Não é, mas pode ser!!!

Editorial

Esta semana foi a grande prova de fogo da lua de mel do novo governo. A bomba relógio da desoneração dos impostos dos combustíveis ativada no governo anterior foi parcialmente desativada neste dia primeiro de março. Digo, parcialmente, porque nem todos os tributos voltaram a carga nesta data. O diesel, por exemplo, permanecerá isento dos impostos federais por um bom tempo ainda.

O retorno parcial de tributos nos combustíveis é até aceitável, haja vista que o retorno integral dos impostos poderia ter um impacto muito negativo na popularidade do recente mandatário, algo que não é desejável logo nos três primeiros meses do mandato. O que é no mínimo preocupante é a criação, por quatro meses, de um imposto sobre exportações de óleo cru.

Mas o que vem a ser um imposto de exportação?

Bom, de acordo com a Professora Fernanda Manzano Sayeg, [o] Imposto de Exportação está definido no artigo 153, inciso II e § 1º, da CF/88, e no artigo 23 a 28 do CTN. Trata-se de um tributo que visa a tributar a saída definitiva determinadas mercadorias do território brasileiro. Sua função é precipuamente extrafiscal, ou seja, deveria ser um instrumento da atuação da União no controle do comércio exterior[1]. [Sayeg (2023)].

Na verdade, este imposto tem funções claras e objetivas, podendo assumir diferentes formas[2]. Conforme pondera Sayeg (2023), [a]o contrário de diversos outros tributos, a função principal do IE não é arrecadar, mas desestimular a exportação de determinados produtos, pois será mais vantajoso efetuar as vendas no mercado interno, o que aumentará a oferta e, consequentemente, reduzirá o valor de venda do referido produto. [Grifo nosso].

Seria a contenção dos preços dos combustíveis um segundo objetivo da equipe econômica? Arrecada mais com o imposto de exportação e de lambuja ainda pressiona o preço dos derivados do petróleo para baixo?

Pode até ser verdade que a arrecadação do governo aumente com o imposto de exportação do óleo bruto, mas o efeito principal da medida é o sobre o preço do combustível no território brasileiro, pois, como afirma Sayeg (2023), a função precípua do IE não é arrecadação.

E aí, a pergunta é outra: o tamanho da economia brasileira no cenário mundial do petróleo tem poder para afetar os preços internacionais da commodity?

Se a resposta for positiva, o imposto de exportação proposto pelo governo pode ser um verdadeiro tiro no pé, pois, como a formação de preços da Petrobras está diretamente atrelada aos preços praticados no mercado internacional, a redução de parte significativa da oferta internacional de óleo bruto pressionará os preços internacionais do petróleo que, por consequência, afetarão a economia brasileira.

É o Brasil um player importante no mundo em termos de oferta de óleo bruto?

Bom, segundo dados do BP Statistical Review of Word Energy o Brasil ocupava em 2020 a nona posição no ranking dos maiores produtores de petróleo do mundo, como 3,4% da produção mundial[3].

Este percentual é razoável para afetar o equilíbrio internacional?

A resposta a este questionamento esta além da proposta deste editorial, mas o que sugere as suas entrelinhas é que há uma engrenagem subliminar em tudo isso.

Se o Brasil não tiver o poder de alterar os preços internacionais do petróleo, a medida adotada arrecada mais e pressiona o preço para baixo dos combustíveis. Se, no entanto, a economia brasileira tiver o condão de afetar os preços internacionais do petróleo, o governo arrecada duas vezes: com imposto de exportação e com a inflação.

Quem disse que imposto de exportação é para arrecadar? Não é, mas pode ser!!!


Anexo I. O efeito da aplicação do imposto de exportação sobre os preços do produto taxa em economia pequenas e grandes

Bouët e Debucquet (2010)[4], ao analisar os efeitos econômicos da taxação das exportações no setor alimentício, ponderam que o a taxação das exportações tem efeitos distintos em países pequenos e em países grandes e a razão é a de que um país pequeno não altera o preço internacional do bem taxado, ao passo que um país grande, que detém uma grande participação no mercado, afeta o preço internacional porque a redução nas exportações tem um efeito significativo na quantidade ofertada no mundo.

Fonte: Bouët e Debucquet (2010)

Na economia pequena (figura 1), o preço do bem doméstico fica abaixo do preço internacional, uma vez que a taxação desestimula a venda do bem externamente e, como consequência do aumento da oferta doméstica do bem, os preços se reduzem. Para a economia grande (figura 2), no entanto, a taxação amplia a oferta doméstica e, como a economia representa uma elevada participação mercado, a redução na oferta internacional não passa despercebida, o que faz com que os preços internacionais aumentem do preço P0 para P2.


[1] Ver: SAYEG, Fernanda Manzano. A função extrafiscal do Imposto de Exportação e do Imposto de Importação. WebAdvocacy. Brasília, DF. Coluna de Fernanda Manzano Sayeg. Disponível em: A função extrafiscal do Imposto de Exportação e do Imposto de Importação (webadvocacy.com.br). Acesso em 05 de março de 2023.

[2] Para Piermartini (2004), [o]s impostos de exportação podem assumir diferentes formas. Pode ser um imposto ad valorem, especificado como um imposto percentual sobre o valor do produto; ou um imposto específico, especificado como um valor fixo a pagar por unidade de produto. Pode ser um imposto progressivo, ou seja, caracterizado por uma alíquota alta quando o preço do produto é alto e uma alíquota menor quando o valor do produto é baixo. Todos os tipos de impostos de exportação têm o efeito de reduzir o volume das exportações e são, portanto, uma forma de restrição à exportação.

Tradução livre do trecho:

Export taxes can take different forms. It can be an ad valorem tax, specified as a percentage tax of the value of the product; or a specific tax, specified as a fixed amount to pay per unit of a product. It can be a progressive tax, i.e. characterised by a high tax rate when the price of the product is high and a lower tax rate when the value of the product is low. All types of export taxes have the effect of reducing the volume of exports and are therefore a form of export restriction.

[3] Figura 3. Maiores produtores de petróleo do mundo – 2020

País%
EUA18,6
Arábia Saudita12,5
Rússia12,1
Canadá5,8
Iraque4,7
China4,4
Emirados Árabes Unidos4,1
Irã3,5
Brasil3,4
Kuwait3

Fonte: BP Statistical Review of World Energy e Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), 2021.

[4] BOUËT, Antoine; DEBUCQUET, David Laborde. Economics of Export Taxation in a Context of Food Crisis: A Theoretical and CGE Approach Contribution. IFPRI Discussion Paper 00994. Junho 2010. Disponível em: The Economics of Export Taxation in a Context of Food Crisis (foodsecurityportal.org). Acesso em: 04 de março de 2023.

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