Pedro Zanotta & Dayane Garcia Lopes Criscuolo

Em nossa sociedade as pessoas e objetos são conhecidos por seus nomes, características e adjetivos a eles relacionados. Cada coisa, expressão ou palavra tem o seu ou os seus significados, e tendemos a conviver com muitos deles sem, ao menos, refletir sobre eles ou questioná-los.

Dentro deste contexto, após algumas pesquisas corriqueiras, chamou-nos a atenção um dos significados dado à palavra “humano”. De acordo com o Dicionário Online de Português[1], “humano” significa “[Q] que é piedoso, indulgente, compreensivo; bondoso, caridoso: mostrou-se humano diante das dificuldades alheias”. Como sinônimo de “humano”, o dicionário traz, ainda, as palavras generoso, benevolente e benigno e como antônimos as palavras desumano, bárbaro, cruel, desalmado, desapiedado, inumano, atroz, duro e brutal. Já o conhecido Dicionário Michaelis traz como um dos significados de “humano” “[Q] que denota compaixão (…)”[2].

Ler as definições descritas acima, assim como outras semelhantes trazidas por dicionários importantes[3], nos fez refletir não apenas sobre os episódios recorrentes, que ocupam as páginas dos jornais e meios de comunicação do mundo inteiro, mas também sobre aqueles que tanto se falou e que nada mais se tem a dizer, ou porque normalizados ou porque desgastadas estão todas as tentativas de solucioná-los. Ressalte-se que não se está aqui a questionar qualquer religião, gênero, raça, orientação sexual, nada disso, mas, sim, a convidar os leitores a uma reflexão sobre os conceitos aceitos pela sociedade sem qualquer questionamento.

Os jornais e os meios de comunicação reportam, repostam, comentam, reiteradamente, notícias retratando violência e guerras. A violência reiterada e desmedida contra pessoas idosas, pretos, mulheres, crianças, comunidade LGBTQIAPN+, violência esta que não tem classe social. Veicula-se, também, a violência decorrente da corrupção, que tira da criança e dos menos privilegiados o prato de comida ou o acesso à educação. Fala-se, sem trégua, das atrocidades trazidas pelas guerras, que destroem famílias e mutilam pessoas.

Não é novidade de que nestas guerras, tem-se o abuso de crianças e mulheres, o desrespeito pela vida e pelos direitos humanos, o uso de força brutal, com invasões e bombardeios de cidades e vilarejos inteiros, tirando da população, vítima de governos desumanos, o mínimo necessário à sobrevivência e à dignidade que lhe sobrou. Há quem aplauda todas essas condutas, há quem apoie cegamente a postura desses governantes, em nome de um território, de dinheiro, de poder, ou, ainda, pelas mais impensáveis razões. É o humano matando o humano, apoiando a matança, a corrupção, os preconceitos, a violência.

Em uma sociedade marcada pela presença de pessoas ávidas por dinheiro e poder, e pelo machismo estrutural, pelo racismo e outros preconceitos, que são conceitos e problemas frutos de condutas humanas, sem que tenhamos uma resposta social suficientemente rápida para os devidos enfrentamentos, temos a ideia de que a impunidade, ao final, é o que prevalece.

O “humano”, então, que é definido como um ser do qual se denota compaixão, piedade, indulgência, compreensão, bondade, caridade, reveste-se justamente dos antônimos desta definição, pois veste facilmente a roupagem do bárbaro, do cruel, do desalmado, do desapiedado, do inumano, do atrozdurobrutal, porque já não se importa mais com aquele que, ao seu ver, não teria o direito de pensar ou agir diferente. Porque, ao seu ver, a partir do momento em que o seu semelhante não pensa como ele, não possui a mesma opinião ou não segue a mesma religião ou, ainda, por não ter a mesma cor da pele ou orientação sexual, sua vida e existência deixam de ter valor, dando, então, margem aos mais absurdos e cruéis abusos, baseados em justificativas absolutamente infundadas e descabidas.

Levando-se em consideração este cenário, visto e vivenciado reiteradamente por todo o mundo, cumpre-nos questionar se, de fato, estariam corretas essas definições de “humano”, absorvidas culturalmente. É certo que todo humano pode ser bom, benigno, benevolente, mas que nem todo humano, de fato, o é, e o mesmo pode ser afirmado com relação a todos os outros sinônimos acima destacados. Neste caso, não seria, então, mais prudente afirmarmos serem, essas definições e sinônimos, adjetivos que podem ser atribuídos aos humanos, e não características a eles inerentes?

A vida muda, é dinâmica, assim como a sociedade, e as leis acompanham essas mudanças, de modo a suprir as necessidades sociais. Talvez fosse o caso de revisarmos esses antigos conceitos, aceitos como verdadeiros, mas que, atualmente, não mais refletem a realidade na qual vivemos. Infelizmente!


[1] https://www.dicio.com.br/humano/ Acesso em 07.12.2023.

[2] https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/humano/ Acesso em 07.12.2023.

[3] Dicionário Oxford: human – kind behaviour, considered to be natural to humans (humano – comportamento gentil, considerado natural para os humanos – tradução livre. (https://www.oxfordlearnersdictionaries.com/us/definition/english/human_1?q=human Acesso em 07.12.2023).

Dicionário Real Academia Española: humano – comprensivo, sensible a los infortunios ajenos (humano – compreensivo, sensível aos infortúnios alheios – tradução livre). Sinônimos: humanitario, solidário, caritativo, compassivo, bienhechor, filantrópico, altruista (humanitário, solidário, caridoso, compassivo, benfeitor, filantrópico, altruísta – tradução livre). Antônimo: cruel. (https://dle.rae.es/humano?m=form&m=form&wq=humano Acesso em 07.12.2023).


Pedro S. C. Zanotta. Advogado em São Paulo, com especialidade em Direito Concorrencial, Regulatório e Minerário. Formado em Direito pela Universidade de São Paulo – USP, em 1976. Foi titular dos departamentos jurídicos da Bayer e da Holcim. Foi Presidente da Comissão de Estudos da Concorrência e Regulação Econômica – CECORE, da OAB/SP, de 2005 a 2009. Foi Presidente do Conselho e é Conselheiro do IBRAC. Autor de diversos artigos e publicações em matéria concorrencial. Sócio de BRZ Advogados.

Dayane Garcia Lopes Criscuolo. Graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduada em Direito do Consumidor pela Escola Paulista de Magistratura – EPM. Mestre em Cultura Jurídica pelas Universitat de Girona – UdG (Espanha), Università degli Studi di Genova – UniGE (Itália) e Universidad Austral de Chile – UAch (Chile). Aluna do Programa de Doutorado da Universidad de Buenos Aires – UBA (Argentina). Membro dos comitês de Mercados Digitais e Direito Concorrencial do Instituto Brasileiro de Concorrência, Relações de Consumo e Comércio Internacional (IBRAC). Pesquisadora REDIPAL – Red de Investigadores Parlamentarios en Línea de la Cámara de Diputados de México. Autora de diversos artigos relacionados ao Direito da Concorrência, Direitos Humanos e questões de gênero.


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