“Reacts” ao Seminário, à Regulação e à Concorrência

Maxwell de Alencar Meneses

Em meados de novembro, realizou-se o Seminário Internacional de Regulação e Concorrência com o propósito de discutir o modelo vigente no Brasil. Há que se louvar a iniciativa, visto o fato da autoavaliação realizada tratar-se de algo necessário à manutenção das ações nesse sentido dentro de um contexto crítico, não acomodado ao fazer por costume, sem a compreensão dos motivos e o teste da atual necessidade, como ilustrado no artigo anterior com a história “A burocracia/3”.

Assim, a partir das manifestações de palestrantes consideradas mais relevantes para o contexto deste artigo, pretende-se tecer reações decorrentes. Ressalta-se que essas informações podem conter imprecisões e alguma falta de contexto, não representando a opinião de nenhuma instituição em particular, tampouco a do autor. Este realiza aqui um exercício de hipóteses, limitado e com determinado viés.

De início, o Presidente do Cade, Alexandre Cordeiro, abrilhantou a abertura do evento com declarações precisas, fruto do seu conhecimento e sabedoria. Ele é um excelente exemplo da sabedoria definida no artigo sobre o conhecimento do Cade. Afinal, antes de tornar-se chefe da autoridade antitruste brasileira, Cordeiro não foi apenas um acadêmico teórico e autor de um artigo, mas ex-conselheiro e ex-superintende-geral da autarquia por dois mandatos. Dessa fala, destaca-se aqui o termo ‘eleição’, no sentido de que determinados setores foram escolhidos no Brasil para serem regulados, algumas vezes por questões políticas.

Na sequência, o procurador-geral do Ministério Público de Contas da Paraíba e também cientista de dados, Bradson Camelo, aborda a “arte da regulação” como sendo um trabalho comparável ao artístico, que busca encontrar o ponto ótimo da regulação. Ele lembra das falhas de governo como motivo para não regular tudo. Abstrai-se da fala do procurador a necessidade de regular o regulador. Utilizando de histórias para compor seu raciocínio, como o Mito de Gyges para ilustrar a importância da transparência e a história de Ulisses e as sereias para falar da contenção do regulador.

Bruno Drago, Presidente do Ibrac, equipara a concorrência a um tipo de regulação, que seria ex post, ao contrário da ex ante setorial. Ele menciona o manual de boas práticas regulatórias da AGU, que indica que o excesso de regras e a falta de atualização produzem um ambiente deletério em vários aspectos, ou seja, um “custo Brasil”. Drago apresenta dados do relatório Doing Business do Banco Mundial, que coloca o Brasil na 124ª posição entre 190 países no ranking de facilidade para fazer negócios. Além disso, segundo o Relatório de Competitividade Global de 2017-18, o Brasil é um dos piores países do mundo com relação a carga regulatória, ocupando a 137ª posição.

Kaliane de Lira, procuradora federal com atuação na ANTT, define regulação em poucas palavras como a intervenção do Estado na sociedade. Explica que a mudança do Estado empreendedor para um Estado regulador, nos anos 90, se deu pela crise econômica instalada e recomenda artigo disponibilizado aqui na WebAdvocacy, ‘25 anos de regulação no Brasil’, da Professora e colunista Amanda Flávio de Oliveira. Pontua a respeito da necessidade de um Estado forte, não no sentido da imposição do comando e controle, mas forte para criação de um ambiente saudável. Celebra a lei de liberdade econômica, ponderando que ela diz o óbvio, mas que o óbvio muitas vezes precisa ser dito.

Na discussão a partir da perspectiva Law and Economics, destacam-se alguns trechos de falas curtas capazes de delinear bem o cenário atual. O subprocurador-geral do Trabalho, Manoel Jorge e Silva Neto, lembra que dominar é um atavismo humano. André Bueno da Silveira, procurador da república, fala a respeito de adaptações do direito concorrencial para inserir labor antitruste e green antitruste, discutindo a tolerância quanto a acordos entre empresas para custear questões ambientais e a possibilidade de atritos com Justiça do Trabalho em casos antitrustes. Márcio de Oliveira Junior, ex-conselheiro do Cade, considera que, no Brasil, a área de defesa da concorrência é uma das poucas em que o Estado brasileiro pune com eficiência, ao fazê-lo por meio de evidências empíricas. Nesse sentido, apresenta o caso Innova Videolar e aduz a respeito de erros e acertos.

Oksandro Osdival Gonçalves, advogado e professor da PUC-PR, assevera que o poder regulador, de modo geral, não leva em conta a concorrência. A perspectiva da análise econômica do direto é o realismo. Um livro, jurídico apenas, aborda situações desconectadas da realidade. A utilidade, a felicidade, a eficiência são outros aspectos observados. Regras claras fazem você feliz, mas no direito tributário é impossível ser feliz. O palestrante menciona os custos de transação, o tempo jurídico e tempo econômico, e relata ter tratado casos no judiciário devido ao tempo do Cade, exemplificando com o caso Nestle Garoto.

Lilian Marques, Economista-chefe do Cade, afirma que a autarquia não tem o papel de regular. Existe uma certa confusão nesse sentido, uma vez que o princípio por trás da ação do Cade não é o da regulação. As agências reguladoras, responsáveis setoriais, têm a competência para atuar nesse sentido. No entanto, o Cade tem uma abordagem abrangente, olhando para todos os mercados.

A Economista considera que, para o Cade, o foco principal é se ater aos efeitos concorrenciais. Expandir sua atuação para questões ambientais e outras áreas poderia gerar dúvidas sobre prioridades. Adições contínuas podem fazer o órgão se afastar do cerne, que é o ambiente concorrencial. Lilian Marques lembrou da atuação do Cade em questões regulatórias que afetavam a concorrência no setor da aviação, assim como nas propostas de controle de preços durante a pandemia, entre outras situações.

Sob o tema dos objetivos da defesa da concorrência versus objetivos da regulação, o conselheiro do Cade, Victor Fernandes, pondera que, partindo de alguns teóricos, quando a regulação é exauriente do comportamento dos agentes econômicos, quando ela não dá nenhuma outra margem a esse agente, aí, nesse sentido, falece a competência do direito da concorrência. Dario Oliveira, Diretor do Global Antitrust Institute, destaca que o antitruste pode ser compreendido como um subconjunto da regulação, encarregado de lidar com o poder de mercado. Este representa um domínio especializado dentro da regulação, caracterizando-se pela intervenção do Estado na solução de falhas de mercado relacionadas ao exercício excessivo do Poder de Mercado.

A Professora de Direito da UnB, Dra. Amanda Flavio, traz a fala mais disruptiva e interessante de todo o evento. Segundo a professora, se configurado o pensamento em modo “economês”, regulação existe para correção de falhas de mercado. Se mudado para modo “juridiquês”, a regulação é para assegurar a todos a existência digna conforme os ditames da justiça social, de acordo com a Constituição de 1988, que versa sobre o objetivo da ordem econômica.

Já a respeito dos objetivos da concorrência, nos mesmos dois “modos” anteriores, não se sabe, pois trata-se de uma discussão recorrente desde sua concepção, que agudamente ainda está posta no direito e na economia. A regulação e a concorrência têm uma premissa comum, que é a crença na capacidade do Estado de promover desenvolvimento, e outras subjacentes, como a neutralidade e infalibilidade do agente público.

Outra premissa é a existência de uma técnica soberana e definitiva. Há também uma fixação que existe no Brasil na ideia da solução de desigualdade e não no combate à pobreza, o que traz consequências que podem não estar sendo compreendidas. Existe também uma prevalência subjacente de que há um dever do agente de agir, que está na mente da população, fazendo com que todos anseiem por regulação. Na realidade, o agente público é falível, condenável é a pobreza, e em atividade econômica não há espaço constitucional para dever de agir apriorístico, e as técnicas são várias e estão sempre em evolução.

Em nosso sistema constitucional, só há um objetivo para regulação e política concorrencial: assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social. Se nossas premissas regulatórias e concorrenciais não se confirmam na realidade, a cautela e a autocontenção devem prevalecer. De vez em quando, precisamos parar de mergulhar em teorias e doutrinas e olhar as coisas como elas são, parar para pensar por que elas existem.

Fechando o primeiro dia, Guilherme Ribas, Diretor do Ibrac, trouxe um dado interessante: de outubro de 2022 a outubro de 2023, foram revisados pelo Cade 599 ACs. Dessas revisões, 192 casos, ou seja, aproximadamente um terço, estavam relacionadas a mercados regulados.

No segundo dia, abordando a análise de impacto regulatório e a avaliação de impacto legislativo, Fernando Meneguin, consultor legislativo do Senado Federal, discute o abuso regulatório e as falhas governamentais, destacando sua importância. De acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU), a Avaliação de Impacto Regulatório (AIR) não está sendo devidamente implementada, uma vez que o governo não a está exigindo e os técnicos não estão familiarizados com o processo, correndo o risco de tornar-se letra morta. Não existem sanções para quem não a cumpre, e há várias exceções, como na área tributária, nos decretos presidenciais e nas proposições encaminhadas ao Congresso Nacional. Vale ressaltar que o relatório da AIR não é vinculante.

Fernando também menciona que conforme o RegBR da Escola Nacional de Administração Pública (Enap) em 2021, na área de transporte e armazenamento, foram estabelecidas 149 normas, enquanto na área de saúde e serviços sociais foram 109, a maioria sem AIR. Além de buscar aprimorar a qualidade das normas, é essencial reduzir o número delas, pois no Brasil há uma cultura que sugere que todos os problemas podem ser resolvidos por meio de normas. Segundo o palestrante, é importante reconhecer que existem diversas outras maneiras de alcançar objetivos sociais sem necessariamente recorrer à criação de normas.

César Mattos, consultor da Câmara dos Deputados e colunista da WebAdvocacy, discute sobre as Iniciativas de Análise de Impacto Legislativo (AIL) na Câmara, que são iniciativas de pequeno porte cujo progresso é incerto. Ele destaca a importância do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) como entidade autônoma e apresenta o checklist de concorrência desenvolvido na Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) como um instrumento para avaliação de problemas concorrenciais.

O conselheiro do Cade, Gustavo Augusto de Lima, remonta à origem da Análise de Impacto Regulatório (AIR), que teve início no governo Reagan nos anos 80 e, na realidade, buscava evitar a criação de novas normas. Além disso, ele exemplifica como, no caso dos planos de saúde individuais, a regulação prejudicou esse produto. Ele também reforça a necessidade de utilizar estudos empíricos, simulações e análises baseadas em evidências.

Diogo Andrade, Superintendente-adjunto do Cade, enfatiza que, no campo do direito econômico, o excesso de normas não apenas pode, mas é, de fato, um entrave à livre iniciativa e à livre concorrência. Ele argumenta que esse excesso dificulta a intervenção estatal. No Cade, muitas vezes, surge a necessidade de intervir para corrigir um problema anticompetitivo específico em um caso concreto. No entanto, as regulamentações do setor, a maneira como algo está regulado ou outras normas tornam-se obstáculos e fronteiras, que às vezes são até insuperáveis.

Tratando-se da AIR nas agências reguladoras, autoridades de diversas agências reguladoras brasileiras expuseram sua estrutura, processos, metodologias, padrões e reconhecimentos que vêm obtendo devido à qualidade regulatória alcançada. Além disso, sugeriram que todos os poderes da República passem a adotar esse tipo de ferramenta relacionada à qualidade regulatória. Foi apresentado um dado do fórum econômico mundial indicando que de 1988 a 2019 mais de 6 milhões de normas foram editadas.

Sobre o tema de cartéis e regulação, Ana Patrícia Lira, subsecretária de Regulação e Concorrência do Ministério da Fazenda, destaca o papel da Secretaria de Reformas Econômicas na construção de regulamentações que inibam a formação de cartéis e outras práticas anticompetitivas. Além disso, apresenta ações em curso, como o estudo da necessidade de regulamentação de plataformas digitais. Adicionalmente, a subsecretaria atuou contra uma emenda que propunha a criação de um conselho de supervisão externa das agências. A SREG também esteve envolvida na proposta de alteração do Decreto n° 10.411/2020 para estabelecer a avaliação obrigatória do impacto concorrencial pelas resoluções das agências reguladoras e demais reguladores.

Fernanda Garcia Machado, superintendente-adjunta do Cade, informa que um terço das investigações em andamento ocorre em mercados regulados, tais como combustíveis, transportes, medicamentos, fretes e seguros. A teoria econômica reconhece que alguns fatores estruturais facilitam a formação de cartéis, como a homogeneidade de produtos e serviços, barreiras à entrada, entre outros. Muitos desses fatores são observáveis em mercados regulados. Desenvolver ações voltadas para aumentar a competitividade seria uma maneira eficaz de prevenir a formação de cartéis.

Valdir Alves, membro titular do MPF junto ao Cade, destaca que a regulação alcança todos os setores, seja de forma direta ou indireta. Ele fornece exemplos de excessos e abusos, como reservas de mercado e barreiras artificiais. Além disso, enfatiza a importância de considerar o destinatário da norma para determinar se deve ou não realizar uma análise de impacto.

No que diz respeito às regras concorrenciais, Alves acredita que o Brasil acertou ao ter uma lei específica de concorrência, que serve como um instrumento vigoroso para o tribunal. Ele destaca que a legislação abrange um tipo aberto de ilícito concorrencial, com um rol exemplificativo, permitindo ao tribunal atualizar constantemente as condutas, mesmo sem a menção explícita de termos como “cartel” na lei.

Alves reforça a importância da transparência no combate a cartéis em licitações públicas e aborda questões relacionadas à alteração da lei de licitações, destacando a permissão, como regra, para a realização de consórcios.

Luiz Hoffman, ex-conselheiro do Cade, lembra que a administração pública para o jurisdicionado é uma só, no sentido da necessidade de harmonização de regras. Além disso, aborda detalhes de casos concretos relativos a consórcio em licitações.

A respeito de regulação e concorrência no Brasil e nos Estados Unidos, o superintende-geral do Cade, Alexandre Barreto, exalta a importância da coordenação e troca de informações entre regulação e concorrência, mediante exemplos em casos concretos. Informa que nos últimos 4 anos, foram 626 atos de concentração sumários e 88 ordinários, totalizando 714 casos. No setor de energia 306 casos, telecomunicações 74 casos e tantos outros. Na investigação de condutas algo em torno de 25 casos em 2023 e 23 casos em 2022 em setores regulados.

Segundo Krisztian Katona, ex-membro da Federal Trade Commission (FTC), o ponto central de intensos debates globais sobre o equilíbrio adequado de regulação está nos mercados digitais. Os debates se encontram em diferentes estágios. Entre as várias regulações em andamento, a mais discutida é a europeia, DMA, que estará totalmente implantada em 2024. É crucial acompanhar os resultados. Até o momento, a Alemanha é o único país que implementou uma regulação ex-ante nos mercados digitais, mas é cedo para compreender completamente os efeitos desse regulamento.

Nos Estados Unidos, há uma proposta que despertou muita atenção: o American Innovation and Choice Online Act Bill. Muitas preocupações foram levantadas sobre diversos aspectos, resultando na perda da oportunidade de prosseguir. A regulação da concorrência não existe no vácuo; as características do mercado mudam rapidamente ao longo do tempo. As regulamentações de hoje mostram respostas diferentes ao longo de 3 a 5 anos. Por exemplo, nos EUA, no setor de transportes, houve lições aprendidas sobre como não regular, a partir do resultado observado com problemas para a concorrência e para os consumidores ao longo do tempo.

Por fim, processando tudo o que foi pronunciado nesse rico evento e, em parte, reproduzido aqui como objeto de estudo, as preocupações tornam-se pungentes em relação ao futuro do Brasil. Isso não se deve exatamente à quantidade exacerbada de normas, mas sim ao fato de que o povo brasileiro aparentemente gosta que seja assim e anseia por receber cada vez mais proteção do Estado por meio de regulamentações. Acrescente a isso o fato de que, já desde a antiguidade, filósofos como Platão, por meio de sua teoria das ideias ou formas, consideravam que o mundo, de fato, é mental. Portanto, no mundinho tupiniquim, a realidade deve continuar a ser essa enquanto uma outra perspectiva não for experimentada consistentemente desde a tenra idade.

Tanto é assim que, em cursos ou oficinas de inovação, é comum dedicar horas buscando reverter, nos adultos, os efeitos tolhedores de criatividade sedimentados ao longo dos anos quando crianças, no ensino de regras de conduta que talham em pedra como comportar-se, no sentido duplo de se moldar a algo. Então, essa criança passa por um sistema de ensino rígido e restrito, desembocando, quando possível, em uma formação universitária dominada por determinado viés, tornando-se servidor público e retroalimentando esse processo.

A frase comumente atribuída a Einstein, de que uma mente exposta a uma nova ideia nunca volta ao seu tamanho original, consiste em uma esperança. Ao conhecer inovações como o Uber e tantas outras disrupções rápidas o bastante para não dar tempo de o Estado pôr a mão, o brasiliano pode perceber que existe um outro mundo, mais leve, ágil e próspero. Nesse mundo, a tragédia dos concorrentes comuns ainda não foi instalada, e os gigantes podem ceder a pequenos pastores de ovelhas.


Maxwell de Alencar Meneses, cearense radicado em Brasília há 35 anos, é Cientista da Computação, MBA Especialista em Gestão de Projetos, Especialista em Defesa da Concorrência e Direito Econômico, atua no Cade na análise de Atos de Concentração e anteriormente no Projeto Cérebro, na área de Cartéis.  Participou e acompanhou por 30 anos a concorrência no mercado de inovação e tecnologia no âmbito do Governo Federal e em organizações líderes de mercado, como Fundação Instituto de Administração, Xerox do Brasil, Computer Associates, Bentley Systems e Vivo.


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