Katia Rocha

Há poucas semanas, o FMI divulgou o World Economic Outlook (2023), publicação de seu corpo técnico, todo mês de Abril e Outubro de cada ano, apresentando as análises sobre expectativas de crescimento global de curto e médio prazo. Os capítulos fornecem uma visão geral e uma análise mais detalhada da economia mundial, com considerações sobre economias desenvolvidas e em desenvolvimento, além de tópicos de interesse atual.

Conforme ilustra a tabela abaixo, as projeções de crescimento do Brasil para 2023 / 2024 foram estimadas em  0.9 / 1.5 % ao ano, abaixo da projeção de 3.9 / 4 % ao ano para economias emergentes de renda média (classificação do Brasil segundo sua renda per capta).  Fato é que, desde a década de 80, o Brasil cresceu uma média de 2.3% ao ano, aproximadamente, metade do crescimento de países de renda média superior (4.7% ao ano).

Na teoria econômica, diversos modelos tem sido utilizados para tentar identificar as causas do baixo crescimento Brasileiro. Entre elas, surgem questões relativas à produtividade, instituições, infraestrutura, educação, etc. Algumas hipóteses advogam em favor de reformas estruturais, que teriam potencial de alavancar crescimento via aumento de produtividade, ao promover maior eficiência alocativa de recursos.

Diversos think tanks recomendam agendas para endereçar essa questão. A OCDE, por exemplo, em sua publicação OCDE – Economic Surveys Brazil (2020), estima, através de modelo de crescimento de longo prazo[1], o potencial impacto de médio e longo prazo na atividade, decorrente de diversos conjuntos de reformas políticas e institucionais.

Um pacote ambicioso, que melhorasse a qualidade regulatória e a concorrência, reduzisse as barreiras ao comércio exterior e melhorasse as instituições e a governança, geraria um aumento real do PIB de 14.1% e um incremento no crescimento médio anual de 0.9% ao ano.

As reformas sugeridas baseiam-se em três cenários principais.

O primeiro cenário assume o alinhamento das regulamentações do mercado de produtos, conforme capturado pelo indicador Product Market Regulation – PMR [2], com a média atual da OCDE até 2060. Representaria enorme aumento na competitividade do país, e incluiria a consolidação dos impostos sobre o consumo em um imposto sobre valor agregado (IVA).

O segundo cenário pressupõe maior abertura e integração global, decorrente da redução de barreiras tarifárias e não tarifárias de bens de capital e insumos intermediários, com redução de 7% nas tarifas, atingindo, em 5 anos, o nível atual vigente nas principais economias da OCDE. Além disso, supõe-se abertura gradual da conta de capital, atingindo, em 5 anos, o nível atual do Chile.

O terceiro cenário pressupõe a qualidade institucional, capturada pelos índices do World Governance Indicator do Banco Mundial[3], convergindo ao valor médio atual da OCDE em 2060. 

Basicamente, a agenda de reformas sugeridas dialoga bem com as diretrizes e instrumentos legais da própria OCDE, aos quais, o Brasil já aderiu, praticamente, à metade, em sua jornada para adesão. Alinha-se, igualmente, aos diversos eixos estratégicos do Estado Brasileiro para o desenvolvimento econômico e social.

A Figura 1 ilustra algumas dessas relações (estruturas de correlação) referente aos cenários que motivam essa agenda de reformas para 114 países de baixa, média e alta renda a partir de dados de 2021.

Figura 1: Cenários e Estruturas de Correlação

Fonte: World Development Indicator e World Governance Indicator

Vou, aqui, me ater ao primeiro cenário proposto, sobre melhoria nos indicadores Brasileiros de PMR da OCDE.

Os indicadores de PMR medem as barreiras regulatórias à entrada e à concorrência de empresas como um todo na economia e em setores regulados. Abrangem ampla gama de políticas relevantes, e, sobretudo, atuais, na agenda Brasileira, como governança das empresas estatais, compras públicas, controle de preços, avaliação da qualidade regulatória, licenciamento e burocracia, interação com grupos de interesse, envolvimento do Estado na economia, e barreiras a investimentos e ao comércio exterior. Ressalto, o entendimento da OCDE, no qual a propriedade pública não é uma questão per se, desde que as regras de governança das empresas estatais envolvidas em atividades comerciais limitem a interferência política indevida, e, promovam a igualdade de condições entre empresas públicas e privadas.

Desse modo, os indicadores PMR são uma importante ferramenta para os países identificarem fraquezas regulatórias e formularem opções de políticas para superá-las, comparando-se aos países peers, e, adotando as melhores práticas internacionais.

A posição atual do Brasil nesse indicador é baixa, ocupando o percentil inferior de 5% das posições dos países membros da OCDE[4]. No entanto, um aumento para a média do grupo até o ano de 2060 parece factível.

Nesse sentido, é oportuno lembrar as tentativas de mudanças acerca do Marco Legal de Saneamento Lei 14.026 de 2020, fruto de intenso debate, desde 2018, envolvendo diversos agentes, tanto do setor público, quanto privado, cujo objetivo principal concentra-se na universalização do saneamento, um problema de décadas no Brasil, incentivando parcerias e ampliação da participação privada.

A promulgação do Novo Marco de Saneamento de 2020 se posiciona em conformidade aos eixos dos indicadores de PMR da OCDE, criando um ambiente regulatório mais homogêneo, com eficiência concorrencial via licitações públicas, com indicadores obrigatórios de performance e qualidade para os investimentos no setor, e incentivos de maior parceria do setor público e privado. Um avanço na modernização do marco legal de PPPs do Brasil, tendo sido bem recebido por diversos think tanks (BID, OCDE, Banco Mundial)[5].

Eventuais mudanças que desconfigurem tal propósito e objetivo podem produzir alto custo econômico e social, com atrasos ainda maiores nas metas de universalização, e possíveis contágios em outros setores de infraestrutura. Não condiz com a necessidade de priorização de investimentos no setor. Dados do Banco Mundial[6]mostram que apenas 48,7% da população Brasileira apresenta algum nível de coleta e tratamento de esgoto. Nos países membros da OCDE esse percentual alcança 85%.

O esforço para melhorar a agenda de produtividade e crescimento econômico e social é extenso. Sigo acreditando que políticas públicas baseadas em dados e evidências podem nos ajudar a manter as conquistas, apresentar parâmetros de comparação, e, seguir caminhando na agenda de crescimento e desenvolvimento.  

Referências

  1. Guillemette, Y.; D. Turner (2018). The Long View: Scenarios for the World Economy to 2060. OECD Economic Policy Papers, No. 22, OECD Publishing, Paris, Disponível em: https://www.oecd-ilibrary.org/economics/the-long-view_b4f4e03e-en
  2. IFC (2021). Tapping into private finance for more resilient water systems. Disponível em: https://www.ifc.org/wps/wcm/connect/news_ext_content/ifc_external_corporate_site/news+and+events/news/private-financing-for-resilient-water-systems-in-brazil
  3. OCDE – Economic Surveys Brazil (2020). Disponivel em: https://www.oecd.org/economy/surveys/Brazil-2020-OECD-economic-survey-overview.pdf
  4. OCDE (2022). Fostering Water Resilience in Brazil: Turning Strategy into Action. OECD Studies on Water. Disponível em: https://read.oecd-ilibrary.org/environment/fostering-water-resilience-in-brazil_85a99a7c-en#page4
  5. World Bank (2022). Water Supply and Sanitation Policies, Institutions, and Regulation: Adapting to a Changing World—Synthesis Report. Disponível em: https://documents1.worldbank.org/curated/en/099015208242275252/pdf/P165586002283004a086e105a00d8430696.pdf
  6. World Economic Outlook (2023). World Economic Outlook: A Rocky Recovery. April. International Monetary Fund. 2023. Disponivel em: https://www.imf.org/en/Publications/WEO/Issues/2023/04/11/world-economic-outlook-april-2023
  7. World Governance Indicator – WGI. Disponível em: https://info.worldbank.org/governance/wgi/

Disclaimer

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade da autora, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Ipea.

* Pesquisadora do IPEA. E-mail: katia.rocha@ipea.gov.br

[1] Ver Guillemette and Turner (2018).

[2] Disponível em: https://www.oecd.org/economy/reform/indicators-of-product-market-regulation/

[3] Abrangem seis grandes dimensões de governança (estado de direito, qualidade regulatória, controle de corrupção, eficácia do governo, responsabilidade e prestação de contas e estabilidade política e ausência de terrorismo) para mais de 200 países desde 1996 calculados seguindo metodologia própria. Disponível em: https://info.worldbank.org/governance/wgi/

[4] A base de dados PMR é atualizada após 5 anos, e neste ano de 2023 será divulgada atualização com as novas posições dos países.

[5] Ver OCDE (2022), World Bank (2022), IFC(2021).

[6] World Development Indicators. Disponível em: https://data.worldbank.org/indicator/SH.STA.SMSS.ZS

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