Vanessa Vilela Berbel
Os direitos reprodutivos da mulher são pauta recorrente do Poder Judiciário e da política nacional e internacional. Em 2022, enquanto a Suprema Corte Americana, em contraposição ao entendimento consolidado desde 1973 a partir do caso Roe vs. Wade, declarou a inexistência de um direito constitucional ao aborto pautado na Décima Quarta Emenda e o chefe do Poder Executivo brasileiro vetava dispositivos da lei de criação do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual (Lei 14.214/21), que autorizava a distribuição gratuita de absorventes pela rede pública de saúde, o governo espanhol, em caminhos opostos, propunha a criação de licença menstrual remunerada às trabalhadoras.
Por trás da proposta da criação da licença menstrual remunerada às trabalhadoras na Espanha há a organização político-partidária das mulheres do Unidas Podemos, associada a uma representatividade feminina do atual governo espanhol, composto por 14 (quatorze) mulheres e 08 (oito) homens em cargos ministeriais; o fato reforça a importância de temas que já abordamos em colunas anteriores, como o combate à violência política eleitoral e a importância da participação política das mulheres.
Em relação à licença menstrual remunerada, há também, por detrás desta decisão, um governo socialista, que alinhou, à sua pauta social-democrática, as bandeiras ecologistas e feminista, como afirmado durante o 40⁰ Congresso do Partido Socialista Operário Espanhol, ocorrido em Valência, no ano de 2021. Nenhum partido é obrigado a levar o socialismo em seu nome, mas, se o faz, precisa se alinhar a pautas protetivas do operariado e aceitar que compete ao Estado a missão de gerenciar as desigualdades sociais. O governo espanhol está, portanto, coerente com seu projeto.
Mas nada impede que pautas como a licença menstrual remunerada também caibam em governo não socialistas, ou seja, liberais. Como lembraram Amanda Flávio e Adriano Paranaíba na coluna “Liberalismo, esse desconhecido”, o liberalismo está longe de ser a ameaça do bem -estar social; trata-se de uma doutrina política em que se encontram diferentes escolas de pensamento, cujo ponto fulcral entre elas está “no enaltecimento da pessoa humana e a sua proteção contra os arroubos do Estado”. Neste conjunto, há diferentes matizes de pensamento sobre o quanto de Estado se é necessário aceitar.
Portanto, tudo é uma questão sobre quem deverá pagar a conta. O governo espanhol entendeu que as dores menstruais que, mensalmente, incapacitam para o trabalho diversas mulheres, devem ser repartidas pela sociedade. Segundo o Projeto de Lei Espanhol, caberia, à Previdência Social, remunerar o afastamento, em regra por três dias, às mulheres que precisam se ausentar durante o período menstrual. Poderia ser feita outra opção, obrigar o empregador a internalização este ônus, mas, a Espanha preferiu reparti-lo de outra maneira.
Hoje, no Brasil, os efeitos econômicos e sociais das dores menstruais são, via de regra, suportados exclusivamente pela trabalhadora, visto que a falta ao trabalho é apenas justificada por doença ou acidente e precisa ser sempre acompanhada de atestado médico. Menstruação não é uma doença e conseguir um atestado todo mês, além de certamente não ser bem compreendido pelo empregador acarretando sua demissão futura, será uma tarefa hercúlea em um sistema único de saúde congestionado. Repartir socialmente esse ônus parece ser uma boa medida para as mulheres e para toda a sociedade.
A Taxa de participação das mulheres no mercado laboral é baixa se considerarmos que somos nós a maioria da população brasileira. A parcela da população em idade de trabalhar (PIT) que está na força de trabalho, ou seja, trabalhando ou procurando trabalho e disponível para trabalhar, aponta a maior dificuldade de inserção das mulheres no mercado de trabalho. Em 2019, a taxa de participação das mulheres com 15 anos ou mais de idade foi de 54,5%, enquanto entre os homens esta medida chegou a 73,7%.
São diversas as razões para a baixa incorporação da mulher ao mercado de trabalho: maternidade na adolescência ou pré-adolescência, carência de vagas em creches e pré-escolas, desigualdade na distribuição das tarefas domésticas entre os casais, dentre outras. Claramente, há que se pensar em medidas para integrá-las. Mas não só, essa internalização também deve ser acolhedora, proporcionando um ambiente de trabalho saudável e compatível com suas necessidades biológicas. E quem já teve o dissabor de ter que trocar de roupa após o vazamento de um absorvente ou sentir um quase desmaio durante o trabalho pelo cansaço absurdo dos sangramentos ou a contração da cólica, sabe bem o que precisa: ficar em casa.
É preciso avançar em uma incorporação e promoção menos segregada e estereotipada nos empregos e implantar medidas transversais voltadas para elevar a taxa de emprego feminino, incluindo condições mais favoráveis ao exercício e permanência no labor remunerado, dentre elas a licença menstrual remunerada.