Uinie Caminha

Existem determinados aspectos ligados à atividade dos empresários que podem passar despercebidos à academia, mas são cruciais àqueles que advogam na área empresarial. De fato, especialmente nessa área do Direito, a distância entre a teoria e a prática pode se mostrar quase que instransponível e muito mais tortuosa que em outras.

Um desses aspectos é o registro de empresas, sistema instituído pela Lei 8934/94 que cuida de examinar formalidades e dar publicidade a atos das empresas e outras atividades correlatas, como leiloeiros. Desde a positivação do Direito Comercial no Brasil existiram entidades responsáveis pelo registro de empresas – desde os Tribunais do Comércio até as Juntas de hoje, e a natureza e função desse registro sempre teve por base o fato de o Direito Comercial ser considerado, desde seu nascedouro, um Direito especial (ou corporativo).

Fato é que o arquivamento de atos societários nas juntas comerciais tem como principais funções dar publicidade a esses atos para que possam ser opostos a terceiros, e a verificação de sua adequação formal de seus termos. Não há – nem deve haver, exame de mérito por parte dos órgãos registrais.

Durante muito tempo, e por vários aspectos nem sempre ligados às Juntas Comerciais, o registro empresarial foi associado a lentidão, burocracia e ineficiência, mas o fato é que esse cenário tem sido alterado e com relativa rapidez nos últimos anos.

Uma silenciosa revolução iniciou-se com a edição da Lei 13.874 de 2019, conhecida como a Lei da Liberdade Econômica. Essa Lei, oriunda da conversão da Medida Provisória 881, acabou incorporado dispositivos de outra MP que não foi votada a tempo e acabou por caducar. Foram esses dispositivos que iniciaram essas modificações pelas quais vem passando o Registro de Empresas no Brasil, e que já resultaram na diminuição do tempo de formalização de uma empresa de vários dias (e até meses) para poucas horas.

Com efeito, o texto da Lei da Liberdade Econômica dispensou formalidades como autenticação de documentos em cartórios, decisão colegiada para arquivamento atos societários de sociedades anônimas – exceto constituição, e ainda instituiu o registro automático por utilização de documentos padrão, ou oriundo do não cumprimento de prazo de análise pelas juntas comerciais.

Como exemplo, o registro automático, deferido quando o usuário do sistema opta por utilizar os modelos de constituição de sociedades limitadas, reduziu para horas o prazo de constituição de empresas. Note-se que o deferimento do arquivamento automático não impede que eventuais irregularidades sejam examinadas posteriormente e, caso sejam julgadas insanáveis, o registro deve ser cancelado.  

Criou-se ainda o deferimento de arquivamento por decurso de prazo, que ocorre, por provocação dos interessados caso as juntas comerciais não observem os prazos legais para esses arquivamentos.

Além disso, outras formalidades paralelas ao registro de empresas, como alvarás e licenças emitidas por órgãos municipais foram dispensadas ou flexibilizadas de acordo com a classificação de risco das atividades a serem desenvolvidas pelo empresário.

Em junho de 2020, o Departamento Nacional de Registro de Empresas e Integração revogou 45 Instruções Normativas que regulavam os diversos processos relativos a arquivamentos e registros nas Juntas Comerciais. No mesmo ato (a IN 81 de 2020), consolidou todos os procedimentos, modelos e orientações em um só texto, com o intuito de simplificar e facilitar a unificação do entendimento das juntas de cada estado.  

Ainda mais recentemente, em agosto de 2021, a Lei 14.195, apelidada de Lei do Ambiente de Negócios trouxe mais inovações para o registro de empresas, além de outras correlatas. Dentre elas, destacam-se a competência do DREI para autorizar abertura de filiais, agencias ou sucursais (que anteriormente necessitavam de Decreto Presidencial); possibilidade de desconcentração e terceirização de serviços das Juntas, desnecessidade de autorização governamental para arquivamento de atos societários (que eram exigidos, por exemplo, para quaisquer atos de instituições financeiras e assemelhadas); e além disso a dispensa, para os atos levados a arquivamento nas juntas comerciais, de reconhecimento de firma.

Não podem mais ser exigidos, nos termos da mesma Lei, para aqueles que realizam seus registros por meio da Redesim quaisquer outros números de identificação além do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), número de identificação cadastral única, nos termos do inciso III do caput do art. 8º da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006; dados ou informações que constem da base de dados do governo federal;coletas adicionais à realizada no âmbito do sistema responsável pela integração, a qual deverá ser suficiente para a realização do registro e das inscrições, inclusive no CNPJ, e para a emissão das licenças e dos alvarás para o funcionamento do empresário ou da pessoa jurídica.      

A respeito dos impactos da Lei de Ambiente de Negócios, a Associação Brasileira de Jurimetria realizou um estudo sobre seus impactos no registro de empresas[1], com relação às pesquisas de viabilidade (nome e endereço). Apesar de o estudo ter apontado impactos diferentes a depender da unidade da federação considerada (muito em virtude a integração das prefeituras ao sistema, pode-se verificar a diminuição dos prazos para a formalização e registro de empresas e empresários.

Ainda outras inovações, como o uso de tecnologia de blockchain para dar maior segurança aos dados e documentos registrados nos sistemas (inaugurado pela Junta Comercial do Estado do Ceará), esclarecimentos sobre a possibilidade de integralização de capitais com criptoativos e as assinaturas digitais por meio do sistema GOV.BR procuram retirar, de vez, o registro empresarial da “era dos carimbos”.

Para aqueles que, mesmo sendo estudiosos da teoria do Direito da Organizações Empresariais, não vivem, na prática de seu dia a dia, a aplicação das normas que conhecem no papel, essas mudanças podem parecer menores ou mesmo imperceptíveis. Todavia, representaram um ganho real na vida dos empresários e daqueles que a eles prestam serviços jurídicos.


[1]  – Estudo realizado antes da conversão da MP1040 em Lei, disponível em https://lab.abj.org.br/posts/2021-06-11-analise-1040/, acesso em 11 fev 2022.

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