Apresentação

Os Textos para Discussão da WebAdvocacy é uma série de textos técnico-científicos nas áreas de direito e economia, que visa a ampliar a discussão acadêmica em torno dos temas de defesa da concorrência, regulação econômica, comércio internacional, direito econômico, direito tributário, entre outros.

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Corpo editorial

Editor:

Elvino de Carvalho Mendonça

Conselho editorial:

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Elvino de Carvalho Mendonça – Doutor em economia

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Luiz Alberto Esteves – Doutor em economia

Márcio de Oliveira Júnior – Doutor em economia

Marcos André Mattos de Lima – Mestre em economia 

Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça – Doutoranda em direito pelo IDP/DF e mestre em direito pela UNB

Ficha catalográfica

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Regulamentação e tributação das apostas esportivas online

Maria Eduarda Silva Menezes & Fernando de Magalhães Furlan

Resumo

As apostas esportivas online, popularmente conhecidas como bettings, se difundiram de maneira global tornando-se um ramo indiscutivelmente relevante. Ponderando detidamente as legislações vigentes, constatam-se omissões do liame governamental em relação ao mercado de apostas e ao apostador. Por meio de pesquisa exploratória, com abordagem qualitativa, nos baseamos na análise documental e no levantamento de dados para buscar identificar métodos efetivos para contribuir no sentido de que a iminente regulamentação e tributação das apostas online tenha consequências benéficas. Nossas conclusões sugerem a normatização da proposta e a incidência de tributação, respaldada pelo princípio da equivalência tributária. Por meio do direito comparado, inclusive propostas legislativas e jurisprudência, buscamos experiências para coibir práticas como a evasão de divisas, a ilegalidade no setor, a manipulação de resultados e, por outro lado, garantir a proteção do apostador e a confiabilidade desse mercado em ascensão.

Palavras-chave: Apostas esportivas online; betting; regulamentação; tributação.

Abstract:

Online sports betting, popularly known as bets, has spread globally, becoming an undeniably relevant branch in the economy. A close look at the current legislation reveals omissions from the governmental bond in relation to the betting market and the bettor itself. To this end, we opted for exploratory research, with a qualitative approach and based on document analysis and data survey. The study seeks to identify effective methods so that the imminent approval of the proposals for regulation and taxation of online gambling will have beneficial consequences, considering the present socioeconomic situation of the country, as well as the actors involved. The hypothesis initially raised is the regulation of the proposal and the incidence of a tax supported by the principle of tax equivalence. Observing proposed bills, case law, and even the repercussion of this issue from an international perspective, we gathered overseas experiences to curb practices such as currency evasion, illegality in the betting business sector, the manipulation of results, and on the other hand, to ensure the protection of the bettor and the reliability of this growing market.

Keywords: Online sports betting; regulation; taxation.

  1. INTRODUÇÃO

A expectativa quanto à regulamentação e tributação das apostas esportivas online é grande e demonstra a relevância e o potencial do setor. Hoje não há qualquer respaldo jurídico e tributário específico para a modalidade de entretenimento. Os jogos de azar estão presentes no país desde a chegada dos portugueses ao território brasileiro, tendo como objetivo inicial simplesmente garantir a recreação dos jogadores. Com o passar dos anos e o crescimento da antiga colônia, foi-se fomentado o debate acerca da moralidade e licitude das apostas. Sob o viés da moral e dos bons costumes, sua prática foi restringida até o início das operações de jogos sob o monopólio da Caixa Econômica Federal, em 1961[3].

A relevância e premência da regulamentação e tributação do setor vêm aumentando com o passar dos anos, à medida que o mercado de jogos online vem também afetando a sociedade em alcance mundial. Com o advento das novas tecnologias e a popularização da Internet nascem, como alternativa aos jogos de azar tradicionais, as apostas esportivas on-line. O tema vem sendo discutido em diversos países quanto à legalidade, à criação de normas efetivas e os prováveis tributos a serem estabelecidos para a atividade. Algumas nações fomentam esse mercado e têm legislações bem definidas, enquanto outras vedam completamente a exploração desses jogos e, para tanto, alegam valores éticos/morais, jurídicos e econômicos.

No contexto brasileiro já existem leis capazes de regulamentar os jogos de azar. Contudo, esses diplomas apresentam diversas lacunas, em se tratando das modalidades online de jogos. Essas omissões legislativas já deveriam ter sido sanadas, porém, a burocratização dos processos legislativo e regulamentar ocasionou a mora para definir e disciplinar os tributos incidentes. Em razão dessa omissão legislativa, os valores que deixaram de ser potencialmente recolhidos aos cofres públicos (renúncia fiscal por omissão legislativa) poderiam, por exemplo, ter sido usados para suprir áreas que carecem de incentivo governamental, afetando boa parte dos cidadãos brasileiros.

A ausência de clareza normativa pode também ocasionar problemas como a insegurança do apostador, o incentivo à criação de organizações criminosas, a evasão fiscal, lavagem de divisas e a exposição irrestrita ao vício. Governos e organizações internacionais têm empreendido esforços para a concepção de políticas e regras para garantir a integridade e a transparência do setor de apostas esportivas online.

Como forma de combater as irregularidades, a regulamentação e, consequentemente, a tributação das apostas esportivas virtuais são utilizados em diversas Jurisdições, como, por exemplo, o Reino Unido, os Estados Unidos da América e a Austrália. O tema tem gerado recentes discussões nos Poderes Legislativo e Executivo e na imprensa. Os Projetos de Lei 845/2023, 186/2014, 595/2015, 2.648/2019 e 4.495/2020 refletem a necessidade de reconhecimento e respaldo aos jogos de azar online.

É preciso buscar os métodos mais viáveis para regulamentar, regularizar e tributar as apostas esportivas virtuais, fornecendo insights aos presentes debates no Brasil e no mundo. O objetivo deve ser uma implementação estável e equilibrada dessa legalização/regulamentação, para garantir a proteção do mercado, a arrecadação governamental e a segurança do apostador, considerando a aplicabilidade em outros países e possíveis problemas a serem examinados e sanados, por intermédio da elaboração de lei direcionada ao setor ou pela complementação das legislações já existentes, a Lei 13.756/2018 e a Lei 14.183/2021.

Este artigo foi dividido em duas seções principais. A primeira seção abordará os trâmites atuais de propostas legislativas para a aprovação das apostas esportivas online e sua consequente tributação. Na segunda seção, o objetivo será realizar uma análise internacional comparada quanto à aplicabilidade e problemas a serem enfrentados na implementação deste setor no Brasil.

Os jogos tradicionais de azar têm um contexto histórico e sua prática é amplamente discutida. Contudo, seu respaldo legal não abrange a modalidade virtual ou online de apostas. Para melhor analisar esse fenômeno, utilizamos a pesquisa exploratória, por se tratar de um tema ainda em discussão, com rara produção no âmbito jurídico brasileiro.

Também optamos por uma abordagem qualitativa, considerando a subjetividade das motivações éticas, morais e mesmo econômicas que permeiam essa temática. Como forma de buscar solucionar a hipótese e o problema de pesquisa, foram utilizados o método indutivo e a análise de dados coletados.

O procedimento de coleta de dados se deu por intermédio de pesquisa bibliográfica e documental, com o objetivo de associar e comparar dados advindos da doutrina e legislação nacional e internacional e jurisprudência, para melhor compreensão e interpretação das propostas de regulamentação e tributação das apostas esportivas virtuais.

Também levamos em consideração embates históricos e morais, sob a égide de leis revogadas, até os dias atuais. Discussões fomentadas sobre a legalidade dos jogos de azar e de prejuízos ou, ao menos, falta de benefícios, decorrentes da ausência de tributação. Sob uma perspectiva mundial desse mercado e as possíveis implicações para a sua implementação no país,  buscamos identificar e elucidar resistências em solucionar essa questão. A polêmica em torno do tema transcende o alcance apenas aos principais envolvidos, operador e apostador, englobando os três Poderes e exercendo influência na sociedade de modo generalizado.  

2. REGULAMENTAÇÃO E TRIBUTAÇÃO DE APOSTAS ON-LINE

Analisamos aqui as vigentes propostas para a legalização das apostas esportivas on-line, assim como a possível tributação decorrente dessas operações. Também trazemos posicionamentos daqueles que são, direta ou indiretamente, afetados pela regulamentação do setor, sob o enfoque de especialistas do ramo.

2.1. A proposta de regulamentação das apostas esportivas on-line no Brasil

Insta destacar, previamente, que o artigo 50 da Lei de Contravenções Penais (Lei 3.688/41) veda a exploração de jogos de azar no país. O §3º do citado artigo 50 esclarece o que sejam jogos de azar: “a) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte; b) as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas; e c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva”.

O Decreto-Lei nº 9.215/46 também considera defesa a prática de apostas sobre quaisquer outros esportes. Em consonância com essa perspectiva, Damásio de Jesus (2015, p. 65) propôs como conduta típica do delito: “o estabelecimento e a exploração de práticas de jogos de revés em ambientes públicos e de fácil acesso da população, mediante a cobrança ou não do ingresso”.

Uma lacuna no referido decreto de 1946 seria que a proibição abrangeria apenas a criação de locais físicos para apostas, uma vez que, à época, inexistiam os meios virtuais. Logo, após essa evolução tecnológica, a prática de apostas esportivas online restou sem a devida regulamentação (SECKELMANN, 2021). Com a redação dada pela Lei nº 13.155, de 2015, o §2º do artigo 50, da Lei 3.688/41 passou a prever uma multa para participantes de jogos de azar, ainda que por meios virtuais[4].

Com a aprovação da Lei 13.756 em 2018, foi possibilitada a operação de sites de apostas em território nacional. Sua regulamentação, contudo, deveria ter ocorrido nos dois anos subsequentes à sua aprovação. Para viabilizar essa prática, Augusto Sávio Leó do Prado explica:

Nessa modalidade, há três atores envolvidos com a entrega da experiência ao seu destinatário final, que sempre será o apostador. São eles: os operadores (casas de apostas); os fornecedores que viabilizam a operação (plataformas, streaming, dados, odds, meios de pagamento) e as instituições reguladoras e de integridade (PRADO, 2023).

No ano de 2021, com o advento da Lei 14.183, houve apenas o estabelecimento da possibilidade de regulação/fiscalização das apostas de quota fixa e a alteração da destinação dos recursos arrecadados. Ainda, conforme entendimento do supramencionado autor, alguns detalhes foram modificados com a aprovação da Lei 14.183/21. Foi inserido o conceito de GGR (Gaming Gross Revenue), para o cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Já a base de cálculo para recolhimento da PIS (Contribuição para o Programa de Integração Social) e da COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), seria considerada nos moldes do turnover[5] (PRADO, 2023).

Em razão dessa omissão, permeiam indefinições acerca da regulamentação e da tributação do setor de apostas esportivas online no país. Em se tratando do Judiciário, discute-se, no Tema 924[6] de Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal, a legalidade dos jogos de azar, considerando o disposto no art. 50 da Lei Contravenções Penais.

Também tramita, no Senado Federal, o Projeto de Lei 845/2023. Apresentado pelos senadores Jorge Kajuru (PSB/GO) e Hamilton Mourão (Republicanos-RS), este modelo visa a suprir omissão legislativa e alcançar meios de conscientização, como o chamado “Jogo Responsável”[7], que diz respeito à limitação publicitária e à cobrança de tributos. Com base no referido projeto, pode-se definir aposta virtual como: “uma aposta realizada diretamente pelo apostador em sítios eletrônicos, aplicativos, ou outros meios virtuais, antes do evento real a que se refira a aposta ou durante a sua ocorrência” (SENADO FEDERAL, 2023).

O ponto em questão é a ausência de tributação em relação ao setor de apostas online. Já há legislação vigente a respeito, entretanto, a modalidade não foi devidamente regulamentada no Brasil, vez que não existem tributos e repasses à Administração Pública. Sendo assim, as operações são realizadas de forma livre e as grandes empresas não possuem sede no país. Contudo, veiculam suas imagens em canais de televisão abertos e por meio do patrocínio a diversos clubes esportivos. Em conformidade com o portal desportivo BNL Data[8] (2023), estima-se que o ramo obtenha lucro aproximado de 12 bilhões de reais, em 2023. Aliás, essa arrecadação deve alcançar números ainda maiores, quando ocorrem eventos em nível mundial, como a Copa do Mundo da FIFA.

Com o intuito de regulamentar outros ramos de apostas e a atividade de cassinos, também tramitam no Congresso Nacional os Projetos de Lei 186/2014, 595/2015, 2648/2019 e 4.495/2020. A modalidade de exploração das loterias, sob o comando da Caixa Econômica Federal, é um exemplo de regulamentação de apostas, sob constante supervisão estatal. Reputa-se que a atividade traga benefícios ao interesse nacional, por intermédio da criação de vagas de trabalho direto e indireto, e da consequente geração de renda. Poderá também haver estímulo ao turismo. O outro lado da moeda seriam potenciais problemas, conforme a experiência internacional mostra, de que os grandes cassinos são usados para a lavagem de divisas, eventual financiamento ao terrorismo e às milícias, tráfico de drogas e prostituição. A fiscalização desse setor é muito difícil. Além disso, o vício em jogos e apostas integra o Código Internacional de Doenças.

Em outros aspectos, a regulamentação coibiria o tratamento abusivo dessas apostas, reduzindo crimes como a lavagem de dinheiro e o financiamento de atos criminosos, tendo em vista que a quantia arrecadada estaria sob o modelo regulatório estatal. Segundo os autores Danilo Serra Tavares e Felipe Mello Cerqueira, escrevendo no portal Migalhas (2022), essa possibilidade de validação de práticas desportivas, como os jogos de azar, é dotada de relevância social, porém mostra-se condicionada à regulamentação para garantir sua permanência e efetivação. Ao criar e aplicar sanções àqueles que contrariarem as normas, está se resguardando bens juridicamente tutelados, bem como preservando a vida harmoniosa em sociedade e as partes envolvidas.

Há, contudo, opiniões contrárias à tal controle estatal, uma vez que consideram que o Estado falha na fiscalização e que a prática exacerbada de apostas poderia incentivar os apostadores ao vício. Em consonância com essa perspectiva, o psiquiatra Valdir Campos, em entrevista concedida ao jornal A Tribuna (2022), esclareceu que há indivíduos na sociedade com maior propensão a desenvolver patologias ligadas ao vício em jogos. Para inibir o adoecimento de parcela da população, seria necessário vedar a prática de jogos de azar, e, esse combate seria considerado uma política pública. Há ainda o posicionamento contrário atrelado à religião, tendo como um dos representantes a Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), que critica a proposta, salientando os prejuízos à família, à moral e à sociedade como um todo.

Para Chris Doughan, da Genius Sports[9], em entrevista à Lincoln Chaves, da Radio Nacional,tornar essas apostas legais seria um modo de evolução, tanto no ramo fiscalizatório, quanto no tributário, vez que 75% dos componentes do mercado de apostas atuam de maneira ilegal. O especialista ainda complementa afirmando que, com a ausência de regulamentação não há contabilização das apostas, nem segurança ao apostador e visibilidade ao esporte. Assim, o Estado deixa de tributar a modalidade, sem garantir os benefícios dela decorrentes (AGÊNCIA BRASIL, 2019).

Em que pese as possíveis regras que serão adotadas para regulamentar as apostas em território nacional, empresários do ramo foram favoráveis à proposta e à possibilidade de tributação sobre as operações. O CEO global da Plataforma KTO[10], Andreas Bardun, prestou informações publicadas pelo portal GZH Geral (2023)[11], no sentido favorável à arrecadação tributária governamental, tendo em vista que essa tributação ocorre em diversos países em que sua empresa atua, de forma licenciada. A regulamentação de apostas esportivas e a tributação do setor certamente alavancam aspectos econômicos e o crescimento nos índices de empregabilidade.

Acredita-se que o regramento da tributação do setor, a exigência de sede das empresas no país, a fiscalização de atividades consideradas suspeitas e a garantia do respeito à integridade das apostas, afastaria empresas que poderiam ser prejudiciais, visto que os dados estariam sob análise constante da Receita Federal do Brasil e do Banco Central. Para tanto, utilizariam a tecnologia e a inteligência artificial para o efetivo monitoramento do comportamento dos usuários, além de mecanismos de conformidade (compliance) como, por exemplo, “conheça o seu cliente” ou “know your client – KYC” e “conheça a sua transação” ou “know your transaction – KYT”. Esses procedimentos servem para observar os dados dos utilizadores e eventual histórico negativo de envolvimento em fraudes, ou, de atividades relacionadas à lavagem de divisas. De acordo com o diretor da Associação Brasileira de Defesa da Integridade do Esporte[12], esses mecanismos de inteligência artificial avaliam fatores como a periodicidade de apostas e os possíveis aumentos súbitos de quantias apostadas, evitando prejuízos decorrentes de fraudes e possibilitando a notificação aos órgãos moderadores (GHZ Geral, 2023).

Desde a promulgação da Lei 13.756/18 e mesmo sem a devida regulamentação, essa prática tornou-se uma realidade no contexto nacional, sendo incontestáveis o seu crescimento e a ascensão constante do número de adeptos.

2.2. A possibilidade de tributação das apostas virtuais em âmbito nacional

Como proposta inicial de regulamentação, o governo federal sugeriu, na gestão Bolsonaro (2019-2022), que as empresas do setor de apostas arcassem com uma taxa, aproximada entre 22 e 30 milhões de reais, para operarem no Brasil, por um período de 5 (cinco) anos. Contudo, a atual gestão federal (2023-2026) considera esse valor superado e propõe 30 milhões para a obtenção da licença, valor que tem sido considerado exagerado por representantes do setor. Este é um fator crucial e que poderá afastar potenciais investidores e, consequentemente, reduzir o recolhimento de tributos. Conforme a concepção de Luiz Felipe Maia, advogado especialista em apostas, em entrevista à Máquina do Esporte (2023): “No final do dia, cobrar uma licença mais cara, vai gerar uma arrecadação mais baixa. Porque a arrecadação do dia a dia vem sobre a operação de quem está devidamente licenciado, legalizado”.

Partindo dessa premissa, necessária uma análise acerca do equilíbrio na tributação que será implementada, com a finalidade de manter o interesse de empresas do ramo e dos apostadores, sem afetar o recolhimento dos tributos. Tendo como alicerce o princípio da proporcionalidade, o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento atinente a essa temática mediante a Questão de Ordem da Medida Cautelar da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.551[13], relator o Ministro Celso de Mello, que concluiu que:

[…] A taxa, enquanto contraprestação a uma atividade do Poder Público, não pode superar a relação de razoável equivalência que deve existir entre o custo real da atividade estatal referida ao contribuinte e o valor que o Estado pode exigir de cada contribuinte, considerados, para esse efeito, os elementos pertinentes às alíquotas e à base de cálculo fixados em lei. Se o valor da taxa, no entanto, ultrapassar o custo do serviço prestado ou posto à disposição do contribuinte, dando causa, assim, a uma situação de onerosidade excessiva, que descaracterize essa relação de equivalência, entre os fatores referidos (o custo real do serviço, de um lado, e o valor exigido do contribuinte, de outro) configurar-se-á, então, quanto a esta modalidade de tributo, hipótese de ofensa à cláusula vedatória inscrita no art. 150, IV da Constituição da República (BRASIL, 2003).

Consoante o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista à Reuters[14], a tributação das apostas se dará por medida provisória. Entretanto, será previamente analisada pela Casa Civil e, após a sua publicação, serão editados portarias e atos infralegais, definindo um regramento efetivo. Em pesquisa pública, realizada pelo Instituto Paraná Pesquisas[15] (2023), obteve-se como resultado que, dentre o público questionado, 55,2% são a favor da cobrança de tributos de empresas de apostas esportivas online. Outros 27,9% dos entrevistados se disseram desfavoráveis à proposta, enquanto 16,9% não souberam responder ou não opinaram.

Especialistas acreditam que a tributação das empresas do setor de apostas online deveria se aproximar do percentual de 20%, levando em consideração a média do Gaming Gross Revenue (GGR), aplicada em outros países e que tem essa tributação como atrativo de investidores. O especialista Udo Seckelmann, durante o Webinar “Apostas Esportivas no Brasil – Análise Regulatória e Aspectos Tributários”, organizado pela Academia Nacional de Direito Desportivo,  apresentou uma análise conclusiva acerca da tributação de apostas esportivas no país. Ele concluiu que, atualmente, existem operações realizadas em território nacional que se adequam ao negócio de apostas esportivas. Contudo, com a ausência de um amparo jurídico regulamentador, o governo acaba não tributando essas atividades. Por fim, aquele especialista alerta para o fato de que deve ser observada a implementação de um tributo equilibrado e, consequentemente, atrativo para que os operadores se instalem no Brasil (SECKELMANN, 2021).

Com a aprovação da Lei 14.183/21, foi delimitada a aplicação do GGR. No entanto, subsistem aspectos ainda sem fundamentação legal, como a forma em que a tributação incidirá sobre a atividade, a instalação dessas empresas no Brasil e a tributação sobre os apostadores. Desse modo, o Gaming Gross Revenue diz respeito à receita bruta dos jogos e é calculado pelo volume de apostas, descontando o valor pago para a premiação. O Turnover, por sua vez, é o cálculo feito a partir de toda a receita ou pelo volume gasto nas operações de apostas, podendo ser variável o percentual de sua tributação.

            Nos moldes atuais, o Decreto 9.580/18, em seu artigo 732, traz a cobrança da alíquota correspondente a 30% para as hipóteses de lucros decorrentes de prêmios obtidos em loterias, turfe, sorteios, dentre outras modalidades. Esse tributo incide sobre os apostadores, contudo, sua aplicabilidade não está definida no que tange às apostas esportivas on-line. O especialista Luiz Felipe Maia acredita que o percentual de tributos sobre as empresas do setor esportivo se aproximaria de 19%, semelhante às empresas convencionais, sendo dividido em: 0,10% do pagamento de apostas realizadas em locais físicos e 0,05% para apostas virtuais. Os valores referentes à PIS e à COFINS são 9,25% e há, ainda, um percentual variável de acordo com o local em que a empresa é sediada entre 2% e 5% (MÁQUINA DO ESPORTE, 2023).

A atualização das normas tributárias não acompanha o desenvolvimento tecnológico e alguns países deixam de arrecadar valores bilionários com a fiscalização das modalidades de apostas sobre competições esportivas. O Brasil está caminhando para a regulamentação do registro de empresas do setor, de tributos incidentes e de ilícitos potenciais.

Como forma de definir a competência tributária para a aplicação do ISS sobre os jogos online, em caráter de apostas ou não, foi votado o Projeto de Lei Complementar nº 202/2019[16], que determina que o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) seja recolhido no local de domicílio do jogador (SENADO FEDERAL, 2019). Nota-se, portanto, que, apesar do lapso temporal decorrido desde a votação, o projeto supracitado encontra-se em plena tramitação.

Em contraposição ao aspecto da legalidade, há o princípio tributário pecunia non olet (“dinheiro não tem cheiro”). Apesar de ainda não serem tributáveis as atividades do setor de apostas, o contribuinte pessoa física deve arcar com o Imposto de Renda e eventuais outros tributos (IPTU, IPVA etc.), decorrentes da apuração de ganho de capital e bens adquiridos com a quantia arrecadada com apostas bem-sucedidas.  De acordo com Soares (2019, p.20): “[…] para fins de tributação, pouco importa se o ato praticado pelo sujeito passivo é legal ou ilegal, pois o que interessa, em termos de incidência, é o resultado econômico obtido”.

Para as premiações das apostas realizadas em loterias federais há um abatimento prévio, ou seja, uma alíquota de 30%, que é retida na fonte para o Imposto de Renda. No entanto, os valores que chegam ao ganhador são aqueles divulgados, uma vez que já houve desconto. (R7, 2022).

Aguardando apreciação, há também o Projeto de Lei 442/91, que tramita como PL 2234/22, cuja aprovação repercutiria diretamente em todo o setor de apostas. Tal proposição legislativa tinha o objetivo inicial de legalizar o “jogo do bicho”. Todavia, a proposta foi alterada para incluir a possibilidade de exploração de jogos de revés e de apostas em todo o Brasil (SENADO FEDERAL, 1991).

A dificuldade de fiscalização do setor de apostas é exatamente um dos obstáculos para a sua regularização.  Locais físicos e virtuais implementados de forma desregrada podem fomentar o vício, induzindo à incidência de práticas como o tráfico de entorpecentes, a ocultação de bens e o endividamento familiar.

3.  DIREITO COMPARADO E PARÂMETROS RELEVANTES PARA A VIABILIZAÇÃO DO SETOR DE APOSTAS ESPORTIVAS ONLINE NO PAÍS

Aqui exploramos os impactos da legalização das apostas esportivas on-line em diversos países, considerando a sua capacidade de tributação e de fiscalização em relação ao setor. Também analisamos aspectos socioeconômicos, caso sejam aprovadas e tributadas as operações das empresas de bettings no Brasil.

3.1 Análise comparativa: a operação das apostas online em outras Jurisdições

Consoante informações do laboratório estadunidense Tax Foundation (2022), houve autorização e tributação de apostas esportivas online em, aproximadamente, trinta estados daquela Jurisdição. Majoritariamente, lá é adotado o modelo Gaming Gross Revenue para realizar o pagamento aos apostadores. Como exemplo, o Estado de Nova Iorque definiu uma taxa GGR de 51%. Alguns estados estudam retirar a tributação de apostas promocionais, uma vez que o excesso de tributos pode reduzir a atratividade do mercado.

Também nos Estados Unidos, há uma espécie de tarifa (preço/custo privado) que varia de acordo com o tipo de aposta, chamada de vig (vigorish) ou juice, e que corresponde a uma quantia cobrada pelas casas de apostas somente para a participação do jogador, ressarcida em caso de vitória. Ainda poderá ocorrer a incidência de tributos federais, uma vez que, de acordo o Serviço de Receita Federal estadunidense, Internal Revenue Service – IRS, todos os ganhos advindos de apostas devem ser declarados como uma forma de renda extra. Contudo, esse tributo será aplicado a ganhos superiores a 600 dólares e pode sofrer variações conforme a premiação. Em apostas com ganhos superiores a 5 mil dólares, essa tributação pode se aproximar de 28%. Os apostadores ainda são submetidos a um tributo estadual cujo percentual varia de acordo com cada estado (FORBES BETTING, 2022).

O site Time2play[17] (2023) executou um levantamento das apostas realizadas nos Estados Unidos, durante o período da pandemia da COVID-19. Os resultados mostraram que, enquanto houve uma queda de 47% nas apostas realizadas de forma presencial, o setor de apostas esportivas on-line foi beneficiado com um aumento geral exponencial de 68%. Os resultados do estudo influenciaram estados, em que as apostas eram tidas como irregulares, a regulamentarem a prática, devido à receita adquirida durante o ano de 2020. O mesmo site ainda realizou uma pesquisa sobre a preocupação do cidadão dos Estados Unidos com o índice crescente de regularização de apostas. Os resultados mostraram que somente 20% dos entrevistados relataram ter certa preocupação, enquanto 42% não revelaram qualquer receio.

No Reino Unido a remuneração é realizada de maneira diversa, ou seja, o GGR é utilizado para recolher o percentual de 15% da receita bruta das apostas, somente das empresas de apostas on-line, cassinos e casas de apostas. O cidadão não é diretamente tributado, nem mesmo com Imposto de Renda sobre a premiação em si, independente do valor auferido, ou da região em que foi realizada a aposta. Apesar da ausência de tributação sobre o apostador aparentar ser prejudicial à arrecadação governamental, na realidade, esse é um fator atrativo para os jogadores e garante, desde o ano de 2018, em média, 2,9 bilhões de libras esterlinas arrecadadas do setor de apostas. Para garantir a legalidade são utilizados sites licenciados e aferidos pelo governo britânico (TECHROUND, 2023).

Em razão dessa estrutura bem definida, o Reino Unido tem um dos maiores mercados mundiais de apostas online. O seu marco inicial data de 2005, por meio do Gambling Act e complementado pelo Gambling Bill, de 2014. Segundo o site Aposta Legal[18] (2023), o cumprimento dessas regras é garantido pela Gambling Comission[19], que também é responsável por expedir as licenças para os operadores, pessoas físicas ou jurídicas, devendo observar fatores como o combate ao vício, a vedação da prática por crianças e o oferecimento de apostas justas. Também deve emitir relatórios das atividades realizadas para combater a fraude, obedecendo o regramento previsto na License Conditions and Codes of Practices. Seu descumprimento pode acarretar a suspensão da licença e sanções.

A política fiscalizatória é rigorosa, uma vez que são exigidos relatórios contendo o histórico de cada apostador e analisadas as transações financeiras das casas de apostas e dos clientes. Para manter o licenciamento no Reino Unido, paga-se uma taxa anual de 3% sobre o total da receita recebida naquele ano pelos estabelecimentos. Deste modo, ficam seguras juridicamente as empresas do setor, o apostador e o próprio governo, considerando que possuem um ente que regulamenta e fiscaliza o setor de apostas, incluindo aquelas realizadas virtualmente, com publicidade e transparência para coibir trapaças e a inserção dos cidadãos no vício, decorrente de jogos.

Na Espanha, por intermédio da Lei nº 13, de 2011[20], foram regulamentados os jogos online. Em que pese o grande crescimento do setor de apostas e consequente aumento no número de arrecadações naquele país, alguns autores espanhóis demonstram preocupação com a exposição deliberada às apostas, sobretudo da população mais jovem. Com isso, é estudada uma vertente da ludopatia[21], diretamente relacionada aos jogos desportivos virtuais. Isso se dá por fatores que transcendem a amplitude e a propagação da modalidade, mas também incluem a facilidade em alcançar os resultados, quando rapidamente encantam esse público (FERNÁNDEZ; ALGARIN, 2019).

A Austrália é um exemplo de local onde as apostas e os jogos de azar são explorados de forma abrangente. Em 2017, a entidade responsável pela regulamentação do setor fez algumas alterações na Interactive Gambling Act, de 2001. A Australian Communications and Media Authority (2022), modificou o referido ato regulamentador para restringir as apostas de australianos a grupos de jogos ilegais do exterior. Essa alteração, segundo o portal governamental, reduziu significativamente o prejuízo dos jogadores. Ademais, com as modificações de 2017, foram elencadas dez medidas para auxiliar apostadores com vícios ou demandas decorrentes da atividade desportiva, por meio da Estrutura Nacional de Proteção ao Consumidor.

No continente asiático, o tratamento do setor de apostas esportivas é diversificado. Há países, como a Indonésia, onde a prática é proibida e outros, como Singapura, onde a prática não está vedada e tem regulamentação. Existem também casos como o do Japão e o da Coreia do Sul, em que a legalidade abarca somente determinados setores, como as corridas de cavalo. O caso da República Popular da China é delicado, do ponto de vista fiscalizatório, uma vez que, mesmo com legislação que define a prática de apostas como ilegal no país, muitos chineses procuram sites do exterior e os acessam de forma sigilosa. Segundo o portal SIGMA News (2021)[22], O Ministério de Segurança Pública da República Popular da China declarou que a polícia local havia investigado, aproximadamente, 17.000 casos de jogos de azar entre fronteiras. Em cerca de um ano, as autoridades chinesas fecharam 3.400 plataformas de jogos de azar online e 2.800 plataformas de provedores de pagamentos ilegais.

Portanto, com as peculiaridades de cada país, observam-se também os valores morais e sociais de cada local, atrelados ao bem-estar dos cidadãos, que são fatores decisivos para a regulamentação ou proibição da prática de apostas esportivas. Em contraposição, este fenômeno é contemporâneo, por isso carece da devida atenção estatal. A era da informatização traz inúmeras possibilidades, inclusive a de burlar aquilo que é vedado. Com a ausência de fiscalização e a omissão do Estado, cidadãos ficam expostos ao hábito de apostar de forma desembaraçada, podendo contrair distúrbios psicológicos e, da mesma forma, desenvolver condições como a compulsão em relação aos jogos de azar, chamada ludopatia.

3.2 Impasses para a regulamentação das apostas esportivas online em território nacional

Um dos fatores que mais fomenta a discussão acerca da legalização de apostas esportivas on-line é de crimes como a evasão e lavagem de divisas. No limbo legislativo em que se encontra o setor no país, esses crimes são praticamente uma consequência, tendo em vista que as casas ou sites de apostas não podem ter sede no Brasil e atualmente são operados por empresas do exterior. Não são observadas as movimentações financeiras dessa atividade, o que enseja a possibilidade de sua utilização para uma retirada financeira com intuito de ludibriar as cobranças.

Sendo assim, rendimentos provenientes de atividade ilícita podem ser declarados como premiações de jogos de azar (lavagem de divisas). Para coibir esses ilícitos é necessário analisar medidas adotadas no contexto internacional e adequar a legislação existente para que alcance os estabelecimentos comerciais, sedes e filiais, evitando condutas ilícitas e elencando como dever dos operadores comunicar atividades suspeitas e promover avaliações frequentes.

Apesar do Decreto 9.215/46 prever ser irregular o setor de apostas no Brasil, essa proibição é somente sobre a atividade de cassinos, bingos e demais jogos de azar presenciais. Com a utilização da Internet, essa norma foi superada, pois não dispõe acerca das apostas esportivas virtuais ou online, além da atuação dos operadores ocorrerem em outros países. Neste contexto, resta afastada a punibilidade de jogadores/apostadores online, sob o aspecto da Lei de Contravenções Penais e da posterior Lei nº 13.756/18.

É irrefutável a demora do governo federal em suprir lacunas normativas e tributar um mercado que movimenta bilhões de reais anualmente e está em plena ascensão. A mera cobrança do imposto de renda sobre os ganhos dos apostadores denota perda de arrecadação, “valores que poderiam ser utilizados para promover políticas públicas e a criação de novas vagas de emprego” (PRADO et al., 2021).

Outro aspecto a ser analisado é a confiabilidade dos mercados de apostas esportivas. O relatório do Sportradar[23] (2022) revelou que o Brasil é o país em que houve o maior índice de possível manipulação de resultados. Para isso, foram analisados erros de resultados e indícios fortes obtidos a partir de algoritmos e de um banco de dados, constantemente atualizado. Nos dias atuais, as apostas esportivas transcenderam a máxima de que para obter a premiação seria necessário apenas identificar o ganhador e o resultado da partida. No futebol, por exemplo, são considerados acertos sobre detalhes como o número de escanteios e a quantidade de cartões aplicados durante a partida.

Algumas operações foram deflagradas para investigar suspeitas de manipulação de resultados em partidas de futebol dos campeonatos cearense e amazonense. Destaque para uma operação deflagrada pelo Ministério Público do Estado de Goiás, chamada de “Operação Penalidade Máxima”. Nela é investigado um esquema na série B do Campeonato Brasileiro, em que os jogadores deveriam cometer pênaltis, ainda na primeira etapa do jogo, favorecendo determinados apostadores virtuais e empresários (GE, 2023). O caso teve tanta repercussão que ocasionou a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito das Apostas Esportivas na Câmara dos Deputados, em Brasília[24].

Essas fraudes evidenciam mais transtornos decorrentes da falta de fiscalização e promovem questionamentos sobre a credibilidade dos esportes, em um mercado com ausência de regulamentação. Aliás, o Código de Ética da FIFA de 2023 veda a participação de jogadores, técnicos, agentes, árbitros e demais profissionais ligados ao futebol em apostas, exatamente para coibir a manipulação. A indústria de apostas esportivas está em crescimento mundial, em que pese a ausência de um marco regulatório brasileiro. O Comitê Olímpico Internacional, desde o ano de 2022, já demonstra preocupação com a adulteração nos resultados de jogos para trazer lucro a uma parcela determinada de apostadores, empresários e, até mesmo, atletas (IGAMING BRAZIL, 2023).

A fiscalização e repressão a golpes e fraudes, tanto no âmbito esportivo, quanto nas apostas físicas e virtuais são atividades complexas, devido à dificuldade de contabilizar o número de empresas às quais o apostador submete seus jogos e fornece seus dados, bem como para monitorar dados sobre atitudes suspeitas dos próprios jogadores. Preocupações relativas a organizações criminosas e esquemas de pirâmide financeira, encobertos pela atividade de apostas, são fatores preocupantes e com grande potencial negativo sobre o setor.

O apostador, por sua vez, é um dos maiores alvos das condutas criminosas. É ele o autor de investimento financeiro, sem estar devidamente resguardado e protegido pelas normas jurídicas vigentes. As próprias operadoras, no mais das vezes, criam seus próprios mecanismos internos (KYC/KYT)[25] para verificar atividades ilícitas e o comportamento do consumidor. Com a normatização das apostas, os adeptos da modalidade gozarão da possibilidade de escolher entre diversas empresas, devidamente licenciadas, sob supervisão do Estado, podendo minimizar golpes e propiciar o recebimento garantido da premiação.

Existem maneiras saudáveis de utilizar as apostas como forma de entretenimento, como por intermédio do “Jogo Responsável”[26], que é um conjunto de propostas com o objetivo alertar sobre possíveis danos decorrentes de apostas e restringir a faixa etária dos apostadores. As loterias da Caixa Econômica Federal são exemplo, pois ocupam local de destaque no estímulo em relação a esse programa de boas práticas e conscientização, em nível mundial.

Ferramentas como o background check (“verificação de antecedentes”) digital, que corresponde a uma maneira de obter informações acerca de pessoas jurídicas e físicas, além de prováveis envolvimentos em fraudes, processos e problemas financeiros, apenas com o uso da razão social e do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, ou, do nome e Cadastro de Pessoas Físicas. Há também, a utilização do know your costumer – KYC (“conheça seu cliente”), que confere uma validação da documentação cadastrada e o reconhecimento facial pelos usuários, assim que seu cadastro é criado, para evitar fraudes com a vinculação deliberada de documentos de qualquer pessoa. Com o auxílio tecnológico e de inteligência artificial, as empresas são capazes de monitorar a atividade dos apostadores e a origem dos valores aplicados, garantindo mais segurança aos operadores (IDWALL, 2022).

A publicidade dos sites de apostas virtuais tem sido criticada e demonstrou a necessidade de regulamentação própria para proteger a população da tendência ao vício e de consequentes problemas financeiros. Contudo, as empresas do setor têm investido em massivas campanhas publicitárias nas mídias sociais, em diversos meios de comunicação e no patrocínio aos clubes de futebol. Os problemas sociais derivados se estendem, por exemplo, quando crianças e adolescentes passam a fazer parte da população que é ludibriada por promessas de lucro fácil, rápido e descomplicado. Tanto mais quando os “garotos-propaganda” são ídolos do futebol internacional.

No Reino Unido, por exemplo, devem ser seguidas regras rigorosas para evitar a inserção dos apostadores no vício e estimular a jogabilidade equilibrada. Assim, as campanhas publicitárias no setor têm restrições, sendo vedadas durante a programação infantil e no transporte público. Segundo o site Igaming Brazil[27] (2022), o Comitê para Prática de Publicidade do Reino Unido está restringindo o uso de imagens de jogadores de futebol para o marketing, pois entende como potente apelo para estimular a participação do público jovem nas apostas.

Uma legislação bem definida e apropriada sobre as apostas esportivas online, atrelada à Lei Geral de Proteção de Dados (2018), trariam confiança e proteção ao apostador. Os dados dos clientes em potencial seriam tratados e compartilhados somente com a sua expressa permissão, incluindo a finalidade à qual seriam utilizados. Em caso de eventuais vazamentos, irregularidades ou descumprimento dos requisitos legais, as empresas poderiam sofrer penalidades de até R$ 50 milhões por infração e um percentual de 2% do total faturado pela empresa. Com base em legislação, experiências e diretrizes de outros países é possível construir um alicerce sólido para a exploração das apostas esportivas virtuais no Brasil, aproximando-se de um sistema ético, conforme e transparente.

Recentemente, em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados, o assessor especial da Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda, José Francisco Manssur, informou[28] sobre as diretrizes tributárias elencadas na chamada “Medida Provisória das Apostas Esportivas”[29], restringindo essa pauta às loterias de prognósticos de resultados de esportes, afastando assim a regulamentação de jogos azar, como o bingo e o cassino. Dos operadores será exigida sede da empresa no país, o pagamento de uma licença de R$ 30 milhões e a tributação seguirá um modelo próximo ao implementado no Reino Unido, de 15% no GGR, ou seja, esse percentual será descontado do lucro obtido pela empresa, sob pena de atuarem na ilegalidade. Os percentuais de Imposto de Renda, PIS e COFINS manteriam os moldes atuais para pessoas jurídicas, com a contribuição de alíquota próxima de 10% para a Seguridade Social. Em relação ao apostador, serão observados os critérios já definidos na Lei 13.756/18, de 30% sobre o Imposto de Renda, respeitando a faixa de isenção preexistente. Parte dos congressistas considera inconstitucional a utilização de medida provisória para esses fins tributários, considerando o disposto no artigo 146 da Constituição Federal, que exigiria lei complementar para tanto: “[c]abe à lei complementar: (…) III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;(…)”. O texto está sendo apreciado pelo Congresso Nacional (AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS, 2023).

Não obstante, o Ministério da Fazenda, informou, pela plataforma digital do Governo, sobre a finalização da proposta de regulamentação dos bettings, por medida provisória a ser encaminhada ao Congresso Nacional. Todavia, houve alteração do percentual a ser utilizado, que será de 16% sobre o GGR, tendo uma destinação às áreas essenciais, como segurança, educação e ações sociais. A regulação da comunicação, publicidade e propaganda ficaria a cargo do Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (CONAR) e seria criada uma secretaria no próprio Ministério da Fazenda para exercer o controle de apostas e das empresas a serem credenciadas (GOV.BR, 2023).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo buscou trazer luzes à regulamentação e tributação das apostas esportivas virtuais no país. O fenômeno das apostas online é contemporâneo e complexo, envolvendo desde a legalidade dos jogos de azar, incluindo as chamadas bettings, até as possíveis intercorrências na implantação e atuação segura e lícita do setor no Brasil, além do devido equilíbrio para coibir exigências exacerbadas do poder público e tributação excessiva, que acabam por afastar operador e apostador.

O objetivo foi analisar a viabilidade da operação do setor de apostas em território nacional, considerando o contexto socioeconômico e governamental. Buscou-se um método capaz de fornecer proteção aos principais envolvidos, explorando o tratamento do tema por outros países. Concluímos ser possível realizar fiscalização e tributação adequadas, já que o Estado brasileiro não tem tributado os lucros decorrentes de apostas esportivas online, gerando insegurança jurídica e financeira, além de deixar de coibir ilícitos fiscais e contribuir para o crescimento da desigualdade socioeconômica.

Foram analisadas diferentes legislações, proposições legislativas, entendimentos jurisprudenciais e doutrinários que abordam as apostas de quota fixa, a verificação de métodos utilizados como atrativos e normas, em diversos países, que podem influenciar essas operações no Brasil e identificar dificuldades a serem enfrentadas em caso de efetiva regulamentação do setor. Verificou-se, portanto, que a ausência de regulamentação gera insatisfação e desafios, pois os jogadores são expostos à prática deliberada, à insegurança e a empresas desconhecidas, que têm a possibilidade de atuar, inclusive, de maneira irregular e fraudulenta.

O estabelecimento de diretrizes transparentes, protetivas e íntegras definirá o mercado de apostas virtuais, por intermédio de licenças, fiscalização, combate à fraude e a outros ilícitos relacionados. Ao garantir que essa prática pertença a um ambiente saudável, em que a sua tributação seja sinônimo de benefícios para o país, a arrecadação tributária decorrente dessa indústria em ascensão ensejaria um exponencial auxílio para as finanças públicas, atraindo investimentos fundamentais para o desenvolvimento do Brasil.

            É crucial que as normas sejam elaboradas de forma criteriosa e equilibrada, considerando as experiências internacionais, bem como o atendimento ao interesse das partes envolvidas. Para isso, um elo entre poder público, especialistas e sociedade é imprescindível para a criação de marco regulatório justo e adequado, que proteja o consumidor e incentive o crescimento do setor de apostas. Além disso, a devida observância de questões relativas à saúde mental do apostador, que está suscetível a desenvolver a ludopatia, é imprescindível. Também os operadores do mercado e o próprio Estado necessitam estar atentos para evitar crimes como a manipulação e fraude dos resultados, que, inclusive, ensejou a instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito das Apostas Esportivas, no âmbito da Câmara dos Deputados. A prevenção e o combate aos crimes do setor são cruciais para a consolidação e confiabilidade dessa modalidade em território nacional.

            Em suma, com a globalização tecnológica, alavancada pela pandemia de COVID-19, houve um aumento da procura da sociedade por entretenimento e consumo online. A regulamentação e a tributação das apostas esportivas online é o meio apropriado para dissociar as práticas ilegais deste mercado daquelas lícitas e construtivas. Por intermédio da implementação de legislação bem estruturada, seria possível garantir proveitos, ao Estado e à sociedade, decorrentes dessa atividade. A indicação ou criação de uma autoridade para o monitoramento dos sites, controle de apostas e de publicidade é essencial para um determinante cumprimento da legislação. Tal autoridade seria certamente auxiliada pelas inovações da tecnologia e pela inteligência artificial no cumprimento de suas tarefas. Enfim, a devida garantia de arrecadação pelo Estado, um ambiente seguro ao apostador, a transparência e o incentivo às empresas do ramo são critérios a serem considerados pelas autoridades para a consolidação desse setor e para o desenvolvimento socioeconômico do país.

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SENADO FEDERAL. Projeto de Lei nº 442, 21 de março de 1991. Dispõe sobre a exploração de jogos e apostas em todo o território nacional; altera a Lei nº 7.291, de 19 de dezembro de 1984; e revoga o Decreto-Lei nº 9.215, de 30 de abril de 1946, e dispositivos do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais), e da Lei nº 10.406, de 19 de janeiro de 2002 (Código Civil). Diário do Congresso Nacional, Brasília, 21 mar. 1991. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD01MAI1991.pdf#page=43. Acesso em: 22 mar. 2023;

SENADO FEDERAL. Projeto de Lei nº 845, de 2023. Dispõe sobre a regulamentação da modalidade lotérica denominada apostas de quota fixa, estabelecida pela Lei nº 13.756, de 12 de dezembro de 2018. Diário do Senado Federal, Brasília, 03 mar. 2023. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/diarios/ver/112097?sequencia=10. Acesso em: 15 mar. 2023;

SIGMA NEWS. China estende proibição em atividades ilegais de jogos de azar. 23 jul. 2021. Disponível em:https://sigma.world/pt-br/news/china-estende-proibicao-em-atividades-ilegais-de-jogos-de-azar/ Acesso em 17 abr. 2023;

SOARES, I. C. Regulação e Tributação de apostas esportivas no Brasil: lei 13.756/18 e a compatibilidade com o ordenamento jurídico brasileiro. Universidade Federal de João Pessoa. Paraíba, 30 set. 2019. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/handle/123456789/16211. Acesso 31 mar. 2023;

TAVARES, D.S; CERQUEIRA, F.M.O PL 442/91 e o futuro dos jogos de azar no Brasil: normas, fiscalização e aplicações de sanções. Migalhas. 29 mar. 2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/361771/o-pl-442-91-e-o-futuro-dos-jogos-de-azar-no-brasil. Acesso em: 15 mar. 2023;

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TIME2PLAY. Gambling statistics 2022: The definitive guide.21 fev. 2023. Disponível em: https://time2play.com/gambling-statistics/ Acesso 05 mai. 2023.


[3] Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/o-monopolio-de-loterias-no-brasil/936747172#:~:text=A%20Caixa%20Econ%C3%B4mica%20Federal%20tem%20o%20monop%C3%B3lio%20das%20loterias%20desde%201961. Acesso em: 04/07/2023.

[4] “§ 2o Incorre na pena de multa, de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), quem é encontrado a participar do jogo, ainda que pela internet ou por qualquer outro meio de comunicação, como ponteiro ou apostador”. 

[5] A tributação por turnover cobra taxas sobre todo o dinheiro transacionado pelos apostadores em uma casa de apostas. Ou seja, sobre as apostas realizadas. Esse modelo desconsidera boa parte dos valores que não ficam com a casa, por exemplo: o pagamento de prêmios e bônus, despesas com promoções etc.

[6] Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4970952&numeroProcesso=966177&classeProcesso=RE&numeroTema=924. Acesso em: 04/07/2023.

[7] Disponível em: https://www.caixa.gov.br/jogo-responsavel/Paginas/default.aspx. Acesso em: 04/07/2023.

[8] Disponível em: https://bnldata.com.br/. Acesso em: 04/07/2023.

[9] Disponível em: https://www.geniussports.com/. Acesso em: 21/06/2023.

[10] Disponível em: https://www.kto.com/pt/. Acesso em: 21/06/2023.

[11] Disponível em: https://www.osul.com.br/pessoas/ceo-kto-andreas-bardun-visita-pampa/. Acesso em: 21/06/2023.

[12] Disponível em: https://abradie.com/pt/. Acesso em: 21/06/2021.

[13] Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1978816. Acesso em: 04/0-7/2023.

[14] Disponível em: https://www.reuters.com/article/brazil-economy-sportsbetting-idINL1N3592NE. Acesso em: 04/07/2023.

[15] Disponível em: https://www.paranapesquisas.com.br/pesquisas/parana-pesquisa-divulga-pesquisa-realizada-em-territorio-nacional-com-o-objetivo-de-avaliar-o-mercado-de-apostas-esportivas-online-marco-2023/. Acesso em: 04/07/2023.

[16] Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/matéria/-/matéria/138471. Acesso em: 26/06/2023.

[17] Disponível em: https://time2play.com/. Acesso em: 26/06/2023.

[18] Disponível em: https://apostalegal.com/. Acesso em: 26/06/2023.

[19] Disponível em: https://www.gamblingcommission.gov.uk/. Acesso em: 04/07/2023.

[20] Disponível em: https://www.boe.es/buscar/act.php?id=BOE-A-2011-9280. Acesso em: 04/07/2023.

[21] Condição médica caracterizada pela compulsão de uma pessoa por jogos de azar, o que pode levar a graves consequências para o indivíduo: financeiras, sociais, físicas e emocionais. O vício em jogos de azar é classificado pelos CID-10-Z72.

[22] Disponível em: https://sigma.world/news/. Acesso em: 26/06/2023.

[23] Disponível em: https://sportradar.com/. Acesso em: 26/06/2023.

[24] Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2351335. Acesso em: 26/06/2023.

[25] KYC – Know your customer. KYT – Know your transaction.

[26] Disponível em: https://www.caixa.gov.br/jogo-responsavel/Paginas/default.aspx. Acesso em: 26/06/2023.

[27] Disponível em: https://igamingbrazil.com/. Acesso em: 28/06/2023.

[28] Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/952244-governo-devera-editar-medida-provisoria-para-regulamentar-apostas-esportivas. Acesso em: 26/06/2023.

[29] Disponível em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2023/maio/governo-regulamenta-apostas-esportivas-de-quota-fixa-no-brasil-1. Acesso em: 26/06/2023.


Maria Eduarda Silva Menezes. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Planalto Central – Uniceplac. E-mail: eduardamaria750@gmail.com.

Fernando de Magalhães Furlan. Professor doutor do curso de Direito do Centro Universitário do Planalto Central – Uniceplac. E-mail: fernando.furlan@uniceplac.edu.br


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