A necessária conversa de dois Presidentes (Brasil e Bacen).
Editorial
Na última segunda-feira, o presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, foi entrevistado no programa Roda Viva. Como não poderia deixar de ser, os questionamentos giraram em torno da independência do Bacen e da regra da meta de inflação.
O primeiro tema já foi tratado neste espaço no editorial do dia 08 de fevereiro[1], em que tratamos do cabo de batalha entre o mandatário do Poder Executivo e o Presidente do Bacen sobre a sua independência. Neste editorial tratamos da regra de meta inflação, suas características e suas críticas.
A regra de meta de inflação (inflation target[2]) foi implementada pelo Bacen em 1999, quando o regime de câmbio passou a ser flutuante. Já lá se vão quase 25 anos de experiência com a adoção desta regra, o que para os moldes brasileiros é um prazo bastante razoável para a duração de uma política.
Importante enfatizar que a regra da meta de inflação visa a controlar as expectativas de inflação[3]. Elevações na taxa de juros hoje objetivam fazer a inflação convergir para o centro meta de inflação definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que hoje está em 3,75%.
Trocando em miúdos, a regra da meta de inflação é a seguinte:
Onde A são outras variáveis consideradas como importantes para determinar a trajetória da inflação, como exemplo pode-se citar a dívida pública de um país. Alguns países adotam outras variáveis, mas no caso brasileiro, a variável-chave é a taxa de juros como suavizadora da taxa de inflação ao longo do tempo.
E por que que a taxa de juros é um possível “antídoto” para a inflação?
Bom, a literatura econômica teórica e empírica demonstra que a taxa de juros como preço do capital afeta a disposição de consumo dos indivíduos e isso acontece porque quanto maior a taxa de juros mais as pessoas deslocam os seus recursos para investimentos e, consequentemente, menor torna-se a pressão sobre o consumo de bens e serviços e, como consequência, menor é o inchaço dos preços.
Parece uma solução mágica, não é mesmo? Aumentar a taxa de juros para reduzir inflação e reduzir a taxa de juros quando a inflação está baixa. Mas, não é bem assim!! As reclamações de algumas linhas teóricas não são sem fundamento.
Podemos comparar o uso da taxa de juros para fazer a inflação convergir a meta de inflação com o uso da quimioterapia no tratamento do câncer, qualquer que seja ele. Aqui a ideia é a de fazer o tratamento químico para “matar” o tumor ou qualquer coisa que o valha e lá a ideia é elevar taxa de juros para extirpar a inflação. Seria engraçado se não fosse trágico, mas eliminar o tumor pode significar eliminar muitos outros órgãos no corpo humano e, eliminar a inflação pode significar eliminar muitos empregos e indústrias para citar alguns exemplos.
São anos de experiências bem-sucedidas com a regra de metas de inflação. No entanto, isso não quer dizer que não se possa discutir o seu aprimoramento. O Presidente do Bacen defendeu a regra e a atual meta de 3,75%, mas também defendeu uma aproximação com o mandatário do Poder Executivo. O Ministro da Fazenda, por seu turno, entendeu a boa vontade do mandatário do Bacen, mas reforçou a necessidade de ampliar a meta da inflação com vistas a pressionar menos a fatídica taxa Selic.
Conversar como dois “bons amigos” sempre é o melhor caminho!!
[1] A independência do Banco Central do Brasil na berlinda (webadvocacy.com.br)
[2] Para uma análise aprofunda a respeito da regra de metas de inflação ver:
BERNANKE, Ben S.; MISHKIN, Frederic S. Inflation Targeting: A New Framework for Monetary Policy? Journal of Economic Perspectives. Vol. 11 No. 2 Spring 1997. Disponível em: Inflation Targeting: A New Framework for Monetary Policy? (aeaweb.org). Acesso em: 15 de fevereiro de 2023.
[3] Bernanke e Mishkin (1997) definem meta de inflação da seguinte forma:
A marca registrada das metas de inflação é o anúncio do governo, do banco central ou de alguma combinação dos dois de que, no futuro, o banco central se esforçará para manter a inflação em algum nível numericamente especificado ou próximo a ele.
Tradução livre de: The hallmark of inflation targeting is the announcement by the government, the central bank, or some combination of the two that in the future the central bank will strive to hold inflation at or near some numerically specified level. [Bernanke e Mishkin (1997), pag. 98].