O mito do déficit previdenciário no Brasil: uma análise necessária

Ao invés de focarmos exclusivamente no suposto déficit previdenciário, é fundamental direcionarmos nossos esforços para combater a informalidade no mercado de trabalho e assegurar que todos os entes – trabalhadores, empregadores e governo – cumpram com suas obrigações contributivas.

Marco Aurélio Bittencourt

No Brasil, é comum ouvirmos falar sobre o “déficit” da previdência social   numa narrativa esdrúxula que tem sido amplamente difundida ao longo dos anos. Contudo, é fundamental questionarmos a veracidade dessa narrativa e analisarmos os fatores que realmente influenciam o equilíbrio financeiro do sistema previdenciário nacional.​

Historicamente, a previdência social foi concebida para ser sustentada por três pilares: trabalhadores, empregadores e governo. Ela se tornou necessária depois de ultrapassada a fase inicial da previdência que tinha recolhimento de contribuições quase ausente de pagamentos de benefícios.  Essa estrutura tripartite visa garantir a solidez e a sustentabilidade do sistema, distribuindo equitativamente as responsabilidades de financiamento. No entanto, na prática, essa divisão nem sempre ocorre de forma equilibrada.​

Atualmente, as contribuições previdenciárias dos empregados variam entre 7,5% e 14% de seus salários, conforme a faixa salarial. Por outro lado, os empregadores contribuem com 20% sobre o valor das remunerações pagas a cada mês aos seus empregados. Essa estrutura de contribuição demonstra uma disparidade em relação à proposta de divisão equitativa de 1/3 para cada ente., embora se aproxime dos 30 %. Esses 30% sobre o percentual estimado do PIB que cabe aos trabalhadores (que engloba as contribuições patronais) seria de cerca de R$ 1,35 trilhões de reais em 2023, tomando como base a participação de 50% do PIB da categoria salários.

Em 2023, o PIB do Brasil chegou a R$ 10,9 trilhões, consolidando-se como a maior economia da América do Sul e a oitava do mundo (uma bobagem que os economistas não expressam na conta correta do PIB per capita). Esse dado reforça a capacidade econômica do país em sustentar um sistema previdenciário sólido, desde que haja uma gestão pública não ideológica e uma distribuição justa das responsabilidades de financiamento.​ Se olharmos para as informações do Tesouro, temos que em 2023, o déficit conjunto dos regimes de previdência administrados pela União alcançou R$ 428 bilhões, resultantes de receitas de R$ 638 bilhões e despesas de R$ 1,066 trilhão. Mas, se de fato considerássemos a divisão tripartide, a cada ente caberia uma responsabilidade de cerca de R$ 353,3 bilhões; o que aconteceu foi que cada ente (trabalhador e empregador) recolheu, teoricamente, R$ 319 bilhões. Isso nos mostra que o propalado déficit seria de apenas R$ 50 bilhões, em que pese nessa conta olharmos uma contribuição distorciva na conta dos empregadores (20%) e trabalhadores, provavelmente menos do que a metade dos empregadores. Isso não importa muito porque a fatura final fica por conta dos trabalhadores, já que as empresas repassam seus custos aos preços ou demitem para manterem sua margem de lucro.

O governo federal, que deveria ser um dos principais financiadores do sistema, não cumpre integralmente com sua parcela de contribuição. Essa omissão está sendo rotulada como “déficit”, mascarando a real origem do desequilíbrio financeiro da previdência.​ Situação constrangedora seria o próprio pagamento do governo relativa à sua contribuição previdenciária que deveria, para seus funcionários, ser de 10% e como empregador de mais 10% e como ente próprio outros 10%, na dimensão salutar de contribuição de cerca de 30% por trabalhador.

Mas o inferno orçamentário também abriga coisas diabólicas como isenções e recolhimentos em atraso que geralmente abarrotam os escaninhos jurídicos da receita federal. Isenções e desonerações fiscais: Alguns setores econômicos recebem incentivos fiscais que reduzem ou eliminam a obrigação de contribuição previdenciária.​ Evasão e inadimplência: Empresas e indivíduos que não cumprem com suas obrigações contributivas, seja por dificuldades financeiras ou por tentativa de evasão fiscal.​

É importante destacar que a questão do envelhecimento populacional, frequentemente apontada como a vilã do déficit previdenciário, não é, de fato, fator de desequilíbrio previdenciário. O que realmente importa é se o Produto Interno Bruto (PIB) do país suporta as despesas previdenciárias. Observa-se que a contribuição previdenciária, em termos percentuais do PIB, tem se mantido relativamente constante ao longo dos anos, conforme se depreende das Contas do Tesouro em seu relatório COFOG (média de 15% PIB entre 2020 e 2022). Se envelhecermos além da conta, duas saídas de mercado se apresentam naturalmente: a imigração voluntária e bem-vinda ou a recuperação do PIB pela produtividade.

O verdadeiro desafio reside na informalidade do mercado de trabalho brasileiro. Um número significativo de trabalhadores atua na informalidade, não contribuindo para o sistema previdenciário. Curioso, contudo, é notar que, mesmo com essa informalidade, o PIB formal do país é suficientemente robusto para gerar as contribuições necessárias para a manutenção da previdência, basta considerar o montante alocado à previdência.​

Portanto, ao invés de focarmos exclusivamente no suposto déficit previdenciário, é fundamental direcionarmos nossos esforços para combater a informalidade no mercado de trabalho e assegurar que todos os entes – trabalhadores, empregadores e governo – cumpram com suas obrigações contributivas. Somente assim poderemos garantir a sustentabilidade e a justiça do nosso sistema previdenciário, sem necessidade de reformas maquiavélicas que invariavelmente atinge de morte os aposentados presentes e futuros.


Marco Aurélio Bittencourt. Professor do Instituto Federal de Brasília – IFB , na área de gestão e negócios. Doutorado em Economia pela Unb.

Acesse a página do colunista Marco Aurélio Bitttencourt:

Marco Aurélio Bitttencourt

Leia também:

O que o deficit da previdência significa para a população em geral?