Fernanda Manzano Sayeg

A pandemia ocasionada pelo novo coronavírus (COVID-19) e as medidas adotadas pelos governos para seu enfrentamento, em todo o mundo, resultaram em restrições à circulação e ao ingresso em diversos países e afetaram diretamente as investigações de defesa comercial no Brasil, que são conduzidas pela Subsecretaria de Defesa Comercial e Interesse Público (“SDCOM”).

Uma das principais consequências das restrições para evitar a propagação do vírus foi a adoção do home office. Diversas empresas se viram obrigadas a realizar inúmeras alterações em suas estruturas. Para as empresas que eram partes interessadas em investigações nde defesa comercial, essas adaptações tiveram um grande impacto na obtenção de informações necessárias para as respostas aos questionários e aos ofícios enviados pela autoridade investigadora às partes interessadas, que possuem prazos exíguos e demandam um grande esforço.

Se já era difícil cumprir os prazos de uma investigação antidumping antes da pandemia, as mudanças introduzidas na pandemia tornaram essa tarefa praticamente impossível. Havia uma grande insegurança jurídica em relação aos procedimentos que seriam adotados para a verificação das informações apresentadas pelas partes interessadas e pela ausência de reuniões presenciais com as autoridades nas quais costumava-se discutir aspectos relevantes dos casos. Não obstante as reuniões presenciais tenham sido substituídas por videoconferências, a pandemia levou a uma maior dificuldade de contato entre as partes interessadas e a SDCOM.

Apenas em 18 de agosto de 2020, foi publicada a Instrução Normativa nº 1/2020, que dispõe sobre as adaptações necessárias aos procedimentos das investigações de defesa comercial e das avaliações de interesse público conduzidas pela SDCOM em decorrência da pandemia.

A referida Instrução Normativa suspendeu, por prazo indeterminado, a realização das verificações presenciais nas fábricas e escritórios das partes interessadas nas investigações de defesa comercial. Ademais, determinou que, em razão da impossibilidade de realização das verificações in loco, a SDCOM promoveria uma análise detalhada de todas as informações submetidas pelas partes interessadas, buscando verificar sua correção com base na análise cruzada das informações protocoladas nos autos do processo e de informações constantes de outras fontes disponíveis. 

Adicionalmente, a Instrução Normativa nº 1/2020 dispõe que a SDCOM poderá solicitar informações complementares adicionais e outros elementos de prova, tais como amostras de operações constantes de petições e respostas a questionários e detalhamentos de despesas específicas, a fim de validar informações apresentadas pelas partes interessadas, nos termos do parágrafo único do art. 179 do Decreto nº 8.058, de 2013.

Cumpre notar que a Instrução Normativa nº 1/2020 determina que os documentos e dados que visam a validar as informações protocoladas pelas partes interessadas sejam apresentadas forma mais completa, clara e precisa possível, e que estes sejam acompanhados de suas respectivas comprovações, justificativas, fontes e metodologias utilizadas, bem como das planilhas e documentos auxiliares utilizados na elaboração dessas informações. Isso sem falar nas traduções juramentadas para o português de todos os documentos elaborados originalmente em língua estrangeira – com exceção do inglês, francês e espanhol – em conformidade com o artigo 18 da Lei nº 12.995, de 18 de junho de 2014.

Assim, desde 18 de agosto de 2020, o procedimento de verificação in loco tem sido substituído pela SDCOM pelo envio de um único ofício, que deve ser cumprido no prazo de 10 dias, prorrogável por igual período, com vistas a validar todas as informações apresentadas por determinada empresa na investigação antidumping. Não obstante o art. 3º da Instrução Normativa estabeleça que podem ser solicitadas informações complementares adicionais àquelas solicitadas após a submissão dos questionários do produtor doméstico, exportador e importador, a SDCOM tem limitado o pedido de informações adicionais a apenas um ofício.

As partes interessadas – sobretudo os exportadores – acabam enfrentando inúmeras dificuldades para cumprir com esse único ofício. Se durante a verificação in loco a maioria dos documentos é analisada presencialmente – sobretudo as telas do sistema contábil e números – e não é solicitada a juntada de tradução juramentada dos mesmos para o português, o mesmo não ocorre quando a comprovação dos dados é realizada por ofício. Simplesmente não há tempo hábil para que que as partes obtenham as inúmeras informações solicitadas nesse ofício no exíguo prazo determinado pela SDCOM, muito menos para que sejam realizadas todas as traduções juramentadas dos documentos, de modo a atender o artigo 18 da Lei nº 12.995, de 18 de junho de 2014.

Como se não bastasse, as partes interessadas ainda se deparam com a dificuldade de apresentar todas as informações solicitadas e respectivas traduções antes do término do período probatório. Embora os artigos 7º e 8º da Instrução Normativa nº 1/2020, determinem que os prazos previstos no Decreto nº 8.058, de 2013, poderão ser suspensos, com base no art. 67 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, de forma a garantir tempo adequado para a coleta e análise das informações necessárias às determinações da SDCOM, levando em consideração as necessidades de cada processo administrativo individualmente, bem como os princípios constitucionais da razoabilidade e da eficiência, esse não tem sido o caso.

Passados mais de dez meses da entrada em vigor da Instrução Normativa nº 1/2020, resta evidente que a metodologia introduzida por ela é ineficiente, aumentou o grau de dificuldade de comprovação das informações apresentadas nas investigações de defesa comercial para as partes interessadas e os custos das mesmas (haja vista o elevado número de documentos cuja tradução passou a ser necessária), e tornou praticamente impossível para qualquer exportador apresentar todos os dados solicitados de forma completa antes do término do período probatório.

É irrealista esperar que a realização de uma verificação in loco, tanto no exportador quanto no importador, possa ser substituída pelo simples envio de um único ofício requerendo que a empresa transformasse todo o intenso trabalho realizado por uma equipe ao longo de dias em uma resposta escrita e completamente suficiente para validação de todos os dados. Se fosse esse o caso, a realização de verificações in loco com o traslado e dedicação integral de funcionários ao longo de todos esses anos, por várias autoridades no mundo, teria sido um excesso e desperdício de recursos públicos.

Faz-se necessário repensar a condução das investigações de defesa comercial até o término da pandemia, sobretudo no que diz respeito aos prazos e procedimentos para apresentação de informações, de modo a evitar que as decisões nesses processos sejam questionadas tanto judicialmente, no Brasil, quanto no Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio (“OMC”).

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