Marco Aurélio Bittencourt

A discussão sobre coordenação das políticas fiscal e monetária tem seu início, quase que ubíquo, a partir da década de 1960. Antes, aqui, tínhamos um olhar centrado no orçamento público e o lado monetário completava direta ou indiretamente o montante de recursos para fechar o orçamento. Não era sem razão uma inflação, em geral, nessa época anterior às mudanças de rumos das políticas macroeconômicas, no patamar de cerca de 10%. Chegou, então, no Brasil, com o regime militar de 1964, a perseguição de metas monetárias e o surgimento formal do Banco Central, concretizando-se a efetiva separação das políticas fiscal e monetária. O que veio junto com essas mudanças? A dívida pública nos padrões atuais: complementar o financiamento dos gastos públicos, com o efeito sobre a sua conta juros da política implícita de juros altos.

A dinâmica dessa implacável dívida pública é bem conhecida e está na raiz dos problemas inflacionários. Como se sabe, a restrição do governo federal encontra amparo em quatro itens: seus gastos, G, seus tributos, T, Dívida Pública, D, e Emissão monetária, M. Esses são os elementos que devem necessariamente fazer cumprir a restrição orçamentária. O lado monetário cuida de M e de forma independente do lado fiscal que cuida de G, T e D.  Como diz Leeper (2005) em seu artigo sobre restrição orçamentária do governo:

“A restrição orçamentária do governo é uma identidade contábil ligando as escolhas da autoridade monetária do crescimento monetário ou da taxa de juros nominal e as escolhas da autoridade fiscal de gastos, tributação e empréstimos em um determinado momento e ao longo do tempo. Os links intertemporais criam um rico conjunto de resultados possíveis a partir de experimentos de políticas macro padrão. Levar a restrição orçamentária do governo a sério pode derrubar algumas crenças amplamente mantidas sobre efeitos de política.”

Leeper analisa uma variedade de possibilidades para fazer cumprir a restrição orçamentária que dependeria das escolhas individuais, das políticas fiscal e monetária futuras e da estrutura econômica. O contexto ainda seria o de sincronização das políticas fiscal e monetária, muito embora a perseguição operacional de metas monetárias tenha sido substituída pelo uso dos juros como instrumento de ação do Banco Central. Que item especificamente importa destacar no orçamento público? O efeito da política monetária sobre o orçamento público, a saber, sobre a conta juros.

Os modelos teóricos, respeitando a restrição orçamentária do governo, garantem o equilíbrio orçamentário intertemporal, se T, G e D são rígidos, pelo efeito inflacionário. Mas esse efeito, estabelecido teoricamente, está distante do que se passa na prática. O compromisso monetário deveria ser o de traduzir tal efeito inflacionário em efetiva redução do pagamento dos juros, garantindo-se, pois, o redirecionamento automático dos gastos públicos. Dessa forma, alcançaríamos novamente o equilíbrio orçamentário sem traumas.

A discussão atual sobre juros deveria focar sobre esse ponto, porque há ainda um hiato entre ação do Banco Central em direção a um aumento da meta inflacionária e seu efetivo efeito na restrição orçamentária do governo. Em outras palavras: aumentar meta inflacionaria sem reduzir o pagamento de juros é fazer um desserviço de política monetária.

O que exatamente seria reduzido de juros, dependeria da meta inflacionaria e da própria situação do estoque da dívida pública, além dos elementos de preferências e estrutura da economia. Minha expectativa é que, dados esses elementos, a inviabilidade do concertamento orçamentário é quase certa e, assim, o “nirvana monetário” não poderia cumprir seu objetivo final: o de reequilíbrio orçamentário. Dessa forma, seria necessário reduzir gastos públicos (aumentar impostos ou aumentar dívida tem custo elevado) e conferir o que poderia efetivamente ser reduzido na conta juros pela condução adequada do Banco Central da sua política de ajuste da meta inflacionária.

Como sabemos, o estoque da dívida pública é elevado e ainda carrega o endividamento de estados e municípios (embora conte com contrapartida desses entes federativos). Portanto, ajustar a liquidez com efetivo ajuste dos juros a recompor a estrutura prévia orçamentária não seria trivial.  Talvez a ação da política monetária tenha mesmo um efeito reduzido sobre juros a pagar na conta orçamento público federal. O fato é que, mesmo havendo tal direcionamento efetivo do Banco Central, se optarem pelo aumento da meta inflacionária, seria pouco provável o sucesso de um ajuste definitivo do orçamento público. Como disse em outro artigo publicado nessa Webadvocace (2023), o concertamento orçamentário é urgente. Mas, para se obter sucesso, é necessário um amplo apoio político. Sob o presidencialismo, temos visto que tal concertamento não foi e certamente não será viável exatamente pela dificuldade de se compor uma ampla aliança política nessa direção. Se é para sonhar, que venha o parlamentarismo.

Referências

Leeper, E. Government Budget Constraint, The New Palgrave Dictionary of Economics, 2008. https://www.researchgate.net/publication/311979085_Government_Budget_Constraint

Bittencourt, M.A. Orçamento Público: Sua Estrutura Adequada para o Crescimento e Desenvolvimento. Texto para Discussão 1.203. Webadvocacy , 2023. https://webadvocacy.com.br/2023/01/25/orcamento-publico-sua-estrutura-adequada-para-o-crescimento-e-desenvolvimento/

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