Fernanda Manzano Sayeg
O mês de outubro de 2021 foi marcado pela modernização do arcabouço normativo na área de defesa comercial.
Em 19 de outubro de 2021, foi publicado o Decreto no 10.839, de 18 de outubro de 2021, que regulamentará as investigações sobre subsídios conduzidas pela autoridade brasileira e a aplicação de medidas compensatórias. O decreto entrará em vigor 120 dias após sua publicação e substituirá o Decreto no 1.751/1995, que foi promulgado no contexto da criação da Organização Mundial do Comércio (“OMC”). Desde então, houve avanços significativos na defesa comercial, no Brasil e no mundo, tendo o antigo decreto ficado à margem dessa evolução.
O Decreto no 10.829/21 atualiza as normas procedimentos utilizados nas investigações de subsídios e atualiza os conceitos de subsídios com base na jurisprudência construída pela OMC, além de harmonizar os procedimentos das investigações de subsídios com as investigações de dumping, cujo regulamento foi modernizado em 2013. Grande parte dos artigos do novo decreto é bastante similar às disposições do Regulamento Antidumping Brasileiro, tanto no conteúdo quanto na ordem de disposição.
Da mesma forma que ocorre em investigações antidumping, o novo Decreto prevê a possibilidade de não-aplicação de medida compensatória pela Câmara de Comércio Exterior (“CAMEX”) caso seja constatado interesse público.
O novo regulamento estabelece um cronograma preciso sobre as etapas da investigação, como fases probatórias e de manifestações, além de estabelecer a obrigatoriedade de determinações preliminares para investigações originais, que são essenciais para aplicação de direitos compensatórios provisórios. Ademais, traz inovações importantes em temas não abarcados pelo decreto antigo, como o procedimento de avaliação de escopo, a redeterminação e a anticircunvenção. Há também disciplinas específicas para investigações que envolvam Estados Partes do Mercosul e um maior detalhamento para as condições de aceitação de compromissos de preços.
A SDCOM estima que haverá maior celeridade e segurança jurídica ao processo investigação de subsídios e medidas compensatórias, reduzindo os prazos de análise das petições e das investigações. A expectativa é que os trâmites sejam encurtados em até um terço. Cumpre notar, ainda, que a elaboração do novo decreto foi debatida com o setor privado, por meio de consulta pública.
A atualização da legislação brasileira sobre subsídios e medidas compensatórias é extremamente necessária e bem vinda. Não há dúvidas que a aproximação entre essas investigações e aquelas relacionadas à prática da investigação de dumping é um grande avanço para a indústria doméstica, para os importadores, para os exportadores e para os consultores que atuam nessa área, que lidam há quase 10 anos com o detalhado Regulamento Antidumping Brasileiro.
Com a modernização da legislação, a tendência é que a indústria doméstica recorra cada vez mais a esse instrumento de defesa comercial. Atualmente, há apenas três medidas compensatórias em vigor no Brasil em comparação às 141 medidas antidumping em vigor. No mundo, a frequência na aplicação de medidas compensatórias pelos membros da OMC tem aumentado. Acredita-se que estratégias de incentivos às indústrias nacionais pós-pandemia pelos Estados possa levar a uma maior necessidade de utilização de medidas compensatórias pela indústria brasileira. A modernização do arcabouço normativo no Brasil, garantindo maior transparência e previsibilidade nas investigações de subsídios conduzidas pela autoridade investigadora brasileira, certamente aumentará a atratividade dessa medida de defesa comercial.
Durante o período de vacatio legis do Decreto nº 10.839, será publicada nova portaria com a atualização do arcabouço normativo relacionado às investigações de subsídios e medidas compensatórias, a qual já foi objeto de consulta pública. Também está nos planos da SDCOM publicar em 2022 um guia de investigações de subsídios e medidas compensatórias, nos moldes dos diversos guias da SDCOM já publicados.
Adicionalmente, em 26 de outubro de 2021, a Secex abriu consulta pública sobre quatro petições relacionadas às investigações de subsídios que não tinham fundamento legal na legislação anterior, a saber: (i) petição de revisão anticircunvenção, que trata da investigação de práticas elisivas que frustrem medidas compensatórias aplicadas; (ii) petição de restituição de direitos recolhidos, se o montante de subsídios apurado para o período de revisão for inferior ao direito vigente; (iii) petição de avaliação de escopo, por meio da qual qualquer parte interessada poderá solicitar que se apure se um certo produto está sujeito à medida compensatória em vigor; e (iv) petição de redeterminação, na qual é determinado se a medida compensatória aplicada teve sua eficácia comprometida em razão da forma de aplicação da medida ou em razão da absorção da medida compensatória. A ideia é manter o paralelismo com o já estabelecido nas investigações antidumping.
Nessa mesma data, foi publicada a Circular nº 71, que abriu o prazo de 20 dias para que sejam apresentados dúvidas, questões e temas de interesse no âmbito de investigações sobre subsídios e medidas compensatórias, que serão abordados pela SDCOM no Guia de Investigações sobre subsídios que será publicado futuramente.
Já a Instrução Normativa Secex nº 3, de 22 de outubro de 2021, quer foi republicada no Diário Oficial da União em 3 de novembro, traz novas determinações sobre a realização da verificação in loco em investigações de defesa comercial. Em razão da pandemia da COVID-19, as verificações presenciais das informações prestadas pelos exportadores estavam temporariamente suspensas desde julho de 2020. De acordo com a nova Instrução Normativa, a partir de agora, será dada preferência à verificação in loco e, apenas na impossibilidade de realização desse tipo de verificação, será realizada a verificação dos elementos de prova, por ofício.
Essa alteração é muito benéfica para os exportadores, que foram muito prejudicados com as demasiadas exigências burocráticas e com os prazos extremamente curtos da verificação dos elementos de prova, e voltarão a ter oportunidade de comprovar as informações apresentadas nas respostas aos questionários de forma presencial, em suas próprias instalações.