A importância da atuação do advogado e da advogada no processo administrativo sancionador do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)

Mauro Grinberg

Muito já foi escrito sobre a função do advogado e da advogada, sobretudo em matéria judicial, mas menos com relação às suas atuações nos processos administrativos. Como já foi por este autor escrito anteriormente, a presença do advogado e da advogada no processo administrativo é tão importante quanto no processo judicial. Deve desde logo ser apresentado um esclarecimento terminológico. Quando o autor fala de processo administrativo, inclui aqui todas as suas fases, inclusive os procedimentos e inquéritos.

Este autor já escreveu[1] sobre o § 1º do art. 123 do Regimento Interno do Cade (RiCade): “aos advogados e ao representante legal da empresa é facultado requerer que conste de ata suas presenças na sessão de julgamento, podendo prestar esclarecimentos em matéria de fato, quando assim o Plenário do Tribunal entender necessário”. Segundo aquele artigo, não há motivo para o Plenário do Tribunal ter que aprovar a participação do advogado e/ou da advogada face à redação do art. 7º, X, da Lei 8.906/1994 (denominada Estatuto da Advocacia – EA)[2]: “São direitos dos advogados (…) usar da palavra, pela ordem, em qualquer tribunal judicial ou administrativo, órgão de deliberação coletiva da administração pública ou comissão parlamentar de inquérito, mediante intervenção pontual e sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, a documentos ou a afirmações que influam na decisão”. Assim, o direito de participação do advogado e/ou da advogada está definido em lei, obviamente superior hierarquicamente ao RiCade.

Faz-se, todavia, necessário completar o rol dos direitos dos advogados, sobretudo no processo administrativo sancionador do CADE, seguindo por lembrar que, de acordo com o art. 133 da Constituição Federal (CF), “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Já o § 2º-A do art. 2º[3] do EA alarga o conceito para incluir os processos administrativos: “No processo administrativo contribui com a postulação de decisão favorável ao seu constituinte, e os seus atos constituem múnus público”.

O que os advogados e advogadas sempre entenderam – que a postulação em nome de clientes contribuía para as decisões, inclusive nos processos administrativos –, agora é lei. O binômio acusação/defesa, levando a decisão equidistante, é agora texto legal. Faz-se extremamente importante que os advogados e advogadas sejam vistos e vistas como participantes diretos das decisões por meio de suas postulações em nome de clientes. Além disso, sendo múnus – ou seja, dever – público a atuação do advogado e da advogada, fica claro que o advogado e a advogada estão, ao exercer as postulações em nome de clientes, participando efetivamente da administração da justiça administrativa. Desta forma, o cumprimento desse ônus beneficia a própria justiça administrativa e não apenas o cliente. Esta constatação é muito importante face ao § único do art. 1º da Lei 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência – LDC): “A coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos por esta Lei”.

Aliás, sua obrigação é tão importante que, se e quando o advogado ou a advogada renunciam ao seu mandato, continuam a representar o cliente durante os dez dias seguintes à notificação da renúncia, salvo se for substituído antes do decurso do prazo, de acordo com o § 3º do art. 5º do EA, idêntico ao § 2º do art. 112 do Código de Processo Civil (CPC).

Prosseguindo, deve ser esclarecido que, de acordo com o art. 6º do EA, “não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público (…)”. O princípio se coaduna perfeitamente com o que foi anteriormente posto, pois o advogado e/ou a advogada não estão sujeitos a determinações das autoridades, a não ser no que seja ligado diretamente ao funcionamento da máquina administrativa. Ou seja, a autoridade não deve ditar ao advogado e/ou à advogada o que devem fazer, embora isto não possa servir de justificativa para a soberba do advogado ou da advogada.

Não se deve aqui alongar a lista de direitos com os que tratam do acesso de advogados e advogadas aos autos, dado o fato dos processos administrativos no âmbito do CADE serem eletrônicos e não mais serem tratados em meio físico. Ressalva deve ser feita a autos findos, conforme consta do inciso XIII do art. 7º do EA[4], idêntico ao art. 107, I, do CPC: “examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estiverem sujeitos as sigilo ou segredo de justiça, assegurada a obtenção de cópias, com possibilidade de tomar apontamentos”.

Uma atenção especial deve ser devotada aos documentos e outras provas sujeitos a sigilo legal ou conferido pela autoridade. Como ninguém pode ser acusado (e eventualmente condenado) por provas secretas, ao advogado ou advogada da parte acusada é conferido o direito – e mais do que isso o dever – de conhecer tais provas e, se for o caso, ter a possibilidade de impugná-las. Joseph K, o personagem de Franz Kafka em “O Processo”, deve permanecer na ficção. Mesmo aquelas provas não expressamente utilizadas pelas autoridades nas suas decisões obviamente sofrem influência do material não utilizado, eis que a sua mera leitura de alguma forma pode subjetivamente exercer algum tipo de influência sobre a pessoa e desta forma fazer parte do processo decisório, ainda que indireta e/ou involuntariamente.

Esta peroração legislativa tem o objetivo de situar o advogado e a advogada no processo administrativo sancionatório do CADE. Quando ele ou ela se dirigem a uma autoridade, trata-se não só do exercício de uma função que a lei a ele e ela confere mas, mais do que isso, um dever. Este dever tem o objetivo – estabelecido em lei – de colaborar com a prestação jurisdicional.

Deve ser dada ênfase – até por sucessivos debates em torno deste tema – ao texto da alínea “c” do inciso VII do art. 7º do EA, relativa ao direito de “ser atendido, desde que se ache presente qualquer servidor ou empregado”. É claro que o objetivo da lei não pode ser a anarquia generalizada, razão pela qual deve ser reconhecido também o direito da autoridade de estabelecer determinadas regras (incluída aqui a possibilidade de marcação de dia e hora), embora tais regras não possam servir de barreira à atuação de advogados e advogadas. Aliás, aqui deve ser aplicado o princípio da razoabilidade, contido no art. 2º da Lei 9.784/1999 (Lei do Processo Administrativo – LPA). Com referência a algumas reclamações de dificuldades – reais ou não – para marcações de reuniões, deve ser lembrado que o servidor público serve o público, no caso dos processos administrativos, atendendo seus advogados e advogadas.

Aliás, os princípios do contraditório e da ampla defesa previstos no art. 5º, LV, da CF e no art. 2º da LPA só podem ser aplicados se houver amplo acesso dos advogados, lembrando-se que, particularmente no processo administrativo sancionador do Cade, a parte acusadora é também encarregada da decisão. Se o advogado ou a advogada não tem acesso a tudo, o equilíbrio entre acusação e defesa – que, de resto, já é precário ante a confusão de acusação e decisão – resta rompido.

Mas a autoridade pode também fazer suas exigências, a começar pela demanda de escrita clara, correta e direta das petições, nas quais os pedidos e seus fundamentos devem resultar logo da primeira leitura; ou seja, é importante que advogados e advogadas digam exatamente o que pedem e por que pedem, já que não compete à autoridade intuir estes pontos. Algumas obrigações contidas nos incisos I a III do art. 77 do CPC: “expor os fatos em juízo conforme a verdade”, “não formular pretensão ou apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento” e “não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito”.

Através da observação das posturas acima referidas é possível atingir alguma forma de equilíbrio nos processos administrativos sancionatórios do Cade, sempre tendo em vista a importância da atuação do advogado e da advogada, que cumprem o dever público de ajudar a construir as decisões administrativas.

Mauro Grinberg foi (i) Conselheiro do Cade, (ii) Procurador da Fazenda Nacional (hoje aposentado), (iii) Presidente do Ibrac (do qual é hoje Conselheiro) e (iv) Professor de Direito Comercial da Universidade Católica de Pernambuco. Atualmente é Membro do IASP e da ABA, sendo advogado especialista em Direito Concorrencial, sócio de Grinberg Cordovil.


[1] “Os Advogados nas sessões do CADE”, Web Advocacy, 20/06/2022

[2] Com a redação dada pelo art. 2º da Lei 14.365/2022

[3] Inserido pelo art. 2º da Lei 14.365/2022

[4] Com a redação dada pelo art. 2º da Lei 13.793/2019

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