Josefina Guedes & Rogério Pitta
Durante longos anos de ausência de um sofisticado e transparente sistema de estatísticas de comércio exterior no Brasil, dificultou os atores que atuam de forma legal e de boa fé, consequentemente favorecendo os importadores e exportadores que atuaram de má fé, resultando num enorme prejuízo ao Erário, ao emprego, investimentos e produção no país, por décadas.
A partir de 2007 até final de 2015, os operadores de comércio exterior e a indústria nacional passaram a contar, por parte da Secretaria da Receita Federal do Brasil, com dados das importações brasileiras e informações detalhadas, divulgados em bases acess no próprio site da SRFB, porém restritos a apenas alguns poucos Capítulos da Nomenclatura de Comércio Exterior (NCM) tidos como sensíveis no comércio exterior.
Com as rápidas e significativas mudanças no comércio internacional, ficou clara a necessidade de um novo sistema de divulgação de dados, com maior transparência e complexidade, tendo em vista as novas formas e regras que foram sendo incorporadas nos acordos comerciais de preferências tarifárias e da Organização Mundial do Comércio.
Além desses acordos, o comércio internacional tem se mostrado dinâmico a ponto de surgirem novas práticas, realizadas pelos novos players do comércio mundial. Então, todo esse novo cenário, fez com que as autoridades brasileiras tenham elaborado um novo sistema de divulgação de estatísticas de comércio exterior, o Siscori.
Pela primeira vez na história do comércio exterior brasileiro, o sistema de informações estatísticas de comércio exterior passou a ser formado com base de dados mais detalhados que o anterior, sendo que, o mais importante, foi disponibilizar ao público em geral, a partir de janeiro de 2016, informações mensais das operações, tanto de importação como de exportação.
Dados relativos às NCM, origens e destinos das operações, descrições detalhadas dos produtos, volumes, valores, fretes, seguros, preços unitários das operações, unidades de despacho (exportação) e de desembaraço (importação), entre outros, eram disponibilizados a todos os operadores no comércio exterior brasileiro.
Cabe ressaltar que, em ambos os métodos de divulgação de dados pela SRFB, a confidencialidade das empresas importadoras e exportadores sempre foi garantida, inclusive com a restrição da divulgação de operações realizadas por menos de quatro empresas em uma mesma NCM e mês.
De divulgação pública, o sistema Siscori era único em relação ao detalhamento dos dados das importações, e se mostrou fundamental no acompanhamento para o combate de ilicitudes no comércio exterior brasileiro, cada vez mais visado dentro desse novo cenário do comércio mercado mundial competitivo.
Esse sistema estatístico de comércio exterior teve papel fundamental e, durante sua duração, foi sine qua non para o combate de várias práticas ilegais e/ou desleais no comércio internacional brasileiro, como importações de produtos subfaturados e fraudes diversas, tais como falsa declaração de origem ou de classificação fiscal ou produtos que não cumprem requisitos regulatórios importantes para a proteção da saúde pública e do meio ambiente, exigidos dos produtores nacionais.
Principalmente em razão do aumento da complexidade de ações indevidas e/ou ilegais realizadas, por agentes do comércio exterior pelo mundo, prejudicando o combate às práticas lesivas ao Erário, aos empregos, aos investimentos e produção. Infelizmente esses agentes que atuam de forma irregular e prejudicial, obrigam as empresas que atuam de boa fé acompanhar e monitorar a atuação dos demais atores do mercado.
Após o grande avanço no sistema estatístico de comércio exterior brasileiro, em 17 de dezembro de 2021, por meio da publicação no Diário Oficial da União da Portaria SRFB nº 100, de 16 de dezembro de 2021, foi determinada a descontinuidade do funcionamento do sistema Siscori, o que pode ser avaliado como um grande retrocesso para todo o ganho que o comércio exterior realizou após décadas de atraso.
Voltamos a época da falta de transparência, fator determinante para o combate às práticas ilícitas no comércio exterior brasileiro, décadas perdidas! Precisamos avaliar quem ganha com esse retrocesso, urge uma análise rápida e objetiva dessa questão!
É importantíssimo notar que, contrariamente à justificativa apresentada pelo governo brasileiro para o encerramento do sistema Siscori, este Sistema se diferencia de forma significativa dos dados disponibilizados pela Secretaria de Comércio Exterior do Brasil no Comexstat, e de qualquer outro sistema estatístico, pois é o único que fornecia descrição detalhada dos produtos importados e/ou exportados dentro de cada NCM, dado de total relevância para o combate de práticas ilícitas.
Diversos produtos classificados em uma mesma NCM têm características bastante amplas, com variações que afetam valores e preços das mercadorias transacionadas. Podem-se citar, como exemplo, produtos químicos com inúmeras composições e fórmulas, produtos têxteis produzidos com as mais diversas matérias-primas e produtos siderúrgicos, com uma infinidade características de tamanhos, espessuras, diâmetros, revestimentos e acabamentos, classificados dentro de um mesmo código tarifário.
Assim, tendo em vista a extensa gama de classificações dispostas pelos códigos da NCM, em muitos casos, é impossível identificar o verdadeiro produto, sem uma descrição detalhada da mercadoria comercializada. A ausência destas informações inviabiliza que os operadores nacionais denunciem, junto aos agentes públicos brasileiros, para colaborar no combate a práticas irregulares, como subfaturamento, falsa declaração de origem do produto, desvio de NCM para pagar menos impostos (Imposto de Importação, Imposto sobre Produtos Industrializados e impostos estaduais), bem como práticas de dumping, subsídios e outras estabelecidas em nossa legislação nacional.
Com o crescimento acelerado do comércio internacional e a diversificação cada vez maior das mercadorias vendidas pelo e ao Brasil, é fundamental que a informação do produto seja a mais detalhada possível permitindo assim, que o setor privado identifique as características específicas das mercadorias, tornando as medidas de combate às irregularidades no comércio internacional mais apuradas e precisas. De outra forma, a análise dos dados detalhados permite melhor identificação da “doença”, possibilitando a aplicação do “remédio” mais adequado.
Assim sendo, infere-se ao sistema Siscori extrema importância para que os setores público e privado possam, em colaboração mútua, monitorar o mercado e auxiliar no combate a fraudes, garantindo assim o comércio justo e legal, evitando prejuízos milionários ao Erário. Ademais, os dados detalhados são também absolutamente imprescindíveis nos casos de instrumentos de políticas comerciais, que o Brasil como membro da Organização Mundial do Comércio pode aplicar.
É sempre fundamental salientar, que a competição justa de comércio e dentro dos padrões e regras internacionais colaboram na geração de renda e empregos, o pagamento de impostos, a produção e o desenvolvimento industrial do país.
É muito importante o diálogo da SRFB e todo o setor privado nacional e a Secretaria tem se mostrado sensível à essa questão. Mas se faz necessária uma solução rápida e eficiente diante das necessidades do Brasil nesse momento. Recentemente, novos dados de importação passaram a ser divulgados pela SRFB, contemplando as seguintes informações:
Entretanto, estes dados estão apresentados de forma pouco didática, de difícil compreensão e não contemplam informações primordiais às análises do setor privado, como dados de volume importado (kg, toneladas, etc) e origem das importações.
Portanto, a questão segue sem solução. A indisponibilidade de ferramentas de consulta às operações, há mais de seis meses, tem dificultado a apresentação de denúncias, facilitando que o mercado nacional fique exposto às irregularidades citadas. É necessária absoluta celeridade, seja no restabelecimento do sistema Siscori, seja na criação de um sistema similar de divulgação de dados do comércio exterior brasileiro, pois enquanto não houver uma solução, as irregularidades/ilegalidades continuam a ocorrer e aumentar, uma vez que certos da impunidade, os criminosos se tornaram cada vez mais ousados, causando cada vez mais prejuízo para o Erário e todo país.