Análise crítica: o verdadeiro desafio do valor agregado no Brasil, segundo Paulo Gala

O desafio do Brasil não é apenas produzir mais commodities, mas sim agregar valor a elas, diversificar a base produtiva e, acima de tudo, inserir-se em setores que gerem aprendizado tecnológico, empregos qualificados e sofisticação produtiva, rompendo o ciclo de crescimento volátil e dependente dos preços internacionais de matérias-primas. Essa é a mensagem básica que Paulo Gala nos trouxe e a endosso completamente.

Marco Aurélio Bittencourt

O artigo “O Desafio do Valor Adicionado: Por que o Brasil Precisa Ir Além do Agro para Crescer”, de Paulo Gala, oferece um diagnóstico contundente sobre a estrutura econômica brasileira. Publicado em 6 de maio de 2025, o texto projeta uma urgência contínua na necessidade de o Brasil transcender seu modelo de crescimento baseado em atividades de baixo valor agregado. Gala, um economista conhecido por sua defesa da industrialização e complexidade produtiva, constrói seu argumento através de uma série de comparações diretas e incisivas entre a economia brasileira e a dos Estados Unidos. https://www.paulogala.com.br/o-desafio-do-valor-adicionado-por-que-o-brasil-precisa-ir-alem-do-agro-para-crescer/

A tese central de Gala é clara desde o primeiro parágrafo: a estrutura produtiva brasileira está excessivamente concentrada em atividades de baixo valor agregado. Ele inicia sua demonstração utilizando o setor agropecuário, um pilar da economia nacional. Embora o agronegócio represente 7% do PIB, gerando US$ 175 bilhões, essa participação é posta em xeque quando comparada à performance americana. Nos EUA, a agropecuária contribui com apenas 2% do PIB, mas alcança um valor absoluto muito superior, de US$ 600 bilhões. Nossa análise aprofundada revelou que essa comparação é ainda mais impactante quando se considera a dimensão populacional. Os Estados Unidos, com uma população significativamente maior que a do Brasil, conseguem gerar um valor agrícola por pessoa muito superior, sublinhando não apenas a produtividade e o avanço tecnológico de seu setor agrário, mas a eficiência e a capacidade de agregar valor por unidade de recurso e por indivíduo. Essa disparidade no setor primário é a primeira evidência de que a dependência brasileira se dá em um modelo que, embora gere volume, não maximiza a riqueza e a sofisticação.

Gala prossegue sua argumentação, estendendo o diagnóstico de baixo valor agregado para outros setores cruciais. Na indústria de transformação, o contraste é igualmente acentuado: a produção americana é mais de dez vezes superior à brasileira (US$ 2,5 trilhões contra US$ 200 bilhões), e essa diferença reside, fundamentalmente, na sofisticação. Enquanto os EUA dominam setores de alta complexidade (aeroespacial, farmacêutico, semicondutores), a base manufatureira brasileira permanece voltada para a transformação de recursos naturais, com limitada integração às cadeias globais de valor. Nos serviços, o cenário se repete. Ambos os países têm o setor terciário como predominante, mas, nos EUA, ele é impulsionado por atividades de alto valor agregado (TI, finanças, consultorias), enquanto no Brasil prevalecem serviços tradicionais de baixa produtividade. Mesmo a mineração e o petróleo, embora importantes fontes de divisas, são apontados como setores intensivos em capital, com pouca geração de mão de obra qualificada e limitado potencial de inovação sistêmica.

essência da mensagem de Gala se consolida ao identificar a verdadeira fronteira do valor agregado: a combinação de produção de alta tecnologia e serviços complexos. É aqui que os Estados Unidos se distanciam das economias emergentes como a nossa. A capacidade americana de inovar e escalar produtos sofisticados decorre de investimentos estratégicos em ciência, educação e políticas consistentes. É a partir desse ponto que o autor direciona seu olhar para o caminho do Brasil.

O cerne da solução proposta por Gala reside na reversão da desindustrialização prematura do Brasil. Aqui, é vital uma observação complementar: a “desindustrialização” em economias avançadas é frequentemente um sinal de sucesso, onde a indústria produz mais com menos, devido à alta produtividade e automação, liberando mão de obra para um setor de serviços sofisticado. O Brasil, no entanto, vivencia uma desindustrialização precoce: perdemos nossa base industrial sem ter alcançado a maturidade tecnológica e a diversificação necessárias para competir globalmente com produtos de maior valor. Portanto, a proposta de Gala não é um anacronismo industrial, mas sim uma reindustrialização inteligente e qualificada, focada na construção de capacidades produtivas sofisticadas e na articulação de uma indústria moderna de alta tecnologia com serviços avançados, em uma estratégia de transformação econômica de longo prazo.

Para ilustrar o ponto da necessidade de ir além do modelo atual, Gala analisa a hipótese de dobrar a produção agropecuária brasileira. Apesar dos inegáveis benefícios para exportações e renda, ele argumenta que tal expansão não alteraria estruturalmente a posição do Brasil no cenário global. É fundamental reconhecer que a parcela do agronegócio brasileiro voltada para a exportação é, de fato, sofisticadíssima e altamente produtiva, resultado de anos de pesquisa e políticas públicas. No entanto, essa ponta de excelência coexiste com uma vasta maioria de produtores que são altamente ineficientes, empregando um grande contingente de mão de obra com baixa produtividade. Essa estrutura dual, onde apenas uma pequena parcela do setor é de ponta (diferente dos EUA, onde a eficiência parece ser mais disseminada), significa que o setor primário, como um todo, possui limites intrínsecos (recursos naturais, dependência climática) e, crucialmente, continua sendo intensivo em recursos, e não em conhecimento de forma generalizada. Essa persistente ineficiência pode ser atribuída a fatores externos ao processo produtivo direto, como instituições mais frágeis que dificultam a formalização, a segurança jurídica e a adoção de práticas sustentáveis, ou a preços de terra que incentivam modelos de produção de baixo custo e volume, em detrimento de maior agregação de valor.

Ademais, mesmo em um cenário de se ter dobrado a produção, a agropecuária ainda representaria uma fatia relativamente pequena do PIB total, insuficiente para sustentar um crescimento robusto e duradouro. Países desenvolvidos não enriqueceram expandindo sua agricultura; eles se tornaram ricos ao construir capacidades produtivas em setores de alta complexidade, como tecnologia, produção avançada e serviços baseados em conhecimento. O desafio do Brasil não é apenas produzir mais commodities, mas sim agregar valor a elas, diversificar a base produtiva e, acima de tudo, inserir-se em setores que gerem aprendizado tecnológico, empregos qualificados e sofisticação produtiva, rompendo o ciclo de crescimento volátil e dependente dos preços internacionais de matérias-primas. Essa é a mensagem básica que Paulo Gala nos trouxe e a endosso completamente.


Marco Aurélio Bittencourt. Professor do Instituto Federal de Brasília – IFB , na área de gestão e negócios. Doutorado em Economia pela Unb. Email: 0171969@etfbsb.edu.br 


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