Novembro 23, 2024 06:33

Colunista

Uinie Caminha

A lei e os números: o que temos para contar

Uinie Caminha

É célebre a fala de Ariano Suassuna na qual narra que fez Direito porque não sabia “fazer conta de somar”. O genial escritor paraibano fala de maneira jocosa da recorrente falta de habilidade com os números daqueles que optam pela Direito. Tradicionalmente, diz-se que, em matéria de número, advogado só sabe o número do artigo. Todavia, hoje não é mais possível as profissões jurídicas ignorarem outras disciplinas que envolvem a matemática. Em algumas áreas, como Direito Societário e Tributário, conhecer contabilidade e finanças não é apenas um diferencial, é uma necessidade.

Mais recentemente,  também a estatística vem se tornando uma grande aliada do Direito, tanto na elaboração de leis quanto na formulação de políticas de organização judiciária, e ainda na definição de estratégias para defesa dos interesses de clientes.

A Jurimetria, como ficou conhecida a aplicação da estatística na medição de indicadores jurídicos, tem, cada vez mais, sido utilizada nas decisões envolvendo formulação e aplicação de leis, e ainda estratégias contratuais e processuais.

Por vezes, nós, que estudamos o Direito de maneira dogmática, não percebemos que o que muitos chamam de ciência do Direito é, na verdade, um amontoado de opiniões que são misturadas e escalonadas de maneira que, ao final, haja alguma possibilidade de conclusão compatível como nossa própria opinião. É muito comum nós, acadêmicos na área jurídica, criarmos teses e hipóteses que não se sustentam diante de uma análise superficial dos fatos, da realidade em que o Direito é aplicado.

Já na década de 1960, Lee Loevinger[1] diferenciava de maneira muito didática as atividades desempenhadas por aplicadores do Direito, Juristas e Cientistas:

“Lawyers and judges generally are engaged in seeking to apply the principles or analogies of cases, statutes, and regulations to new situations. Scientists generally are engaged in collecting experimental and statistical data and in analyzing them mathematically. Writers on jurisprudence are engaged in the philosophical analysis of legal concepts and ideas.”

Precursor das análises jurimétricas no Brasil, o Professor da PUC de São Paulo Marcelo Nunes Guedes[2] costuma afirmar em suas aulas e palestras que os fatos não têm a menor educação… afrontam uma ideia que nos parece boa e dão-lhe uma sova… isso é comum quando se trata de produção legislativa. Se forem a analisadas corretamente, grande parte das reformas legislativas parecem mais soluções a procura de um problema que nem existe. Em suas palavras

“O jurista estuda as leis sem se preocupar com seus resultados práticos. Os bacharéis em Direito (futuros advogados, juízes, consultores legislativos, promotores e diretores jurídicos de empresas) são treinados para discutir ad nauseum todos os sentidos hipotéticos atribuíveis uma lei, mas pela falta de conhecimentos básicos em estatística e pesquisa empírica, não possuem qualquer preparo para verificar as consequências práticas que esses sentidos produzem”

A Jurimetria se propõe a analisar os cenários existentes para efetivamente identificar os problemas e permitir traçar a melhor estratégia para resolvê-lo… deixa-se o campo da opinião, para o da probabilidade. Note-se que não se fazem necessárias grandes ferramentas tecnológicas (apesar de ajudarem muito) ou uma mente matemática tão aguçada, como ensina a Professora Luciana Yeung[3]

“O primeiro mito a ser destruído no exercício da aplicação da Jurimetria é que ela exige emprego de métodos sofisticadíssimos, com matemática e/ou recursos computacionais de última geração, manejáveis apenas por doutores das ciências exatas. Qualquer estudo cujo objeto faz parte das ciências jurídicas (…) que se valha de dados coletados empiricamente, e cuja análise se baseie de alguma forma em conceitos estatísticos (…) é um trabalho jurimétrico”

Para a advocacia, conhecer os cenários e gargalos do Judiciário é extremamente importante para a avaliação da conveniência de medidas judiciais, cláusulas contratuais e eventuais acordos, especialmente no cenário de insegurança jurídica do Brasil. Para isso, não precisamos de fórmulas tão complexas, mas talvez, apenas ceder um pouco do espaço de nossos pensamentos e análises aos números.

Atualmente, existem muitos serviços de mapeamento de decisões de grandes litigantes, e conhecer e saber interpretar esses resultados é, e cada vez mais será, importante para uma advocacia de qualidade.

Muito se fala de uma suposta obsolescência de profissões jurídicas, e que em breve não mais serão necessários advogados, pois “máquinas” poderão substituir seus serviços. Alguns serviços, não só de advogados, mas de juízes e outros agentes do Direito deveriam, mesmo, ser executados por programas.  Porém, os números, assim como as palavras, também podem ser “torturados” até que nos digam o que queremos… Assim, os advogados (e todos os outros que vivem de fazer, aplicar e interpretar a Lei) precisamos conviver com os números e aprender a interpretá-los para nos mantermos indispensáveis como diz a Constituição. Isso é certo como dois e dois são quatro.

 

[1] Lee Loevinger, Jurimetrics: The Methodology of Legal Inquiry, 28 Law and Contemporary Problems 5-35 (Winter 1963)
Available at: https://scholarship.law.duke.edu/lcp/vol28/iss1/2

[2] Jurimetria: como a estatística pode reinventar o Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p.

[3]  Jurimetria ou análise quantitativa de decisões judiciais. In: Machado, Maíra Rocha (Org.). Pesquisar empiricamente o direito. São Paulo: Rede de Estudos Empíricos em Direito, 2017, p. 249-274.

 

UINIE CAMINHA. Professora Titular da Universidade de Fortaleza. Professora Adjunta da Universidade Federal do Ceará. Doutora e Pós-doutora pela Universidade de São Paulo. Advogada.

Produção acadêmica

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CAMINHA, Uinie; MUNDSTOCK, J. . Entendimento do STJ sobre as relações entre locador e locatário nos contratos de locação de Shopping Centers. In: Pedro A. L. Ramunno. (Org.). Contencioso Societário. 1ed.São Paulo: Quartier Latin, 2021, v. 1, p. 411-443.

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