Fernanda Manzano Sayeg
Nos últimos dias, foi divulgada a informação de que a isenção de impostos sobre encomendas postais de até US$ 50 (aproximadamente R$ 247) entre pessoas físicas, o que afetará as compras efetuadas em marketplaces internacionais como AliExpress, Shein e Shopee.
O suposto “encarecimento” das compras internacionais se deve à cobrança do imposto de importação, que é um tributo federal que incide sobre a entrada de mercadoria estrangeira em território nacional.
Trata-se de uma questão bem mais complexa do que a maioria das notícias e artigos vem expondo, pois reflete a incapacidade do arcabouço jurídico internacional existente em lidar com o comércio eletrônico.
O imposto de importação é um imposto federal que incide sobre as mercadorias importadas, por via aérea, terrestre, fluvial ou marítima. Sua base legal é o artigo 153, inciso I, da Constituição Federal (CF/88). na Lei 5.172/1966 (Código Tributário Nacional – CTN), no Decreto-Lei nº 37/1966 (DL 37/66) e no Decreto nº 6.759/2009 (Regulamento Aduaneiro).
O fato gerador do imposto de importação é o ingresso da mercadoria estrangeira em território nacional de maneira definitiva. A importação ocorre quando (i) uma empresa efetua seu transporte do país de origem o país de destino; (ii) um viajante adquire e traz mercadorias importadas em sua bagagem; e (iii) pessoas físicas ou jurídicas recebem produtos importados em remessas postais.
Por remessas postais internacionais, entende-se os presentes, bens, produtos ou mercadorias provenientes de outros países que são transportados ao Brasil pelos Correios oficiais dos países ou por empresas de transporte expresso internacional, também denominadas empresas de courier.
Em mercadoria importada em uma operação comercial regular, considera-se ocorrido o fato gerador do Imposto de Importação na data de registro da Declaração de Importação (DI) e o recolhimento do imposto é efetuado no ato de registro da DI pela empresa importadora. No caso das remessas postais, antes de a encomenda ser despachada em território nacional, ela deve ser apresentada à fiscalização aduaneira. A empresa de courier irá providenciar o desembaraço da encomenda, junto à RFB, e cobrará, posteriormente, os tributos pagos juntamente com o valor do serviço prestado. Já os correios não possuem essa incumbência, cabendo ao destinatário da remessa postal o recolhimento do tributo.
O sujeito ativo do imposto de importação é a União federal, que detém o direito de cobrá-lo. O sujeito passivo do imposto de importação é o importador ou o destinatário de remessa postal internacional indicado pelo remetente.
O nosso sistema aduaneiro adota alíquotas ad valorem para o imposto de importação. Assim, a base de cálculo do imposto de importação é o valor aduaneiro, que inclui o valor do produto, o frete internacional e o seguro. As alíquotas de Imposto de Importação a serem aplicadas pelos países-membros do Mercosul são padronizadas por meio da Tarifa Externa Comum (TEC), uma tabela que indica a classificação fiscal das mercadorias negociadas internacionalmente, sua descrição e respectiva alíquota de Imposto de Importação, que varia entre 0 e 35%.
Porém, isso não se aplica às remessas postais internacionais, que supostamente possuem um mecanismo de tributação “simplificado”.
O regime de tributação simplificada (RTS) foi instituído pelo Decreto-Lei Nº 1.804, de 3 de setembro de 1980 e regulamentado pela Portaria MF nº 156, de 24 de junho de 1999. As importações nessa modalidade estão limitadas a US$ 3,000.00 ou o equivalente em outra moeda podem ser destinadas a pessoa física ou jurídica, estando sujeitas ao pagamento do Imposto de Importação calculado com a aplicação da alíquota de 60%, independentemente da classificação tarifária dos bens que compõem a remessa ou encomenda.
A legislação em vigor determina claramente que as remessas postais internacionais no valor aduaneiro de até US$ 50,00 ou o equivalente serão desembaraçados com isenção do Imposto de Importação apenas se o remetente e o destinatário forem pessoas físicas.
Qualquer remessa postal postada por jurídica será tributada. Apenas estão imunes à tributação por meio de remessa postal internacional os livros, jornais, revistas e outras publicações são imunes (CF, art. 150, VI, “d”).
O valor de até US$ 50,00 ou o equivalente deve ser acompanhado de documentação comprobatória do preço de aquisição dos bens. Contudo, se houver indícios de falsidade ou adulteração a documentação apresentada, o valor aduaneiro será determinado pela autoridade aduaneira com base no preço de bens idênticos ou similares, originários ou procedentes do país de envio da remessa ou encomenda ou no valor constante de catálogo ou lista de preços emitida por estabelecimento comercial ou industrial, no exterior, ou por seu representante no País.
São muitos os problemas observados nas importações que ocorrem por remessa postal.Segundo a Receita Federal, o imposto de importação não é pago, por duas razões: (i) o remetente declara valores mais baixos que os efetivamente pagos pelo consumidor; (ii) o remetente divide os produtos em mais de uma remessa inferiores a US$ 50,00 deliberadamente, de forma a evitar a incidência do imposto.
Pressionada por empresas nacionais que estão perdendo vendas e receitas para as compras internacionais feitas em aplicativos, a Receita Federal divulgou que pretende fiscalizar e implementar a legislação existente, cobrando do consumidor o imposto devido. Ademais, a Receita Federal pretende cobrar multa de 100% a 37,5% sobre a diferença do valor declarado e o suposto valor da mercadoria, bem como multa equivale a 75% da diferença do imposto supostamente devido se algum produto no pacote não for declarado na nota fiscal pelo remetente, as quais ainda estão pendentes de regulamentação.
Com as alterações pretendidas pela Receita Federal, a importação por remessa postal se tornará economicamente inviável. Quem será penalizado? O consumidor brasileiro e não as varejistas internacionais. Essas empresas não podem ser acusadas de sonegação de tributos, já que o imposto de importação não é devido por elas, mas sim pelos consumidores. Ou seja, a Receita Federal pretende punir o destinatário da remessa postal por atos supostamente praticados pela empresa vendedora da mercadoria.
A legislação em vigor foi promulgada no século passado, quando o comércio eletrônico não era uma realidade nem em âmbito nacional, muito menos internacionalmente. A realidade do varejo muito e as regras devem mudar também.
A solução para esse problema não é simples e, no meu ponto de vista, passa pela discussão e criação de um novo arcabouço legislativo sobre, em âmbito internacional. A regulamentação internacional do comercio eletrônico é imprescindível e deve ser discutida com urgência em organizações como OMC e OCDE.