José Américo Azevedo

O artigo que ora se apresenta, não irá agradar grande parcela dos gregos, nem, tampouco, grande parte dos troianos. Ainda assim, vale o risco.

As opiniões e posicionamentos devem ser apresentados para permitir reflexões e, por que não?, colocar a “cara a tapa” para as bem vindas críticas que, seguramente, nascerão. O posicionamento centralizado (não confundir com centrão…), está em desuso atualmente. A polarização reina, dificultando discussões mais amenas.

Então, vamos ao tema!

O cerne da questão é o modelo adotado pela Constituição Federal para escolha, manutenção e até impedimento dos ministros dos tribunais superiores, focando, em especial, no Excelso Pretório, Supremo Tribunal Federal.

Sem desnecessários didatismos, vale lembrar que a composição das Constituições brasileiras – excetuando-se a de 1824, que previa um Poder Moderador, exercido pelo Imperador –, segue a lógica montesquiana da divisão tripartite de Poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

O necessário equilíbrio, para que não haja despotismos, vem dos freios e contrapesos (check and balance na anglicana tradição da common law). Esse é o diferencial! Não existe, em relação aos procedimentos de Estado, nenhuma ação em que não haja a fiscalização – pelo menos, em tese – de um Poder em relação aos outros!

Avancemos!

A indicação de um ministro do STF (Poder Judiciário) é realizada pelo Presidente da República (Poder Executivo), sendo submetida ao referendum do Senado Federal (Poder Legislativo). É dizer, todos os Poderes participam da escolha de um ministro do Supremo, e de todos os Tribunais Superiores. Dessa forma, a priori, todos os Poderes foram unânimes ao aceitarem determinado cidadão para determinada função. Altamente democrático.

Então, qual é a discussão?

O ponto nevrálgico é a prática de comportamentos questionáveis, por algum dos Poderes, sem a intenção de demonizar qualquer deles. A eventual falta de procedimentos republicanos, caso haja, não significa a necessidade de alteração na Constituição, para corrigir erros momentâneos e circunstanciais.

Faz-se necessário um pacto político, em que forças antagônicas estabeleçam um compromisso em relação ao país, de forma a afastar a polarização, estabelecendo um ambiente minimamente factível de salutar convivência. Nesse momento de histeria coletiva, parece difícil imaginar algo neste sentido. Seria o “mundo de Alice” se transformando em realidade. Porém, o reverso da medalha pode custar caro ao país. E isso deve ser olhado pelos cidadãos, pessoas que querem a verdadeira construção de um ambiente mais saudável.

Abstraindo-se da divagação de um “mundo melhor”, o fato é que temos um ordenamento constitucional e legal extremamente robusto, e, que se quisermos o caminho do Estado Democrático de Direito, devemos segui-lo.

O inciso II do artigo 52 da Constituição Federal define que compete privativamente ao Senado Federal, processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade. Este dispositivo encontra-se secundado pelos artigos 39 e 39-A da Lei 1.079/1950, que foi recepcionada pela atual Carta Magna, e define quais são os crimes de responsabilidade dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

Não obstante, deve-se cumprir todo o rito formal para uma decisão de impedimento de um ministro, sendo inadmissível uma decisão que se amolde a uma espécie de tribunal de exceção. Assim, faz-se necessária a apresentação da denúncia, seguida pela formação, pelo Senado Federal, de uma comissão especial que apresentará, em até 10 dias, um parecer para a apreciação do plenário da Casa.

Caso a decisão seja pela continuidade do procedimento, abre-se a constitucional garantia de contraditório e ampla defesa para o denunciado, voltando o processo, após esta etapa, para a comissão especial e, novamente, para o plenário.

Julgada procedente a denúncia, e após comunicados o STF, o Presidente da República, o denunciante e o denunciado, fica este suspenso até o julgamento final que ocorrerá no Senado com a presença dos ministros do Supremo.

Somente então, com a votação nominal e a aprovação de 2/3 dos senadores é que ocorrerá o impeachment do denunciado.

Há que se observar que o processo, embora possa parecer deveras moroso, tem como objetivo a garantia da lei e da ordem, além de permitir a possibilidade sagrada de defesa do acusado. É por isso que, entre outros motivos, nossa Constituição preconiza, em seu primeiro artigo que “a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito”.

Caso respeitada a Carta da República, não existirão ministros de tribunais, diretores e presidentes de autarquias, ministros do Tribunal de Contas da União, presidente e diretores do Banco Central, Procurador Geral da República, embaixadores, e mais uma gama de autoridades, inaptas ao exercício de suas funções, pelo simples fato de que, para a assunção aos seus cargos, devem passar pelo crivo de outro Poder. Caso haja responsabilidade nessas aprovações, o risco de existirem incompetentes atuando tende a diminuir exponencialmente.

Além disso, na remota possibilidade de se cometer um erro de escolha – imaginando-se um processo transparente e legítimo –, estão previstos mecanismos de correção, até o terminativo impedimento da autoridade, conforme descrito alhures.

Por mais que atualmente esteja aflorada a sanha persecutória dos mais radicais, deve se ter como baliza que o país não pode ficar à mercê de posições e comportamentos extremados, necessitando que a parcimônia e a temperança norteiem os rumos da nação.

Nesta linha, resta a reflexão acerca da necessidade de respeito às instituições e ao ordenamento jurídico vigente ou, com a devida contextualização – inclusive e especialmente histórica –, a evolução dos dispositivos legais, não bastando somente alvoroçados gritos de guerra que conturbam a pacificação social e prejudicam inexoravelmente nossa Democracia!


José Américo Azevedo. Engenheiro Civil pela Universidade de Uberaba e Advogado pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa IDP, em Brasília. Consultor independente e ex colaborador na Defensoria Pública do Distrito Federal. Colunista na plataforma WebAdvocacy. Atualmente presta consultoria para o Instituto Unidos Brasil. Experiência em gerenciamento e coordenação de contratos, licitações, contratos e concessões públicas atuando por empresas privadas e pelo Governo. Ex-membro de Comissões de Licitações. Relações institucionais e governamentais. Credenciado como perito técnico judicial junto ao TRF 1 Região. Membro da Comissão de Infraestrutura da OAB/DF.


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