Editorial
Os ataques às escolas estão deixando de ser uma triste “novidade” para se tornar uma realidade no Brasil. No dia 27 de março, um adolescente de 13 anos invadiu uma escola no Estado de São Paulo e matou uma professora a facadas e feriu outras duas. Na semana passada em Blumenau, no Estado de Santa Catarina, um homem de 25 anos invadiu uma creche e matou 4 crianças e feriu mais quatro.
Ao que tudo indica, este fenômeno não parece pontual. A pesquisadora Michele Prado apresenta no trabalho “Extremismo violento em ambiente escolar”[1],, publicado no Monitor do Debate Político no Meio Digital da USP, que no período compreendido entre 2002 e março de 2023 já ocorreram 21 ataques a escolas, sendo 17 (80%) a partir de 2017 e 10 ataques (48%) somente nos últimos 13 meses[2] (Gráfico 1).
Gráfico 1. Ataques a escolas – 2002 a 2023
Fonte: Prado (2023)
Elaboração própria
São várias as causas que explicam este triste fenômeno, sendo o efeito das mídias sociais e a influência de grupos neonazistas as principais razões ventiladas pela imprensa tradicional. Muito se especula a respeito dos fatores que geram a violência, mas muito pouco se fala das consequências desse fenômeno para o Brasil no médio e longo prazos.
As consequências não se limitam as tristes mortes e as mutilações. Elas vão muito além, perpassam gerações e afetam negativamente o desenvolvimento econômico do país. É preciso lembrar que as crianças e jovens que hoje estão expostas a estes traumas são os mesmos que serão a força de trabalho amanhã.
A abordagem das consequências destes fenômenos de ataques a escolas com vítimas fatais já é uma realidade na literatura econômica internacional, principalmente porque países desenvolvidos, como é o caso dos Estados Unidos da América, já se defrontam com este fenômeno há um bom tempo e a percepção é a de que as tristes mortes são apenas uma face da moeda.
Os ataques aos colégios têm motivado a realização de estudos com o intuito de avaliar as consequências econômicas da exposição dos alunos a esta violência. Uma das principais linhas de estudo aborda como as ameaças aos ambientes escolares afeta a formação do capital humano.
Para Beland e Kim (2016), [a] violência extrema entre alunos em escolas secundárias pode impedir os alunos de aprender com eficiência. Tiroteios mortais em escolas têm um efeito potencialmente grande sobre alunos e escolas. Esses incidentes podem afetar a decisão dos alunos sobre permanecer na escola, afetar suas habilidades cognitivas e influenciar seu comportamento na escola [3]. Já Cabral et ali (2021) ilustram que a exposição a um tiroteio na escola interrompe a acumulação de capital humano no curto prazo por meio do aumento de faltas, absenteísmo crônico e retenção de notas; prejudica os resultados educacionais no médio prazo por meio de reduções na conclusão do ensino médio, na frequência à faculdade e na graduação da faculdade; e impacta adversamente os resultados do mercado de trabalho de longo prazo, incluindo reduções no emprego e na renda entre 24 e 26 anos[4].
O Brasil ainda está na triste novidade. Nem sequer tivemos tempo de saber como agir e como nos proteger desta dura realidade. Apesar disso, a experiência internacional está aí para nos ensinar que o efeito de um ataque às escolas é muito maior do que a dura realidade de curto prazo, ele se embrenha no médio e longo prazos e gera prejuízos nada desprezíveis para o futuro da nação.
Anexo I. Evolução histórica dos ataques
Fonte: Prado (2023)
[1] PRADO, Michele. Extremismo violento em ambiente escolar. Monitor do Debate Político no Meio Digital. Disponível em: Microsoft Word – nota-tecnica-15.docx (monitordigital.org).
[2] Ver a relação dos ataques reportados por Prado (2023) no ANEXO I.
[3] Tradução livre do trecho: Extreme violence between students in high schools may hinder students from learning efficiently. Deadly school shootings have a potentially large effect on students and schools. These incidents can affect students’ decision about whether to stay at their school, affect their cognitive skills, and influence their behavior at school. Despite the fact that school shootings receive widespread media attention, the educational consequences of deadly school shootings on enrollment and student performance are not well known.
[4] Tradução livre do trecho: … results illustrate that exposure to a shooting at school disrupts human capital accumulation in the near-term through increased absences, chronic absenteeism, and grade retention; harms edu-cational outcomes in the medium-term through reductions in high school graduation, college attendance, and college graduation; and adversely impacts long-term labor market outcomesincluding reductions in employment and earnings at ages 24–26. [Cabral et ali (2021), pag. 1].