Elvino de Carvalho Mendonça
Certa vez eu fui convidado por um amigo para dar uma aula inaugural no curso de pós-graduação de direito econômico em uma importante universidade brasileira.
Comecei por explicar que o guia de análise de concentrações horizontais brasileiro, americano e da comunidade europeia compreendiam um misto do paradigma Estrutura-Conduta-Desempenho (ECD) e da Escola de Chicago.
Qual não foi a minha surpresa quando o anfitrião mencionou que nunca havia pensado que um instrumento como o Guia brasileiro e outros tantos carregavam consigo tantos fundamentos teóricos e que os pontos de vistas tão antagônicos pudessem conviver em um único documento orientativo.
Aqueles que militam na defesa da concorrência, quer seja submetendo atos de concentração ao CADE quer seja instruindo e julgando os mesmos atos, partem, inexoravelmente, dos mesmos elementos e sempre começam dos mesmos pontos: definição de mercado relevante; análise de posição dominante; avaliação das barreiras, da rivalidade e das condições de entrada; e estudo das eficiências da operação.
Prima facie, estes elementos nada mais são do que a confluência de elementos da escola de Harvard (paradigma ECD) e da Escola de Chicago.
Pois é!! A controvérsia “saudável” entre a escola de Harvard e de Chicago é muito conhecida pelos amantes da defesa da concorrência, mas nem todo mundo se dá conta de que convivemos com as duas escolas na elaboração dos seus afazeres diários. Senão Vejamos!!!
O paradigma ECD, nas próprias palavras de Bain (1951), significa que a estrutura dos mercados (concentração) conduz a condutas nestes mesmos mercados e o seu desempenho (efeitos preços e quantidades) depende inevitavelmente de quão concentrados são os mercados[1].
A escola de Chicago, por seu turno, inverte a relação de causalidade, afirmando que o desempenho precede a estrutura, o que significa, em apertada síntese, que a concentração de mercado é, na verdade, responsável pelos ganhos de eficiência na economia, uma vez que as empresas com maiores poderes de mercados são aquelas mais capazes de fazerem inovações.
De fato, o Guia de Análise de Concentração Horizontal do CADE é fundamentado no paradigma ECD até o ponto em que se chega à análise de eficiências. Nesta etapa, avalia-se a possibilidade de que as eficiências geradas pela operação contraponham a ampliação da concentração de mercado ou, em outras palavras, que os benefícios das eficiências compensam a eliminação de um concorrente no mercado.
Na verdade, o que é certo é que controle de estruturas no Brasil e em grande parte das jurisdições se utiliza dos ensinamentos da Escola de Harvard e da Escola de Chicago, sendo que a análise sempre começa pelo paradigma ECD da Escola de Harvard e pode, em alguns casos, terminar com a prevalência das eficiências sobre a concentração de mercado postulada pela Escola de Chicago.
Entretanto, vale registrar que a combinação destas teorias em um documento não impede que o CADE adote uma ou outra teoria de forma mais prevalente, pois prevalência depende, em grande medida, da composição do plenário, não sendo fato estranho nem incomum observar, ao longo da história da autoridade de defesa da concorrência brasileira, decisões colegiadas que oscilam entre a Escola de Harvard e a Escola de Chicago.
[1] O paradigma ECD foi dominante nas décadas de 1960, 1970 e 1980 com Bain, Mason, Kaysen eTurner e recebeu o nome de Escola Estrutural de Harvard.
BAIN, J. Barriers to New Competition: Their Character and Consequences in Manufacturing Industries (1956); J. Bain, ‘Relation of Profit Rate to Industry Concentration: American Manufacturing, 1936-40’ 65 Quarterly Journal of Economics 293. 1951.
MASON, E. Economic Concentration and the Monopoly Problem. 1964.
KAYSEN, C; TURNER, D. Antitrust Policy: An Economic and Legal Analysis. 1959.