Fernando de Magalhães Furlan
Os atrasos de pagamento são um grande fardo para as empresas de pequeno e médio portes, especialmente para as menores, seus clientes e empregados, além de ferir a competitividade geral do país.
Vimos, recentemente, infelizmente, a quebra de grandes empresas nos país como a Oi e a Americanas. Esta última, aliás, reconhecidamente atrasava premeditadamente os seus pagamentos, inclusive para pequenos fornecedores, como forma de maquiar os seus resultados financeiros.
As MPMEs desempenham um papel fundamental na economia brasileira, respondendo por mais de um quarto do PIB brasileiro. Juntas, as cerca de 9 milhões de micro e pequenas empresas do país representam 27% do PIB, resultado que vem crescendo nos últimos anos. Em 1985, o IBGE calculava a participação das pequenas empresas no PIB brasileiro em 21%. Em 2001, o percentual passou para 23,2% e, em 2011, atingiu 27%.
Em valores absolutos, a produção gerada pelas micro e pequenas empresas quadruplicou em dez anos, saltando de R $ 144 bilhões em 2001 para R $ 599 bilhões em 2011, em valores da época. Elas são as principais geradoras de riquezas no comércio do Brasil, pois respondem por 53,4% do PIB do setor. No PIB da indústria, a participação das micro e pequenas (22,5%) já se aproxima das médias (24,5%). E no setor de serviços, mais de um terço da produção nacional (36,3%) vem de pequenos negócios. As pequenas empresas também empregam 52% da força de trabalho formal do país e respondem por 40% da massa salarial brasileira. Em resumo, são 9 milhões de pequenos negócios, que geram 27% do PIB, 52% dos empregos formais e 40% dos salários.
Os atrasos nos pagamentos têm um impacto negativo nas pequenas empresas, afetando a sua liquidez e o fluxo de caixa, dificultando a sua gestão financeira e atrapalhando o seu crescimento. Ao estabelecer prazos máximos para pagamentos a pequenas empresas, por parte de grandes empresas e administrações públicas na aquisição de bens ou serviços, está se garantindo “tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte” (CF art. 146, III, “d” c/c art. 170, IX e art. 179).
Para desencorajar uma cultura de pagamentos em atraso, as administrações públicas desempenham um papel particularmente importante ao dar o exemplo no pagamento imediato e transparente de seus fornecedores.
Os pagamentos em transações comerciais entre empresas ou entre empresas e a administração pública ainda são frequentemente efetuados com atraso. Como regra geral, a Administração, no Brasil, tem o prazo de até 30 dias para pagar o seu fornecedor. É aí que reside um dos grandes problemas de quem fornece para a Administração pública no país: é preciso que se tenha capital para suportar a espera que, como se verá, ultrapassa muito os 30 dias para recebimento. Isso porque esses 30 dias não são contados da entrega do objeto, mas da liquidação da despesa: “a liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito” (Lei 4.320/64, artigo 63). Ou seja, a própria burocracia do setor público acaba por alongar muito o prazo de pagamento.
Além disso, os direitos dos credores de pequeno porte são, em alguns casos, ainda mais violados ao condicionar os pagamentos, por exemplo, à renúncia do credor a reclamar juros de mora, bem como indenização por despesas de cobrança. As micro, pequenas e médias empresas (MPME) não têm a mesma solidez financeira das grandes empresas, são mais vulneráveis aos efeitos dos atrasos de pagamento, especialmente em tempos de recessão econômica e inflação, situações quase que “endêmicas” no Brasil.
Neste contexto, medidas para desencorajar uma cultura de pagamentos atrasados a fornecedores de pequeno porte somente poderá ser atingida se as autoridades públicas tomarem a iniciativa. É preciso colocar a questão dos atrasos de pagamento e do acesso ao crédito pelos pequenos no topo das agendas política e de reformas econômicas. Aliás, no final de 2018, a Organização para Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE) realizou um estudo[1] sobre políticas públicas para micro e pequenas empresas (MPEs) e empreendedorismo no Brasil. Como conclusão, a OCDE elencou recomendações para melhorar as políticas públicas brasileiras de acesso ao crédito.
Todos os anos, no mundo inteiro, milhares de micro, pequenas e médias empresas (MPME) vão à falência à espera de que as suas faturas sejam pagas. Perdem-se empregos e sufoca-se o empreendedorismo. Para as valiosas MPMEs, qualquer interrupção no fluxo de caixa pode significar a diferença entre solvência e falência. Além disso, para elas, os desafios apresentados pelos atrasos de pagamento aumentam desproporcionalmente à medida que as linhas de crédito e os empréstimos bancários se tornam menos disponíveis.
Na França, por exemplo, no primeiro semestre de 2022, a Direção-Geral da Concorrência, Consumo e Prevenção de Fraudes (DGCCRF), do governo francês, investigou os prazos de pagamento de 632 estabelecimentos. Na sequência das verificações realizadas, foram instaurados 138 procedimentos administrativos de multa, no valor de 13,8 milhões de euros[2].
Naquele país, o limite das condições de pagamento é definido pelos artigos L441-10 e seguintes do Código Comercial, estabelecendo que: “salvo acordo entre as partes, o prazo de pagamento é fixado em 30 dias, a contar da data de recepção dos bens ou da prestação do serviço”.
Já nos Países Baixos, estão sendo adotadas novas regras sobre os prazos máximos de pagamento. Atualmente, uma proposta legislativa está em discussão no parlamento neerlandês, segundo a qual grandes empresas (enquanto devedoras) são proibidas de adotar prazos de pagamento superiores a 30 dias, ao celebrar contratos comerciais com pequenos e médias empresas (PME) ou empresários independentes (enquanto credores). A expectativa é que a proposta legislativa seja adotada em muito em breve[3].
Infelizmente, não há e tampouco se discute, atualmente, no Parlamento brasileiro[4] ou no Executivo federal, qualquer proposta legislativa no sentido de obrigar grandes empresas e governos a pagar os seus fornecedores de pequeno porte em, no máximo 30 dias corridos.
[1] Disponível em: https://www.oecd.org/economy/surveys/Brazil-2018-OECD-economic-survey-overview-Portuguese.pdf. Acesso em: 31/03/2023.
[2] Disponível em: https://www.economie.gouv.fr/cedef/delais-de-paiement-entre-entreprises. Acesso em: 31/03/2023.
[3] Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://assets.contentstack.io/v3/assets/blt3de4d56151f717f2/bltec888c25b7e98118/6181fd557a22505a5c253b08/New_rules_on_maximum_payment_terms_in_the_Netherlands_-_November_202121760911v1.pdf. Acesso em: 3.
[4] Disponível em: https://www.camara.leg.br/busca-portal?contextoBusca=BuscaProposicoes&pagina=1&order=relevancia&abaEspecifica=true&q=pequenas%20empresas&tipos=PL. Acesso em: 31/03/2023.