Fernando de Magalhães Furlan

A melhoria do ambiente concorrencial no sistema financeiro do país também passa pelo aumento no nível de governança no setor. Questões como accountability[1] e transparência devem se aplicar tanto às instituições financeiras, públicas e privadas, quanto aos próprios reguladores.

Uma boa e relevante notícia, nesse contexto, foi a recente promulgação da lei[2] que concede autonomia formal para o banco central, transformando-o em autarquia de natureza especial. O texto também prevê mandatos não coincidentes para o presidente e diretores da entidade, novas regras para suas demissões e apresenta novas atribuições para a autoridade monetária, como, por exemplo, “suavizar as flutuações do nível de atividade econômica” e “fomentar o pleno emprego”.

Hoje, a autarquia tem como objetivos principais garantir o poder de compra da moeda e assegurar a estabilidade do sistema financeiro. Com a mudança, o BC atuaria também para baixar o nível de desocupação e para perseguir o pleno emprego.

No Brasil, o órgão de cúpula do SFN é o Conselho Monetário Nacional (CMN)[3], a quem cabe, dentre outras funções, a formulação da política da moeda e do crédito no país. O CMN hoje é composto pelo ministro da Economia, que o preside, pelo presidente do Banco Central e pelo secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia. É também o mesmo ministro que indica, e o presidente da República nomeia e demite, a qualquer tempo e conforme os humores das conveniências políticas, os presidentes do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, ambos grandes bancos comerciais. O chefe da Pasta da economia também nomeia os presidentes dos conselhos de administração do BB e da Caixa. Ou seja, no sistema financeiro, o Brasil não parece ser um bom exemplo de governança, onde os poderes se concentram nas mãos de poucos, não há supervisão ou ela é inócua, e interesses comerciais se confundem com o interesse público.

O único dispositivo da novíssima Lei Complementar 179/2021, que trata do que se pode considerar um arremedo de governança e accountability é o artigo 11, que prevê que: “o presidente do Banco Central do Brasil deverá apresentar, no Senado Federal, em arguição pública, no primeiro e no segundo semestres de cada ano, relatório de inflação e relatório de estabilidade financeira, explicando as decisões tomadas no semestre anterior”.

Contudo, essa singela e tímida disposição não parece ser suficiente para endereçar todas as incontáveis repercussões que as deliberações estratégicas do CMN e as decisões executivas do Banco Central podem ter nos mais diversos aspectos da vida cotidiana dos brasileiros: desde o controle da inflação, até condições favoráveis à geração e manutenção de empregos e postos de trabalho.

Afinal, consoante o artigo 192 da Constituição Federal, o sistema financeiro nacional deve servir aos interesses da coletividade, não das instituições financeiras ou de seus acionistas, sejam eles o próprio governo ou investidores estrangeiros.

Para ilustrar a questão, por meio de recente acontecimento, vejamos a representação[4] do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União que pede o afastamento e a investigação, por suposto uso político das entidades públicas, dos presidentes do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal), no episódio do manifesto da Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN) pela harmonia entre os Poderes.

No pedido, o Ministério Público afirma que ambos os presidentes “demonstraram que o motor das decisões tomadas na condução das instituições que dirigem possui forte viés político, em afronta ao esperado zelo pelo interesse público e não do governo de plantão”.

Existem três princípios básicos[5] que devem sustentar avanços na governança e accountability do Sistema Financeiro Nacional (Conselho Monetário Nacional e Banco Central do Brasil):

1) Promover mais discussão e diversidade de opiniões:

Embora os tomadores de decisão estejam obrigados a explicar as suas ações, tal obrigação se limita a uma simples publicação de dados e alguma informação genérica. O que está faltando é o registro e divulgação dos autênticos debates e deliberações. Banqueiros centrais e ministros da Economia não são oráculos. Deve haver mais espaço para divergências – tanto entre aqueles com o poder de definir políticas públicas, quanto na sociedade, diretamente afetada por essas políticas.

2) Garantir que as autoridades monetárias respondam ao público em geral:

Os impactos de decisões do CMN ou do BCB são difusos, isto é, atingem o conjunto da sociedade, sendo impossível identificar, isoladamente, todos os afetados e raramente se tornam evidentes o suficiente para mobilizar o público. Nesse contexto, é preciso encontrar maneiras criativas de garantir que o Banco Central do Brasil e o CMN prestem mais contas ao público em geral.

3) Ampliar os objetivos a partir dos quais suas ações serão avaliadas:

Uma forma de garantir que os formuladores das políticas monetária e financeira prestem contas ao público é garantir que as questões que afetam os cidadãos sejam refletidas nos padrões que as orientam. Atualmente, a maioria dessas questões não está oficialmente na agenda, o que é limitado pelo objetivo de atingir um nível de inflação muito baixo.

Afinal, as metas de inflação de hoje podem não ser mais apropriadas. Um documento de trabalho recente do Federal Reserve[6], por exemplo, sugere que aumentar a meta de inflação atual e complementá-la com uma meta de PIB nominal faz sentido, do ponto de vista econômico.

À medida em que os bancos centrais e autoridades monetárias assumem um papel cada vez mais influente em nossa vida política e econômica, também, em contrapartida, devem garantir a sua própria transparência, governança e mecanismos de mensuração de sua responsabilidade e performance.


[1] Accountability está relacionada com a prestação de contas e com a responsabilização por atos praticados.

[2] Lei Complementar nº 179, de 24 de fevereiro de 2021.

[3] Junto ao CMN também funciona a Comissão Técnica da Moeda e do Crédito (COMOC), que atua como órgão de assessoramento técnico na formulação da política da moeda e do crédito do Brasil. A COMOC manifesta-se previamente sobre assuntos de competência do CMN. Membros da COMOC: presidente do Banco Central (coordenador); presidente da Comissão de Valores Mobiliários; secretário-executivo do Ministério da Economia; secretário de Política Econômica do Ministério da Economia; secretário do Tesouro Nacional do Ministério da Economia e diretores do Banco Central do Brasil.

[4] Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/radar/procurador-pede-ao-tcu-afastamento-de-chefes-do-bb-e-da-caixa/. Acesso em: 19/09/2021.

[5] BEST, Jacqueline. Why we need better central bank accountability. Ethics & International Affairs – EIA, junho de 2016. Disponível em: https://ethicsandinternationalaffairs.org/2016/need-better-central-bank-accountability/. Acesso em 19/09/2021.

[6] ENGLISH, William B. et al. The Federal Reserve’s Framework for Monetary Policy–Recent

Changes and New Questions. Finance and Economics Discussion Series. Divisions of Research & Statistics and Monetary Affairs. Federal Reserve Board, Washington, D.C., 2013. Disponível em: https://www.federalreserve.gov/pubs/feds/2013/201376/201376pap.pdf. Acesso em: 19/09/2021.

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