Polyanna Vilanova & Catharina Araújo Sá
Ao escrever sobre Direito Antitruste, nos deparamos com uma infinidade de temas. Um dos mais caros se relaciona com as Escolas de Direito Antitruste, por trazer diversas nuances no que se refere aos objetivos e finalidades deste ramo do Direito. É um debate que aborda como o Direito Antitruste é e como deveria ser. Nesse sentido, hoje em dia, muito se fala em superação do antitruste tradicional, principalmente tendo em vista os desafios trazidos pelas famosas big techs e o elevado poder econômico que as permeia, por exemplo. Contudo, para entender o que seria a superação do antitruste tradicional, bem como os objetivos deste ramo de estudo, é fundamental revisitar as Escolas de Direito Antitruste.
Tendo em vista as recentes alterações no contexto norte-americano, de elevada preocupação com o poder político-econômico das plataformas digitais, o presente artigo abordará as escolas norte-americanas, por meio da história, buscando demonstrar como cada uma delas foi influenciada pelo contexto em que se inseriu ou se insere.
Na década de 1880, o poder estava concentrado nas mãos de poucos agentes econômicos que atuavam por meio da formação de trustes. Os Estados Unidos passavam por um processo de aumento da produção e as pequenas empresas deram lugar a monopólios e oligopólios, mediante processos de integração vertical e horizontal.[1] Nesse contexto, as discussões sobre a necessidade de combater os trustes e o poder econômico que concentravam ganharam força. Normas como o Sherman Act (1890), o Clayton Act (1914) e o FTC Act (1914) surgiram nesse objetivo de acabar com as grandes concentrações econômicas.
As discussões sobre o combate aos grandes monopólios tiveram influência de uma grande personalidade para o Direito Antitruste: Louis Brandeis, considerado precursor da Escola de Harvard. Com o seu slogan “regulação da competição”, elaborou o Programa antitruste do Governo de Woodrow Wilson, denominado “New Freedom”, que defendia, dentre outras medidas, o fortalecimento do Sherman Act e o combate aos trustes.[2]
Os ideais de Brandeis, bem como este contexto norte-americano apresentado, influenciaram o surgimento da Escola de Harvard (ou estruturalista), que possuía foco nas estruturas de mercado. Para seus defensores, empresas com poder de mercado podem utilizá-lo para implementar condutas anticoncorrenciais e assim, devem ser evitadas elevadas concentrações, evitando disfunções no mercado.[3]
Em seus primórdios, não se defendia uma finalidade única para o Direito da Concorrência, mas sim diversas finalidades que coexistiam. Assim, os objetivos poderiam estar relacionados com “a defesa dos pequenos agentes econômicos contra os grandes”, “a proteção da concorrência”, “a proteção do consumidor”, dentre vários outros. Por sua vez, quando ocorresse choque entre os objetivos, o julgador ponderaria sobre qual deveria prevalecer.
De outra monta, essa visão de múltiplos objetivos já foi arduamente criticada. Para John Wright, por exemplo, o resultado da abordagem “multi-dimensional” do Direito Antitruste trouxe “decisões conflitantes” e “pouca noção se a doutrina antitruste estaria alcançando seus diversos objetivos”.[4]
No extremo oposto dos ideais da Escola de Harvard, surgiu a Escola de Chicago que nasceu com o economista Aaron Director, com a aplicação do Price Theory ao antitruste e atingiu seu auge na década de 1980. Essa escola apresenta a análise econômica para o antitruste e defende o menor grau de intervenção possível no que se refere à regulamentação da economia pelo Estado.[5] Para os defensores dessa escola, as concentrações econômicas e as restrições verticais podem ser justificáveis, pois garantem eficiências econômicas que não poderiam ser alcançadas de outra forma.[6]
No que se refere aos doutrinadores dessa escola, destaca-se Robert Bork e sua obra The Antitrust Paradox (1978) que aborda as finalidades do Direito Antitruste. Para ele, a política antitruste apenas pode tornar-se racional ao responder as perguntas: “qual é a finalidade da lei?”, “quais são seus objetivos?”. Na visão de Bork, o objetivo do Direito Antitruste deve ser perseguir o “bem-estar do consumidor”, conceito pautado no paradigma econômico neoclássico de análise com foco em eficiências econômicas.
O conceito de bem-estar do consumidor recebeu diversas críticas dos defensores da Escola Neoestruturalista, como Lina Kahn e Tim Wu, que entendem que o Direito Concorrencial não possui uma finalidade única. Em seu artigo Amazon’s Antitrust Paradox, Lina Kahn propõe uma expansão das finalidades do Direito Concorrencial e critica a definição de Bork de bem-estar do consumidor, uma vez que não consegue atender os desafios trazidos por novos mercados na economia moderna.[7]
De acordo com Tim Wu, também é necessário repensar a finalidade de proteção do consumidor. Segundo o professor, há dois grupos que visam este objetivo. O primeiro, denominado Escola Pós-Chicago, acredita que este objetivo do bem-estar do consumidor foi mal interpretado ou mal utilizado. [8] Por sua vez, para o segundo grupo, os Neoestrutalistas ou Neobrandeisianos, o objetivo correto do antitruste foi perdido. Os neoestruturalistas defendem que o problema da análise antitruste não é relacionado à economia, mas sim à lei, uma vez que houve falha ao entender a intenção do legislador e, por essa razão,necessário resgatar o real objetivo da lei antitruste.[9] Tim Wu é um dos críticos da interpretação das leis antitruste norte-americanas. Para ele, o antitruste possui vários objetivos e cabe ao Judiciário ponderar qual deve prevalecer quando ocorrer choque entre os valores.[10]
Assim, os neoestruturalistas apresentam ideias de reformas, principalmente dentro do contexto dos mercados digitais, sob a alegação de que o paradigma neoclássico de análise antitruste não é suficiente para abarcar todos os desafios concorrenciais trazidos por estes mercados inovadores. Ou seja, defendem uma necessidade de afastamento de fundamentos econômicos, mas uma aproximação aos fundamentos políticos.
Do mesmo modo que os defensores da Escola de Chicago recebem críticas quanto à uma limitação do conceito de bem-estar do consumidor, pautado exclusivamente em eficiências econômicas, os neobrandeisianos também recebem críticas, principalmente considerando que a suposição trazida pela Escola Neoestruturalista de que os indivíduos estariam melhores em um mundo com empresas menores e preços mais altos ainda não foi testada.[11]
Diante do quanto exposto, é evidente que a pergunta de qual deve ser a finalidade do Direito Antitruste é bastante complexa. O que se sabe é que, ao menos atualmente, as análises antitrustes são pautadas, em sua maioria, no paradigma de análise neoclássico. Ademais, fato é que apesar de no Direito Concorrencial, e em vários outros ramos do Direito, termos uma análise muito pautada em olhar para modelos de fora, é preciso considerar a realidade de um país emergente como o Brasil e ainda mais do que isso: é preciso lembrar que o Direito Antitruste não é solução para todos os problemas.[12]
[1] FORGIONI, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste. 5. ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 67.
[2] MCCRAW, Thomas K., et al. Prophets of regulation: Charles Francis, Adams Louis D. Brandeis, James M. Landis, Alfred E. Kahn. Massachusetts: Harvard, 1984. p. 126
[3] FORGIONI, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste. 5. ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 166.
[4] WRIGHT, Joshua. The dubious rise and inevitable fall of hipster antitrust. George Mason Law & Economics Research Paper No. 18-29, 2019. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3249524. Acesso em 03.05.2022. p. 8.
[5] FORGIONI, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste. 5. ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. P. 169.
[6] BECKER, Bruno Bastos; MATTIUZZO, Marcela. Plataformas Digitais e a Superação do Antitruste Tradicional: Mapeamento do Debate Atual. In: PEREIRA NETO, Caio Mario da Silva (org.). Defesa da Concorrência em Plataformas Digitais. São Paulo: FGV Direito SP, 2021. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/30031/Defesa%20da%20Concorrência%20em%20Plataformas%20Digitais.pdf?sequence=1&isAllowed=y. p. 48.
[7] KHAN, Lina M. Amazon´s Antitrust Paradox. The Yale Law Journal, v. 126, n. 710, 2017. Disponível
em: https://www.yalelawjournal.org/pdf/e.710.Khan.805_zuvfyyeh.pdf. Acesso em 10.05.2022.
[8] WU, Tim. After Consumer Welfare, Now What? The ‘Protection of Competition Standard´ in Practice.
The Journal of the Competition Policy International, 2018. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3249173. Acesso em: 09.05.2021. p. 2.
[9] Ibidem, p. 5.
[10] Ibidem, p. 6.
[11] HOVENKAMP, Herbert J. Is antitrust’s consumer welfare principle imperiled? Faculty Scholarship at
Penn Law, 1985, 2019. Disponível em: https://scholarship.law.upenn.edu/faculty_scholarship/1985/. Acesso em 17.04.2022. p. 103.
[12] CORDEIRO, Alexandre; SIGNORELLI, Ana Sofia Cardoso Monteiro. Os objetivos do Direito Antitruste: evolução e perspectivas para o pós-Covid-19. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/os-objetivos-do-direito-antitruste-evolucao-e-perspectivas-para-o-pos-covid-19-01082020. Acesso em 04.05.2022.
[*] Polyanna Vilanova é ex-conselheira do Cade e sócia no Vilanova Advocacia.
[**] Catharina Araújo Sá é advogada no escritório Vilanova Advocacia.