofertado e das regiões, a dinâmica competitiva é diferente. Essa variação em relação a definição de mercado relevante por parte da autoridade antitruste é também um dos reflexos das constantes mudanças que o setor sofre devido ao surgimento de novos modelos de negócios.
Ao longo dos anos, empresas que foram muito importantes para o setor, hoje perderam espaço. Tecnologias que antes eram supervalorizadas pelos usuários, foram substituídas, como a rede de fios metálicos em comparação com a fibra ótica, a telefonia fixa sendo substituída pela telefonia móvel, o acesso discado à internet, que em um momento foi a principal tecnologia de banda larga, e a evolução da tecnologia de telefonia móvel.
O próprio edital do 5G é um exemplo concreto da reorganização do setor[7], em que houve a possibilidade de regionalização da oferta desse espectro, permitindo a entrada de novos agentes nesse mercado, com a atração de novos investimentos, a possibilidade de crescimento de pequenas e médias empresas e o fortalecimento da competitividade do setor de telecomunicações brasileiro no cenário internacional. Com o advento de tal tecnologia, está ocorrendo a migração gradual dos consumidores para pacotes de dados em detrimento dos serviços de voz devido aos novos aplicativos de comunicação que surgiram.
Apesar da evolução, existem temas que são recorrentes desde os primeiros processos analisados pelo Cade e que possivelmente se manterão no radar da autoridade no futuro, como a convergência tecnológica, que seria a tentativa de colocar no mesmo mercado relevante diferentes produtos, tecnologias e também o acesso à infraestrutura e integrações verticais, pois nos mercados de telecomunicações há uma grande preocupação em relação a possibilidade de exclusão ou de criação de dificuldades aos concorrentes por parte do detentor da infraestrutura.
Sobre o primeiro tema, convergência tecnológica, recentemente discutiu-se se os serviços over-the-top (OTTs) poderiam ser colocados no mesmo mercado dos serviços de telecomunicação. A conclusão da Superintendência-Geral do Cade foi da impossibilidade de tal inclusão, pois embora desenvolvam atividades similares, os serviços prestados pelas plataformas não estão submetidos ao mesmo tratamento que os serviços de telecomunicações.
Já em relação ao segundo tema, acesso à infraestrutura, houve processos recentes envolvendo acordos de compartilhamento de infraestrutura (acordos de RAN Sharing) por duas ou mais operadoras com o intuito de reaproveitar infraestrutura e reduzir custos. Essa prática é comum principalmente nos casos de cobertura de regiões menos povoadas, em que se faz necessário viabilizar a entrada de novos concorrentes através do compartilhamento da infraestrutura pré-existente.
A tendência é que o setor de telecomunicações continue se expandindo, mas para isso é essencial que o Cade e a Anatel estejam atentos e acompanhem – como assim já fazem, as mudanças e transformações para a proposição de um novo paradigma de agenda regulatória, adaptado a tais inovações.
Contudo, a atuação da agência reguladora e da autoridade da concorrência deve ser cautelosa para não desincentivar o setor e causar um grande prejuízo aos consumidores que dependem de tais serviços. O atual contexto não necessita de regras endurecidas e obrigações que burocratizem ainda mais o setor. Em verdade, é necessário um ambiente cada vez mais flexível e principiológico que seja capaz de estimular novos modelos de investimento em infraestrutura e propor a melhoria constante na qualidade dos serviços prestados.
É fundamental, portanto, a adoção de medidas para promover a entrada de novas empresas no mercado, a redução de barreiras regulatórias excessivas e a promoção de concorrência saudável entre as empresas. Com essas medidas, será possível garantir um mercado de telecomunicações mais equilibrado, com serviços de qualidade, preços justos e uma maior oferta de serviços para a população.
Polyanna Vilanova – Sócia do Vilanova Advocacia. Graduada em Direito e Ciência Política, possui LLM em Direito Empresarial pela FGV, especialização em Defesa da Concorrência e Direito Econômico pela FGV, é Mestre em Direito Público pelo IDP e Doutoranda em Ciência Política pela Universidade de Lisboa. É árbitra do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CBMA.
Ana Flávia Napoli – Advogada do Vilanova Advocacia. Graduada em direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).
[1] Fonte: https://forbes.com.br/forbes-tech/2022/01/comscore-mobile-representa-91-da-conectividade-brasileira/
[2] Fonte: https://www.comscore.com/por/Insights/Press-Releases/2017/3/comScore-Releases-New-Report-Mobiles-Hierarchy-of-Needs
[3] Fonte: https://www.gov.br/mcom/pt-br/noticias/2021/outubro/leilao-do-5g-deve-movimentar-r-169-bilhoes-em-investimentos#:~:text=Conectividade%205G%20%E2%80%93%20Com%20a%20compra,ao%20longo%20de%2020%20anos.
[4] Davi Paiva Ferraz, Ranna Dourado Barbosa Costa, Mariana Gomes Magalhães y Heriberto Wagner Amanajás Pena (2017): “Análise da concentração de mercado do setor de telecomunicações brasileiro”, Revista Observatorio de la Economía Latinoamericana, Brasil, (septiembre 2017). En línea: http://www.eumed.net/cursecon/ecolat/br/17/mercado-telecomunicacoes-brasil.html http://hdl.handle.net/20.500.11763/br17mercado-telecomunicacoes-brasil
[5] Vide, como exemplo, o que foi destacado pelo Conselheiro Relator no ato concentração no 08700.002013/2019-56.
[6] Ato de Concentração n. 08700.000726/2021-08
[7] Anatel fala sobre tecnologia 5G na Câmara dos Deputados. 2019a. Disponível em: https://www.gov.br/anatel/pt-br/assuntos/noticias/anatel-fala-sobretecnologia-5g-na-camara-dos-deputados . Acesso em 18.04.2023.