Mauro Grinberg
A presença dos advogados nos julgamentos dos processos administrativos pelo Plenário do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) já chegou a passar por algumas controvérsias. Vale lembrar, para início expositivo, o que Paulo Lobo diz a respeito da função do advogado: “sem embargo da natureza não estatal de sua atividade, imprescindível para assegurar-lhe a independência diante do próprio Estado, o Estatuto[1] equipara-a a serviço público, em suas finalidades. Assim é porque a atividade de advocacia participa da administração pública de justiça. No Estado Moderno é comum que pessoas e entes privados executem funções e serviços públicos”[2]. Cumpre invocar aqui o art. 133 da Constituição: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
Uma lei recente acaba de abrir maiores possibilidades para a atuação dos advogados em processos administrativos – incluindo aqueles do Plenário do Cade – em seus julgamentos. Com efeito, estabelece o § 2º do art. 2º do EA que “no processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público”. É consolidada a ideia de que o múnus público do advogado, previsto em lei, serve para a realização da Justiça, de tal sorte que, sem a presença do advogado, não há a realização da Justiça. Não passa despercebida a menção específica, no artigo acima, ao processo judicial; mas o que vem adiante faz acréscimo substancial.
A recente Lei 14.365/2022 – que enfrenta, no momento da escrita deste artigo, a possibilidade de revogação, pelo Congresso Nacional, de vetos de artigos que nada têm a ver com a matéria aqui tratada – acrescentou ao art. 2º do EA o § 2º-A: “No processo administrativo, o advogado contribui com a postulação de decisão favorável ao seu constituinte, e seus atos constituem múnus público”. Fica claro, desde logo, que a participação do advogado no processo administrativo é uma contribuição ao próprio processo – e ao sistema, obviamente – e não apenas um exercício de defesa (que também é). Vê-se assim que ao processo judicial foi acrescido o processo administrativo.
Também pela nova lei, a redação do inciso X do art. 7º do EA (Caput: “São direitos do advogado”) passa a ser a seguinte: “usar da palavra, pela ordem, em qualquer tribunal judicial ou administrativo, órgão de deliberação coletiva da administração pública ou comissão parlamentar de inquérito, mediante intervenção pontual e sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, a documentos ou a afirmações que influam na decisão”.Isto é importante porque, de acordo com José Henrique M. Araújo e Rodrigo Nery, “a sustentação oral acaba sendo o único momento em que, de fato, a parte, por meio do seu advogado, tem o direito de ser `ouvida´, no sentido literal da palavra”[3]
Vale examinar o que esse dispositivo traz de novidade: (i) inclui expressamente o processo administrativo quando antes (no parágrafo anterior) falava apenas “em qualquer juízo ou tribunal”; (ii) agora existe a especificação, além do processo administrativo (que já seria suficiente), a “órgão de deliberação coletiva da administração pública”, em que certamente está encaixado o Cade, aplicando-se ao seu processo administrativo.
Ficam também enriquecidos o art. 123 e seu § 1º do Regimento Interno do Cade (Ricade): “A tribuna será ocupada para formular requerimento, produzir sustentação oral ou para responder às perguntas que forem feitas pelos membros do Plenário do Tribunal”; “aos advogados e ao representante legal da empresa é facultado requerer que conste de ata suas presenças na sessão de julgamento, podendo prestar esclarecimentos em matéria de fato, quando assim o Plenário do Tribunal entender necessário”.
O que muda substancialmente é que agora os questionamentos e esclarecimentos em audiência passam a ser um direito do advogado e não mais dependem de que o Plenário do Tribunal entenda que tais questionamentos e esclarecimentos sejam necessários. Vale lembrar que o Plenário do Tribunal do Cade tem costumeiramente sido favorável a tais questionamentos e esclarecimentos, sempre que tratam de questões de fato. Mas agora há a especificação a “equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, a documentos ou a afirmações que influam na decisão” (tudo isso além da óbvia sustentação oral).
Esta mudança caracteriza a aplicação do princípio da lealdade processual. Explicam Cândido Rangel Dinamarco, Gustavo Badaró e Bruno Lopes que “as regras que impõem esses deveres de moralidade e probidade a todos aqueles que participam do processo (partes, juízes e auxiliares da Justiça, advogados e membros do Ministério Público) compõem o que se denomina princípio da lealdade processual”[4].
Mais ainda, existindo previsão legal, aplica-se aqui o devido processo legal, sobre o qual diz Maria Elizabeth Queijo: “A observância das garantias do devido processo legal, em qualquer processo, seja de que natureza for, é condição de legitimação da decisão proferida”[5]. Daí se pode concluir também que esses novos direitos dos advogados no processo administrativo do Cade constituem parte integrante do devido processo legal. Não é possível terminar este artigo sem expressar que todos esses direitos dos advogados contribuem para o processo, o bom direito e as boas decisões, seja pelo Poer Judiciário, seja pelo Cade.
Mauro Grinberg é ex-Conselheiro do Cade, Procurador da Fazenda Nacional aposentado, advogado especializado em Direito Concorrencial, sócio e fundador de Grinberg Cordov
[1] O Estatuto a que o autor se refere é o a Lei 8.906/1994, conhecida como Estatuto da Advocacia (EA)
[2] “Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB”, Saraiva, São Paulo, 2016, pág. 44 sus
[3] “Novas Possibilidades de Sustentação Oral: Avanços e Omissões da Lei 14.365”, Consultor Jurídico, 10.06.2022
[4] “Teoria Geral do Processo”, Juspodim/Malheiros, São Paulo, 2021, pág. 121
[5] “Defesa Técnica no Processo Administrativo Sancionador”, em “Direito Administrativo Sancionador”, org. Luiz Maurício Souza Blazeck e Laerte Marzagão Jr, Quartier Latin, São Paulo, 2015, pág. 270