Daniela Santos

Minha coluna de hoje é sobre a Lei nº 4.476/2020 (Lei do Gás), aprovada e sancionada recentemente (sem vetos), e que suscita grande curiosidade mesmo entre aqueles que não atuam diretamente com o tema.

E tal interesse decorre, em parte, devido as (péssimas) notícias sobre o aumento do gás natural em quase 40% imposto às distribuidoras estaduais – sendo importante esclarecer que o reajuste é da Petrobras e não das distribuidoras locais, que apenas repassam os valores aos seus respectivos consumidores, gerando importante impacto para a indústria nacional (principal usuária do insumo).

Com efeito, a nova Lei, assim como seus futuros Decreto e regulamentações, têm como tarefa imediata resolver gargalos importantes de modo a realmente estimular a entrada de novos agentes e, com isso, a competição no setor. Só assim poderemos ter um contexto mais propício, nos próximos anos, para notícias melhores…

Pois bem. Antes de entrarmos nos dispositivos da nova Lei do Gás, importante não perder de vista as principais medidas do Novo Mercado de Gás:

  • A celebração do Termo de Comprimisso de Cessação, assinado em 2019, entre CADE e Petrobras, que resultou, entre outros, na venda de ativos da petroleira,
  • A resolução CNPE nº 16/2019, que estabeleceu diretrizes voltadas à promoção da livre concorrência no mercado de gás natural,
  • A realização do REATE, e
  • Ajustes SINIEF – questão tributária

Foi a partir desse cenário que a Lei foi aprovada, com destaque para pontos importantes como o estímulo à competição e concorrência, acesso não discriminatório e harmonização das leis estaduais.

Sobre a atividade de transporte de gás natural, é mais do que sabido que a nova Lei tratou com muito cuidado de ajustar o que não funcionou na revogada Lei nº 11.909/09. E quando digo que não funcionou, me baseio no fato de não termos conseguido avançar na expansão da malha de transporte, o que é fundamental para a garantir o suprimento do gás no País.

O destaque é que a Nova Lei substituiu a concessão pela autorização para a outorga da atividade de transporte, e isso transformou a lógica contida nos dispositivos anteriores, sendo um dos pontos mais festejados da nova Lei.

Ademais, importantes critérios de independência foram inseridos na Lei, de modo a garantir a concorrência.

Ao elencar o que se considera como gasoduto de transporte, a nova Lei do Gás caminha para estabilizar os limites da atividade e, consequentemente, resolver antigos problemas referentes à distribuição de gás canalizado – monopólio constitucional dos Estados. Aqui, esperamos que o Decreto e a regulamentação que serão elaborados, sejam ainda mais objetivos, garantindo segurança para todos os elos da cadeia de gás.

A Nova Lei destaca o papel da ANP nos diversos segmentos, o que restou claro na sua agenda regulatória. Especificamente, conferiu ao regulador um papel fundamental tanto na definição da receita máxima para o transporte quanto na aprovação das suas tarifas. Destaco a importância de garantir a publicidade e transparência dos cálculos.

Por falar em transparência, assunto que sempre trato em meus artigos, comemoro sempre que leio estudos que comprovam que não se trata apenas de um discurso bonito, mas de uma absoluta necessidade para o eficiente funcionamento do setor. Com o desinvestimento da Petrobras no setor de gás e aumento do número de agentes – além das novas diretrizes contidas na Lei das Agências Reguladoras – a publicidade e transparência são pilares para os avanços que desejamos. E com isso, também quero dizer que processos aleatoriamente sigilosos e documento excessivamente tarjados não devem ter mais espaço no novo mercado de gás.  

Sobre o almejado sistema de transporte, chamo atenção para os objetivos elencados na nova Lei, quais sejam: (1) atendimento da demanda de transporte, (2) diversificação da fonte de gás natural e (2) segurança de suprimento por dez anos. A criação de um Conselho Gestor de Mercado – para os casos de mais de uma transportadora na mesma área – poderá ajudar, assim como a criação dos Conselhos de Usuários para monitoramento.

Neste sentido, vale mencionar que mercado saudável conta, também, com a efetiva participação de usuários na verificação do que está sendo executado. O desafio será garantir a devida escuta e consideração ao monitoramento.

Por fim, com o balanceamento, a nova Lei do Gás pretende garantir o suprimento do sistema.

Sobre gasoduto de escoamento, UOGN e unidades de liquefação e regaseificação, a grande novidade é o acesso não discriminatório e negociado de terceiros às infraestruturas essenciais. Uma grande alegria para todos que esperavam o destravamento do que restou disciplinado na antiga Lei do Gás. Junto ao acesso, o legislador esclarece que a preferência é do proprietário da instalação e cria o código de condutas e práticas de acesso à infraestrutura, dando, mais uma vez, ênfase à publicidade e a transparência.

A remuneração e o prazo merecem destaque aqui, porque a despeito de serem pontos acordados entre as partes, deverão ter como base critérios objetivos e previamente definidos e divulgados. Novamente, um alívio para todos que aguardam transparência!

Outros dois pontos fundamentais disciplinados na nova Lei são: a distribuição e a comercialização do gás. Mas como há muitos desdobramentos, optei por focar neste artigo apenas a análise da competitividade e da competência.

Sobre competitividade, a nova Lei é muito clara: trata-se do principal objetivo do mercado livre de gás. E isso carrega uma série de princípios que deverão ser observados durante o acompanhamento do setor pela ANP. Mas é importante não perder de vista que o regulador deve escutar os órgãos competentes de defesa da concorrência antes da tomada de decisão, o que, inclusive, está expressa e corretamente disposto na nova Lei do Gás.

Isso parece outro ponto bonito de se escrever, mas pouco prático. Ledo engano. Recentemente, escrevi com o meu colega Felipe Fernandes um artigo, ainda não publicado, sobre uma deliberação regulatória estadual, que presume como infração à ordem econômica o controle, por uma comercializadora, de mais de 20% do volume de gás canalizado vendido naquele estado.

O limite imposto, na prática, confunde posição dominante com infração à ordem econômica o que prejudica a concorrência – objetivo do regulador. Por isso, é importante não perder de vista que somente com o apoio coordenado dos órgãos competentes, será possível garantir a concorrência no setor de gás.    

Finalmente, sobre a competência, precisamos compreender definitivamente que quem pode regular e fiscalizar a atividade de comercialização de gás no País é a União. Aos Estados resta a definição do consumidor livre.

Por isso, a antiga e nova leis dispõem sobre comercialização do gás natural. E é nesse sentido que as novas e antigas leis estaduais deveriam ser ajustadas. Porque a segurança do mercado de comercialização de gás depende de regras uniformes aplicáveis em todo o território nacional. E o investidor está atento aos Estados que organizam bem as suas atribuições e cumprem com as normas federais aplicáveis – como bem destaca Adrianno Lorenzon, coordenador técnico da equipe de gás natural da ABRACE.   

Observo, por fim, que a nova Lei do Gás fala em harmonização das normas e articulação dos entes, especialmente em relação à regulação do consumidor livre (neste ponto, inclusive, vale mencionar que a ANP recentemente aprovou o Manual de Boas Práticas para Harmonização das Normas Federal e Estaduais.). Importante garantir que os Estados estejam realmente preparados para incentivar a comercialização de gás no mercado livre, o que, sem qualquer dúvida, resultará no sucesso do Novo Modelo do Gás.

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