Maxwell de Alencar Meneses

A Microsoft pratica a conduta de venda casada de licenças do seu sistema operacional Windows, que são pré-instaladas em novos computadores fabricados por OEMs (original equipment manufactures), máquinas montadas de fábrica. Isso ocorre de modo análogo desde os primórdios da criação da empresa, sendo que na época tratava-se do seu precursor o MS-DOS, que também já vinha embarcado com os primeiros PCs (computadores pessoais).

A questão levanta polêmica quando o usuário se vê obrigado a pagar pela licença do Windows, mesmo que não tenha interesse em utilizá-lo, visto que se tratam de produtos que são diferentes e que podem ser vendidos separadamente, todavia a conduta em si cria barreiras para que o usuário possa optar quanto à aquisição da licença.

No processo de compra de um desktop de determinados fabricantes, por exemplo pelo site da Dell no Brasil, o usuário é forçado a adquirir desktops com o Windows, podendo optar por versões diferentes, mas apenas do Windows. Não é possível deixar de adquiri-lo, ao passo que esses fabricantes se recusam a vender um equipamento dessa categoria sem esse sistema operacional (S.O.), já que não disponibilizam essa opção.

Segundo o site statista, em 2021 o Microsoft Windows foi o sistema operacional mais utilizado em computadores (desktop, tablet e console) no mundo, possuindo mais de 70% de Market share. No mercado de PCs o Gartner group estimou para o quarto trimestre de 2021, a liderança em primeiro lugar da Lenovo com 24,6%, seguida de perto pela HP com 21,1% e com o bronze a Dell com 19,5%. Esse pódio totalizaria 65,2% do mercado de computadores. Nota-se que em 2008, a Lenovo chegou a não suportar mais o Linux nos seus desktops, o que reviu somente em 2016.

A Apple vem em quarto lugar nessa lista com 7,7% de share. Em sua arquitetura historicamente fechada e proprietária, a fabricante determina qual sistema é utilizado em seus computadores, que é o seu próprio sistema, o OS X, que tem raízes em comum com o Linux.

A Microsoft por sua vez estende sua posição dominante sobre os fabricantes, sendo alavancada formando um efeito artificial de conjunto hardware-software monolítico e quase monopolista, que mimetiza o efeito natural obtido pela Apple com seu conjunto próprio de hardware e software, Mac e OS X, indissociáveis pela engenharia de concepção do projeto, e não por uma conduta concorrencial, como no caso do Windows.

O curioso é que o fato de a Microsoft não ter vendido seus direitos do MS-DOS à IBM no início da era dos PCs, mas pelo contrário ter negociado com as outras empresas o fornecimento desse software para máquinas rivais da IBM, foi provavelmente o causador de hoje nós não termos apenas dois fabricantes de PCs cada um com seu conjunto de hardware e software entranhados, que seriam a IBM e a Apple.

A abertura dada pela separação entre o S.O. e o hardware naquela ocasião, possibilitou o florescimento de vários fabricantes de computadores, maior concorrência e um barateamento de preços, em comparação a solução Mac que é mais cara desde o início e talvez sempre se mantenha assim.

Em 2007, a Dell declarou que seus computadores com Linux pré-instalado seriam US$ 50 mais baratos de que a versão similar com Windows, em outras palavras seria pago à Microsoft uma “taxa” de licenciamento de US$ 50, valor esse acrescido ao custo de um computador de US$ 1000. A “taxa” Windows criada pelo incentivo dado pela Microsoft para que OEMs forneçam computadores com Windows pré-instalado é justificada pela empresa por uma eficiência gerada aos compradores, que têm o benefício de não necessitar instalar um sistema operacional. Muitas pessoas comprariam PCs com sistemas operacionais pré-instalados para não ter que lidar com a curva de aprendizado e a inconveniência de realizar sozinhas a instalação de um sistema operacional.

Ao mesmo tempo, revendas de software anunciam abertamente venda de licenças OEM Windows, direcionadas para venda casada com equipamentos novos, que não vem necessariamente com S.O. pré-instalado, ou seja, a eficiência alegada da pré-instalação é relativa. Essas licenças são atreladas a aquele hardware novo e perdem validade em caso de determinadas alterações que o descaracterize, como a troca da placa principal do computador.

Entre os que se dispõem a utilizar outro S.O. há relatos de compradores que obtiveram restituição do valor pago pela licença Microsoft e de outros a quem esse benefício foi negado, a depender do país, do entendimento do vendedor a esse respeito, e de condições específicas de venda do fabricante do hardware. Em sites especializados como o “Reclame Aqui” relatos de problemas de consumidores quanto a essa imposição do sistema ao adquirirem um PC.

Em 2007, foi apresentado o projeto de lei 167/07 na Câmara dos Deputados proibindo venda casada de hardware com sistema operacional, que veio a ser arquivado. O CADE julgou no caso Paiva Piovesan v Microsoft a venda casada do Microsoft Money com o Windows. A Microsoft enfrentou notórias ações antitruste, como no caso Netscape. Há, portanto, um histórico que corrobora uma inquietação de partes da sociedade com o que ao longo dos anos vem delineando um certo padrão de condutas comerciais da Microsoft visando afastar concorrência de modo não natural.

Em que pese haver aspectos técnicos qualitativos entre os sistemas operacionais existentes, há um aspecto comportamental que torna muito difícil a troca e é parte insidiosa da Conduta concorrencial da Microsoft. Quando se é introduzido ao uso de smartphones por meio de um celular iPhone, que utiliza sistema iOS, o usuário sente natural dificuldade ao operar um celular Android, o mesmo acontece com usuário inicial do Android com relação ao iOS.

Esse sintoma ocorre de modo semelhante com o usuário de sistemas para desktops. O usuário contumaz de Windows fica perdido no ambiente Mac, bem como no ambiente Linux e vice-versa. Isso ocorre pela máxima de que o melhor ambiente é aquele no qual se foi habituado a utilizar desde o início. Isso explica o investimento de fabricantes de software de CAD (Computer Aided Design) para fornecer licenças em condições especiais aos arquitetos ainda na universidade, pois quando esses profissionais ingressarem no mercado dificilmente optarão por utilizar outro sistema, mesmo que tecnicamente superior.

Nesse sentido, é possível adicionalmente dizer que a fixação vezes obrigatória do Windows nas máquinas concorre para que os usuários se mantenham ad aeternum atrelados a esse fornecedor, dificultando não só a entrada de concorrentes já existentes, como a inovação tecnológica proveniente de um eventual novo entrante, que sente desestimulado face ao contexto de posição dominante inarredável.

Uma das possíveis alegações com efeito de balancing da conduta é que tanto é possível, quanto existe o fornecimento de computadores com Linux, bem como também haveria possibilidade de aquisição de máquinas montadas, que podem receber qualquer sistema operacional, todavia o efeito notado nas principais fabricantes de hardware que hoje perfazem um share de quase 80% do mercado de PCs, é que essas empresas utilizam sistema alternativo em uma fração diminuta de suas vendas, ou, por vezes, simplesmente não utilizam em absoluto.

Essa fração pode ser observada pelo share dos S.O. disponível no site statcounter, que informa que em maio de 2022 os computadores Desktop no mundo todo se distribuem assim: Windows 75,54%; OS X 14,98%; desconhecidos 4,81%; Linux 2,45%; Chrome OS 2,22% e FreeBSD 0,01%.

A falta de opção ao comprador e além disso, a falta de informação de quanto lhe custa o software que está adquirindo de forma casada, e por quanto poderia adquirir um equipamento com uma alternativa de S.O. gratuito pode interferir na universalização do acesso à tecnologia. No contexto de pandemia em que famílias passaram a utilizar mais intensamente computadores em uma conjuntura de crise econômica, a possibilidade de redução do ônus do sistema operacional de em torno de R$ 150,00 sobre um desktop de R$ 800,00 pode fazer toda diferença e constituir um sobrepreço ao produto essencial almejado.

Em conclusão e síntese, procurou-se até aqui percorrer de modo fluído o teste jurídico utilizado em precedente do CADE já mencionado, de forma a constatar autoria, materialidade e dano advindo da conduta, visto que: (i) os produtos são diferentes e autônomos, (ii) existe elemento de coerção, (iii) existe uma posição dominante inequívoca para alavanca, (iv) existem efeitos duradouros no mercado alavancado, (v) a análise das eficiências pretendidas demonstra sinais de acobertamento de uma presumível naked restriction.


Maxwell de Alencar Meneses, cearense radicado em Brasília há 35 anos, é Cientista da Computação, MBA Especialista em Gestão de Projetos, Especialista em Defesa da Concorrência e Direito Econômico, atua no Cade na análise de Atos de Concentração e anteriormente no Projeto Cérebro, na área de Cartéis.  Participou e acompanhou por 30 anos a concorrência no mercado de inovação e tecnologia no âmbito do Governo Federal e em organizações líderes de mercado, como Fundação Instituto de Administração, Xerox do Brasil, Computer Associates, Bentley Systems e Vivo.


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