Daniela Santos

No final de 2020, fui convidada para participar do REATE 2020, que é o Programa de Revitalização da Atividade de Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural (E&P) em Áreas Terrestres. O Programa, segundo o Ministério de Minas e Energia – MME, “é uma Política Nacional de fomento a atividade de exploração e produção de petróleo e gás natural em áreas terrestres no Brasil, de modo a propiciar o desenvolvimento regional e estimular a competitividade nacional.”

Mas não foi o primeiro REATE. No ano de 2018, o Programa já tinha contribuído para o encaminhamento de assuntos importantes para a E&P terrestre nacional, tais como: (i)  implementação do sistema de Oferta Permanente de blocos exploratórios e campos marginais pela ANP; (ii) adequação dos percentuais de royalties de novos contratos aos ambientes de elevado risco exploratório e baixo potencial petrolífero, relativos às bacias maduras e de novas fronteiras; (iii) simplificação de exigências contratuais para jazidas de baixa materialidade, relativos à medição por exemplo e (iv) criação de coordenação de E&P terrestre na ANP para facilitar a comunicação e solução de problemas relativos à regulação. 

Na sua página oficial, o Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP afirma que “além dos progressos acima destacados cabe mencionar as iniciativas da ANP para a retomada dos investimentos em E&P em áreas terrestres, e ainda em campos maduros em águas rasas. Tem-se ainda os projetos de desinvestimento de campos maduros da Petrobras, denominados por Ártico e Topázio, que podem, com sua conclusão, aumentar o número de operadores em terra”.

Ou seja, já em 2018 era inequívoca a contribuição do REATE para o debate de questões complexas e, muitas vezes com variações regionais, como é o caso da E&P em áreas terrestres.  Mas somente com o Programa em 2020 foi possível compreender a grande contribuição do modelo para a transparência, agilidade, aprimoramento, concorrência e competitividade, sinergia e atração de novos agentes para os setores que se pretende desenvolver.

O modelo do Programa é um acontecimento na direção da modernização da comunicação entre administradores e administrados. Porque ao invés de afastar, une. Ao invés de criar obstáculos, resolve. É uma forma de equacionar problemas e obstáculos juntando empresas concessionárias, fornecedoras, diversas autoridades envolvidas, sociedade e academia.

O entusiasmo não é só meu. Todos que acompanham a ferramenta têm expressado contentamento com o modelo e com o seu potencial. Quanto mais agentes atuantes, maiores as chances de resolver os assuntos mais complexos de forma adequada e equilibrada.

Neste ponto, importante não perder de vista que a regulação restringe a livre iniciativa. Ou seja, ela rompe com a regra, mas por uma causa legítima: garantir o afastamento de distorções que resultariam de um mercado totalmente livre. Nesta medida, o modelo do REATE é, fundamentalmente, uma forma legítima e eficaz de redução de riscos de abuso ou de desconformidades que, no final das contas, afetam negativamente os consumidores e usuários finais da atividade.

Ousaria dizer que o modelo do REATE, conjugado com outras ferramentas que deverão ser mais (e melhor) utilizadas pelo regulador após a edição da Lei das Agências Reguladoras (Lei nº 13.848/19) – tais como  publicação de Agendas Regulatórias (mecanismo de planejamento e compromisso regulatório perante os agentes regulados); a Análise de Impacto Regulatório – AIR (mecanismo ex ante de controle dos atos regulatórios) e Avaliação do Resultado Regulatório – ARR (mecanismo ex post de controle dos atos regulatórios) – poderá revolucionar a atual forma de gestão, aperfeiçoando políticas e regulações setoriais.

Se compararmos o formato do REATE com as audiências públicas realizadas pelas agências, mesmo se considerarmos as diferenças operacionais, temos ganhos expressivos no modelo do REATE, tanto na qualidade das interações e agilidade das respostas, quanto no aprimoramento das diretrizes energéticas e regulatórias, e, fundamentalmente, do debate.

E com isso não se defende a extinção das audiências e a sua substituição pelo modelo do REATE. Até porque, tal modelo não se presta a cuidar de todos os assuntos. Tampouco minha intenção é criticar as agências, que atuam de acordo com as normas aplicáveis. O que se propõe é repensar a forma com que as audiências hoje são conduzidas, com base no sucesso da experiência.

A real transparência – ou seja, a circunstância de ser límpido, cristalino, visível, compreensível – das decisões da Administração Pública decorre fundamentalmente do amplo debate. Ademais, não há controle e participação eficientes sem debate. Em alguma medida, as conhecidas consulta e audiência públicas podem ajudar, mas não são mais tão eficazes como deveriam.

Na mesa REATE, realizada no final de 2020 em Mossoró/RS, todos os agentes se sentaram na mesma mesa e foram escutados, houve (importantes) confrontos de interesses. A Empresa de Pesquisa Energética – EPE apresentou pertinentes resultados das suas pesquisas, o que ajudou no embasamento das discussões, assim como a Organização Nacional da Indústria do Petróleo — ONIP trouxe importantes esclarecimentos, especialmente para as universidades. O MME, de forma impecável, liderou os encaminhamentos e esclarecimentos necessários, registrando os próximos passos que deveriam ser tomados.

O trabalho realizado pela ANP durante e depois da MESA REATE 2020, merece destaque. Os competentes representantes da ANP fizeram os esclarecimentos pertinentes, ofereceram soluções imediatas e se comprometeram com uma série de pontos levantados pelos agentes, Estado, associações e academia, para o desenvolvimento do setor. Finalizado o evento, a ação do regulador tornou-se central para os avanços discutidos no REATE: deste importantes progressos para assegurar o acesso à UPGN, até a recente liberação de acesso gratuito aos dados terrestres[1].  

Obviamente, o mecanismo pode e deve ser aperfeiçoado, especialmente na definição da sua periodicidade, na garantia de aumento da participação de diferentes agentes representados pelas suas respectivas associações ou sindicatos e na ampla divulgação de todas as propostas apresentadas pelos interessados, não apenas daqueles temas que foram tratados durante as discussões, entre outros. A princípio, não vejo necessidade de criar procedimentos que engessem o Programa. O importante é que tudo seja acessível e de fácil compreensão para todos.

Assim, diante de tantos benefícios, por que não replicar o modelo ou adaptá-lo para outras áreas como de abastecimento de combustíveis, refino, biocombustíveis, e – por que não – para o setor elétrico?

Por exemplo, trago um tema muito discutido pelo setor de energia elétrica nos últimos anos, que logo de pronto chama atenção pela eventual adequação ao modelo REATE: a geração distribuída de energia elétrica (GD). Como se sabe, segundo a Resolução  ANEEL nº 482/2012, o consumidor brasileiro pode gerar sua própria energia elétrica a partir de fontes renováveis ou cogeração qualificada e, inclusive, fornecer o excedente para a rede de distribuição de sua localidade. A GD é capaz de diversificar a matriz energética e criar o produtor/consumidor de energia elétrica, garantindo mais econômica e segurança, com menos impacto ambiental, entre outros benefícios. É um caminho sem volta rumo ao desenvolvimento.

Neste artigo não tenho a pretensão de detalhar as atuais discussões sobre o assunto (tanto no âmbito regulatório – com a revisão da Resolução ANEEL nº 482/12 – quanto no Projeto de Lei nº 5.829/19), mas não há dúvidas que rever as diretrizes do GD em um modelo semelhante ao REATE, contando com o debate amplo e concomitante entre os interessados, associações, TCU, CADE, ANEEL, sob a liderança do MME, poderia servir para evitar a tomada de decisões equivocadas, que, obviamente, atrasam e impactam negativamente o avanço da GD.     

Parte do setor já entendeu o recado. Tanto é assim que, recentemente, o modelo REATE foi replicado para o Programa de Revitalização da Atividade de Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural – PROMAR. Esperamos que outros mercados, inclusive o elétrico, percebam as vantagens e utilizem o modelo para a tomada de decisões. Para o bem das políticas públicas, da regulação, da concorrência e, sobretudo, em benefício dos usuários e consumidores finais de energia!     

Novamente: espero contribuir para o debate e aperfeiçoamento do setor!


[1] Neste sentido, ver Ofícios ANP nº 70/2021 e 491/2021.

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