Eric Moura e Fernando de Magalhães Furlan

Introdução

O financiamento de litígios ou de demandas judiciais envolve um terceiro, pessoa(s) física(s) ou jurídica(s), cobrindo parte ou todas as despesas legais (custas, honorários etc.) em uma disputa, em troca de uma parte dos resultados recuperados da resolução da causa. Esse tipo de financiamento pode ser usado para apoiar várias reivindicações legais, incluindo disputas contratuais, disputas comerciais, reivindicações de propriedade intelectual, arbitragem, compra de recebíveis legais e enforcement de julgamentos (execução).[1]

Ele representa uma forma distinta de financiamento comercial, principalmente devido à sua natureza non-recourse[2]. Ou seja, ao contrário dos empréstimos bancários tradicionais, que são recourse — exigindo a devolução do principal e dos juros, independentemente do sucesso — o financiamento de litígios não obriga o reclamante a reembolsar valores, caso o litígio não resulte em uma recuperação deles.[3] Os financiadores de litígios, por meio de análise de viabilidade, veem os direitos de litígio como um ativo crível e oferecem financiamento, sem exigir garantias adicionais, estruturando o investimento como uma non-recourse. Esse arranjo permite que as partes busquem seus direitos sem assumir o ônus financeiro sozinhas.

A disponibilidade de financiamento nivela o campo de jogo (level the playing field) para o reclamante. Isso permite que sejam contratados os melhores advogados para o caso, pagos os honorários de especialistas e que recursos estejam disponíveis ao longo do ciclo de vida do caso para levá-lo a uma conclusão meritória.

O financiamento de litígios abrange vários tipos de arranjos de financiamento para apoiar disputas legais. O financiamento de caso único, por exemplo, fornece capital para as despesas legais de um único caso ou arbitragem, incluindo capital de giro contingente à recuperação do caso. Por outro lado, o financiamento de portfólio envolve múltiplos casos ou arbitragens de um escritório de advocacia ou de uma empresa, com o investimento do financiador e o correspondente retorno recuperados por meio de qualquer um dos casos do portfólio, o que é chamado de cross-collateralization (colateralização cruzada). O financiamento de multiparte apoia ações coletivas contra um réu, comum em ações de valores mobiliários, de disputas ambientais e de causas consumeristas.[4]

Financiamento de litígios para empresas: possibilitando disputas equilibradas

Os financiadores de litígios permitem que os departamentos jurídicos de empresas se transformem em centros de receita[5], permitindo que uma empresa exerça plenamente seus direitos. Empresas de todos os tamanhos vêm utilizando crescentemente o financiamento de litígios por várias razões estratégicas, as quais trazem benefícios comerciais únicos. O financiamento de litígios permite, principalmente, o acesso a recursos legais que poderiam ser financeiramente onerosos ou arriscados, não apenas para pequenas e médias empresas e startups, mas também para grandes corporações.

Enquanto entidades menores frequentemente usam o financiamento para nivelar o campo de jogo contra oponentes maiores, com grande capacidade financeira, grandes empresas também aproveitam o financiamento de litígios para otimizar a alocação de recursos e manter a flexibilidade financeira. Para essas entidades maiores, o financiamento de litígios permite que elas persigam batalhas legais complexas e potencialmente custosas, sem imobilizar capital que poderia ser usado para outros investimentos estratégicos ou necessidades operacionais.[6]

As implicações estratégicas do financiamento de litígios vão além do mero suporte financeiro. Ter o apoio de financiadores de litígios, que geralmente realizam uma diligência detalhada antes de investir, pode sinalizar a força da posição legal de uma empresa e suas chances de sucesso. Isso não apenas ajuda a tomar decisões legais mais informadas, mas também a assumir casos de longa duração, sem o risco de ficar sem capital ao longo do caminho. No geral, o financiamento de litígios não é apenas uma ferramenta financeira, mas um ativo estratégico que aprimora a capacidade de uma empresa de gerenciar riscos, controlar custos e apoiar objetivos comerciais mais amplos. Isso fica particularmente evidente nos cenários analisados a seguir e que destacam as variadas aplicações do financiamento de litígios em ambientes corporativos.

Para empresas enfrentando dificuldades financeiras, o instinto imediato é frequentemente implementar medidas de corte de custos, incluindo a redução de despesas legais que podem parecer não essenciais para as operações em andamento. No entanto, se tal empresa possui uma reivindicação, esse ativo pode resultar em um pagamento futuro significativo, embora possa levar anos até que o caso seja resolvido. O financiamento de litígios pode, nesse caso, desempenhar um papel crítico, monetizando a reivindicação antecipadamente, com base em seu valor futuro projetado ou cobrindo custos e despesas legais contínuas. Isso permite que a empresa retenha esse ativo enquanto melhora a sua estabilidade financeira imediata, reforçando diretamente o balanço patrimonial ou aliviando gastos contínuos.[7]

Nos casos em que empresas estão navegando pela recuperação ou falência, o financiamento de litígios também pode fornecer capital operacional crucial, geralmente disponível apenas por meio de financiamento Debtor in Possession (DIP). Tipicamente, o financiamento DIP é garantido por ativos tangíveis, mas o financiamento de litígios oferece uma alternativa que não requer garantia tradicional. Em vez disso, usa as recuperações de litígios futuras potenciais como uma garantia non-recourse, preservando assim a prioridade do credor garantido sênior sobre os ativos tangíveis da empresa. Esse financiamento pode cobrir taxas legais, custos de reestruturação ou outras despesas operacionais, permitindo que a empresa mantenha operações durante um período financeiramente tumultuado.[8]

Outro exemplo seria ampliar o orçamento do departamento jurídico para proteger mais proativamente a marca e o market share da empresa (por exemplo, por meio de demandas envolvendo propriedade intelectual ou concorrência). Isso vai além de simplesmente manter a despesa de litígio fora do balanço e gerar receita após a resolução. Está ativamente trabalhando em direção ao objetivo estratégico da empresa de crescer e manter sua vantagem competitiva.

Além disso, o financiamento de litígios oferece aos credores uma oportunidade valiosa de monetizar demandas contra um devedor em falência. Os credores podem enfrentar longas esperas enquanto o processo se desenrola, o que pode durar anos. Um financiador de litígios, que intervém para monetizar essas reivindicações, pode fornecer alívio financeiro imediato e reduzir a incerteza e os riscos associados a processos prolongados.

Esses cenários destacam o papel dinâmico e benéfico do financiamento de litígios em contextos de insolvência, proporcionando liquidez crítica e vantagens estratégicas. Ao transformar reivindicações/demandas de litígio em ativos tangíveis, os advogados in-house podem efetivamente alavancar essas ferramentas para salvaguardar e avançar os interesses financeiros de entidades em crise (distressed) ou insolventes e seus credores, navegando a complexidade da insolvência corporativa com maior perspicácia e estratégia.

Financiamento de litígios para escritórios de advocacia: uma ferramenta para monetização antecipada e expansão

O financiamento de litígios tem se tornado uma ferramenta cada vez mais popular também entre escritórios de advocacia para gerenciar os riscos financeiros associados a litígios. Ao compartilhar o risco com um financiador, os escritórios podem assumir casos significativos sem arcar com todo o ônus financeiro, suavizando assim os fluxos de caixa e mitigando o impacto de resultados de litígios potencialmente voláteis. Esse arranjo financeiro também apoia os escritórios na melhoria de seus resultados, permitindo-lhes perseguir mais casos e aumentar as receitas com uma abordagem associada ao risco. Além disso, possibilita que os escritórios ofereçam estruturas de preços competitivas, tornando os serviços jurídicos mais acessíveis aos clientes e melhorando a posição de mercado do escritório.

Os escritórios de advocacia utilizam o financiamento de litígios principalmente para mitigar riscos, especialmente em arranjos de honorários de contingência, onde o escritório arca com os custos do litígio e só recebe pagamento após um resultado bem-sucedido. Ao garantir financiamento externo, os escritórios podem perseguir casos significativos e potencialmente lucrativos, sem assumir todo o risco financeiro por conta própria.

Além disso, o financiamento de litígios ajuda os escritórios de advocacia a manter a estabilidade financeira. Como o financiamento é non-recourse — o que significa que não precisa ser reembolsado, se o litígio não for bem-sucedido — ele não impacta negativamente o balanço patrimonial do escritório. Os escritórios podem usar esse financiamento para cobrir custos operacionais, mantendo assim o fluxo de caixa e possibilitando expansões ou atualizações tecnológicas, sem tensão financeira.

O financiamento de litígios geralmente começa com o financiamento de caso único, onde os recursos são fornecidos especificamente para as despesas de um caso particular, mas também pode envolver financiamento de portfólio, que inclui a obtenção de fundos para um grupo de casos. Esta abordagem de portfólio ajuda a diversificar os riscos de litígio e pode atrair termos de financiamento mais favoráveis. Os portfólios também podem ser estruturados de maneira que casos adicionais possam ser incluídos ao longo do caminho, diversificando ainda mais o risco e oferecendo oportunidades adicionais para a cross-collateralization (colateralização cruzada).

Os principais financiadores de litígios frequentemente oferecem equipes internas que desenvolvem planos estratégicos de execução, tanto no início de um caso, quanto à medida que ele avança.[9] Esses planos geralmente envolvem a identificação de ativos do réu, que podem ser alvo para satisfazer uma decisão judicial ou entender mecanismos legais internacionais para a execução de decisões cross border.

O benefício de ter um plano de execução em vigor, ao longo da vida de um caso financiado, é reduzir o risco de um réu dissipar ou ofuscar seus ativos, de modo que, uma vez que uma decisão seja proferida, o reclamante tenha opções para a recuperação.

No geral, o financiamento de litígios oferece aos escritórios de advocacia uma ferramenta financeira estratégica para aprimorar suas capacidades de litígio, gerenciar riscos e melhorar a sua eficiência operacional, enquanto expande o acesso a serviços jurídicos para uma gama mais ampla de clientes.

Acesso ao financiamento[10]

Ao buscar financiamento de litígios, os potenciais reclamantes e seus representantes legais podem esperar um processo estruturado e meticuloso, que começa com o estabelecimento de um acordo de confidencialidade (NDA). Este passo crucial garante a confidencialidade e facilita a troca de informações necessárias para que o financiador avalie completamente os méritos do caso.

Na fase inicial, o financiador de litígios conduz uma análise aprofundada do caso ou portfólio, sob a proteção do NDA. Essa avaliação visa principalmente a determinar se o caso atende aos critérios do financiador/investidor. Ela envolve uma avaliação detalhada dos méritos do caso, dos danos potenciais e do entendimento de como as partes veem a divisão de riscos e outros fatores relevantes. A complexidade do caso, o tamanho do investimento proposto e o panorama jurídico geral influenciam esta análise inicial.

Caso haja interesse mútuo em prosseguir, o financiador pode emitir um term sheet. Este documento delineia os termos financeiros preliminares do investimento potencial. Os detalhes do term sheet, incluindo se é vinculativo e seu cronograma, podem variar significativamente, dependendo do financiador e das práticas regionais. Alguns financiadores podem exigir exclusividade durante o período de due diligence, enquanto outros podem estipular taxas de desistência ou outras condições.

Segue-se uma fase rigorosa de due diligence, onde os financiadores conduzem uma investigação abrangente sobre a oportunidade de investimento. Isso inclui uma análise exaustiva dos méritos das demandas/reivindicações, dos resultados possíveis e dos antecedentes financeiros e legais do reclamante e dos advogados envolvidos. O processo pode variar de uma firma de financiamento para outra, com algumas dependendo de equipes internas de litigantes experientes e outras recorrendo a advogados e assessores externos para obter insights.

Uma vez concluída a due diligence, a decisão de financiar o caso é tomada por um comitê de investimento ou órgão similar dentro da organização do financiador. Esta decisão é baseada em apresentações detalhadas dos resultados do caso. Se o investimento for aprovado, um Acordo de Financiamento de Litígios (LFA, na sigla em inglês) vinculante é redigido, detalhando os termos do investimento. Essa fase varia em duração, mas geralmente abrange várias semanas.

Após o investimento, o monitoramento do caso é tipicamente discreto. Os financiadores frequentemente adotam uma abordagem de “toque leve”, respeitando as decisões estratégicas da equipe jurídica enquanto retêm o direito de ser informados sobre desenvolvimentos significativos e ofertas de acordo. Atualizações regulares e discussões estratégicas ocorrem, com financiadores às vezes participando de procedimentos importantes como observadores, garantindo que permaneçam informados, sem comprometer a confidencialidade dos detalhes financeiros do reclamante.

Ao longo do processo, a expertise dos profissionais de financiamento de litígios, especialmente aqueles com formação jurídica, proporciona uma contribuição não vinculativa inestimável, que pode orientar a estratégia e influenciar a trajetória do caso, sublinhando seu papel não apenas como apoiadores financeiros, mas como parceiros estratégicos no processo de litígio.

Conclusão

O financiamento de litígios é uma ferramenta para empresas e escritórios de advocacia de todos os tamanhos, aprimorando estratégias legais e financeiras. Essa solução de financiamento inovadora não apenas alivia o ônus financeiro, associado a litígios custosos, mas também equipa escritórios e reclamantes com os recursos necessários para perseguir casos da forma a mais robusta possível.

As empresas se beneficiam do financiamento de litígios, pois ele permite que seus interesses sejam protegidos e seus direitos sejam afirmados, sem comprometer a sua liquidez operacional. Ao aproveitar o financiamento externo, as empresas podem perseguir reivindicações e proteger seus ativos, sem tensão financeira imediata, mantendo assim a estabilidade e focando em suas atividades principais.

Para os escritórios de advocacia, por outro lado, o financiamento de litígios pode transformar a maneira como gerenciam cargas de trabalho e relacionamentos com clientes. Isso permite que os escritórios aceitem casos mais complexos e de alto risco, sem o risco de esgotar os recursos do escritório, ampliando assim o seu alcance de mercado e potencialmente aumentando as suas taxas de sucesso e lucratividade. Esse tipo de financiamento apoia, não apenas a busca pela justiça, mas também o crescimento e a sustentabilidade do próprio escritório.

Além disso, o financiamento de litígios introduz uma camada de disciplina financeira e perspicácia jurídica no processo de litígio, pois os financiadores trazem a sua própria expertise e habilidades analíticas para avaliar os méritos das reivindicações.

Em última análise, o financiamento de litígios não se limita a fornecer recursos financeiros; trata-se de capacitar escritórios de advocacia e empresas a buscar estrategicamente seus direitos legais. Ao compensar riscos e possibilitar uma busca mais ativa em suas reivindicações, o financiamento de litígios ajuda a nivelar o campo de jogo, garantindo que todos os escritórios e empresas tenham acesso aos recursos que apoiam seu sucesso e saúde financeira a longo prazo.


[1] Disponível em: https://omnibridgeway.com/litigation-finance. Acesso em: 30/05/2024.

[2] Modalidade de empréstimo em que não há a exigência de garantias.

[3] Disponível em: https://omnibridgeway.com/litigation-finance. Acesso em: 30/05/2024.

[4] Idem.

[5]Disponível em: https://omnibridgeway.com/insights/blog/blog-posts/blog-details/global/2023/02/22/how-corporate-legal-departments-can-generate-revenue-with-legal-finance. Acesso em: 31/05/2024.

[6] Disponível em: https://iveybusinessjournal.com/unlocking-value-in-commercial-disputes/. Acesso em: 31/05/2024.

[7] Disponível em: https://omnibridgeway.com/insights/blog/blog-posts/blog-details/global/2024/05/21/the-in-house-view—-litigation-funding-and-corporate-insolvency-what-in-house-counsel-need-to-know/. Acesso em: 29/05/2024.

[8] Id.

[9] Disponível em: https://omnibridgeway.com/litigation-finance. Acesso em: 31/05/2024.

[10] Id.


Eric Moura. LLM in Global Business Law pela Columbia Law School. Consultor na Omni Bridgeway. E-mail: emoura@omnibridgeway.com

Fernando de Magalhães Furlan. Doutor pela Universidade de Paris I (Panthéon-Sorbonne). Professor do Centro Universitário do Planalto Central (UNICEPLAC). E-mail: fernandomfurlan@gmail.com.


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