Katia Rocha

Há cerca de 5 anos foi publicada a Lei 13.848/19, que instituiu o novo Marco Legal das Agências Reguladoras no Brasil, com a atualização de regras de gestão, organização, processo decisório e controle social, trazendo diversos aperfeiçoamentos em direção à uma maior segurança jurídica, transparência e governança das instituições. As diretrizes avançaram no sentido de reforçar a autonomia institucional e financeira das autarquias, com previsão dos mecanismos de independência técnica e institucional necessária. Uma agenda estrutural positiva e relevante para todos: sociedade, agentes públicos e investidores privados.

No entanto, na arena política ainda presenciamos a persistência de certa dicotomia no tocante à independência técnica das agências, em diversas frentes. Para citar apenas alguns exemplos recentes, a Emenda 54/2023 que previa criação de “conselhos” que retiravam poder e autonomia das agências reguladoras, as tentativas de “retrocessos e mudanças” acerca do Marco Legal de Saneamento, o PDL 94/2022 cuja finalidade era “impossibilitar homologações” da Aneel no tocante a reajustes tarifários, o PDL 365/2022 revogando todo trabalho técnico da Aneel sobre “sinal locacional”, e mais, recentemente, a controvérsia sobre o Ofício 368/2024 do MME sobre “intervenção na Aneel”.

Nesse sentido, é pertinente argumentar e destacar os dados, estimativas e recomendações de políticas públicas de diversos think tanks (FMI, OCDE. etc) em prol do desenvolvimento de um robusto arcabouço regulatório e de governança. Há inúmeras evidências a favor da agenda de Pilar Regulatório e Governança para tratar a política regulatória, gestão e governo como um todo, com foco nas melhores práticas internacionais, abrangendo o fortalecimento das agências reguladoras, com autonomia, independência decisória, administrativa e financeira de forma a perseguir maturidade regulatória, transparência e segurança jurídica, baseadas em pilares técnicos.

Como principal referência deste artigo, destaco o recente relatório anual do FMI da economia Brasileira (Brazil: 2024 Article IV Consultation) publicado mês passado, que dentre diversas sugestões de políticas e reformas estruturais, apresenta em seu Anexo 2, um modelo econométrico que estima os determinantes do fluxo de Investimento Externo Direto (IED) para os emergentes e para o Brasil.

O modelo do tipo painel efeito fixo (push x pull), agrega dados de 28 economias emergentes entre 1990-2023, e conclui que as características estruturais do país, dentre as quais faz-se menção à qualidade regulatória e governança institucional, desempenharam papel significativo e relevante na atração de IED para os emergentes, incluindo Brasil, sendo, atualmente, seu principal driver (Figura 1 abaixo).

O relatório corrobora que as características institucionais dos países (como abertura comercial e conta de capital, qualidade regulatória e governança) potencializaram maior fluxo de IED, com efeitos superiores às variáveis comuns globais, como aversão ao risco global, liquidez internacional, ou variáveis de fundamentos cíclicas, como diferenciais de crescimento e inflação. Fato é que o Pilar Regulatório e as características institucionais de Governança aumentaram a preferência de estrangeiros por investimentos no Brasil, principalmente após a crise financeira global de 2008[1]. O fluxo de IED no Brasil passou de uma média de 1.3% do PIB antes de 2009, para cerca de 2.7% do PIB entre 2010-2023, com os setores de energia, incluindo as renováveis, recebendo fluxos substanciais, vindos, principalmente, da Europa e América do Norte. Como proporção de market share o Brasil recebeu uma média de cerca de 40% dos fluxos anuais de IED para a América Latina e cerca de 9% considerando todas as economias em desenvolvimento.

O relatório também relaciona a agenda regulatória positiva aos dividendos de crescimento e à sustentabilidade fiscal. Avançar nas reformas estruturais relacionadas à abertura comercial, regulação e governança tem potencial de aumentar o crescimento do país em cerca de 1% do PIB ao ano[2], conforme a ilustra a Figura abaixo.

Essa dinâmica virtuosa não é nova. Diversos estudos[3], há tempos, demonstram a relação positiva entre as características institucionais dos países e seu nível de crescimento e renda per capita. Melhores níveis de governança (qualidade regulatória, aparato legal, efetividade do governo, controle de corrupção) está associada a um maior desenvolvimento econômico e social.

Dessa forma, o Pilar Regulatório é cada vez mais visto como complementar de fato às políticas macroeconômicas e fiscais. Uma agenda institucional positiva dialoga e promove os objetivos de sustentabilidade fiscal, ao potencializar uma diminuição nos indicadores do endividamento público, proporcionando um menor risco país e, por conseguinte, menores juros.

O empenho para melhorar o ambiente de negócio, diminuir o custo país e aumentar a produtividade é extenso e contínuo. Os embates persistentes às entidades reguladoras vão na contramão de toda agenda positiva de Estado, e acabam por prejudicar os esforços já empregados seja com o novo arcabouço fiscal, seja com a reforma tributária de consumo (VAT) e sua regulamentação, ou ainda, para com as futuras reformas estruturais, como a reforma tributária de renda, administrativa, previdenciária, etc.

Sigo acreditando que dados, evidências e comparação por pares são extremamente úteis em manter as conquistas obtidas, e, seguir caminhando em direção à agenda positiva para o desenvolvimento econômico e social do país.  


[1] Resultado semelhante considerando o arcabouço regulatório como driver do volume de investimentos privados em infraestrutura (PPI) (Capex e outorgas) e o números de projetos de PPI para 18 economias emergentes entre 2000-2018 é apresentado no Texto de Discussão Ipea 2584 (2022).

[2] Estimativas semelhantes ao relatório OECD Economic Surveys: Brazil (2023)

[3]Ver Acemoglu et al. (2004), Acemoglu et al. (2010).


Katia Rocha é Técnica de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), autarquia vinculada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão desde 1997.

Doutora em Engenharia Industrial/Finanças, Mestre e Graduada em Engenharia Industrial e Elétrica pela Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora no Departamento de Engenharia Industrial (2002-2013).

Autora e revisora em diversos periódicos acadêmicos – Energy Policy, Journal of Fixed Income, Emerging Markets Review, Forest Policy and Economics, Pesquisa e Planejamento Econômico, Revista Brasileira de Finanças, Revista Brasileira de Economia, Economia Aplicada e Estudos Econômicos.

Atua no Planejamento, Desenvolvimento e Avaliação de Políticas públicas nas áreas de Investimentos em Infraestrutura , Economia da Regulação, Financiamento da Infraestrutura (Investidores Institucionais e Mercado de Capitais), Finanças Internacionais, Determinantes de Risco Soberano, IED e Fluxos de Capital para Economias Emergentes.


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