José Américo Azevedo

Benjamin Franklin afirmou que “nada é mais certo neste mundo do que a morte e os impostos”. Apesar de ter empregado a expressão em uma carta datada de 1789, Franklin não a criou, apenas ajudou a popularizá-la. Ela já estava em circulação alguns anos antes!

O Brasil, após 50 anos utilizando um mesmo modelo de arrecadação de impostos, está engendrando uma Reforma Tributária que, após aprovada a Emenda Constitucional nº 132, está em fase de regulamentação. Dentro deste delineamento está prevista a instituição do chamado “Imposto Seletivo”.

A ideia do imposto seletivo é taxar comportamentos – e, por conseguinte, produtos e serviços –, que possam, de alguma forma, trazer mal à sociedade, entendidos como um amplo espectro uniforme e visivelmente direcionado a um só fim.

À primeira vista, merecem ser feitas duas reflexões: (i) qual é a sociedade e o que ela quer?; e (ii) cabe ao Estado estabelecer essa definição?

A sociedade, múltipla e plural, merece o respeito à sua autonomia para definir, de fato, quais são suas prioridades. Sem “senso comum” e sem “obviedades”. Dito isso, entramos em um campo altamente minado por ideologias antagônicas que confundem, mais do que explicam, o real papel do Governo nesse imbróglio. Avancemos!

No Brasil, o imposto seletivo passou a estar previsto na Constituição Federal quando, em sua Emenda nº 132, de dezembro de 2023, inseriu o inciso VIII em seu artigo 153, determinando que “[c]ompete à União instituir impostos sobre (…) produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos de lei complementar”. É o chamado – impropriamente – de “imposto do pecado”.

A partir desse arcabouço constitucional – frise-se, derivado –, há que se taxar bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Excelente iniciativa! A teleologia da legislação tem consistência, na medida em que não se quer, para o exercício pleno da cidadania, atitudes prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.

Porém, a questão é outra!

A gênese do imposto seletivo é coibir atitudes socialmente inapropriadas, e, em momento algum, servir de ferramenta arrecadatória. Até porque a legislação impede! Assim, faz-se mister, existir uma política pública que respalde a cobrança do tributo, de forma a se almejar, e, objetivamente, alcançar, uma meta prestabelecida.

Cabe ao Governo, como política de Estado, desenhar uma estrutura onde a aplicação do imposto seletivo irá, a partir de mensurações específicas, atingir a meta almejada pela política pública vinculada, sob pena de o tributo estar sendo somente uma fonte de arrecadação, e não uma forma de direcionar a sociedade para um fim desejado.

Em sua justificativa, a proposta da Emenda Constitucional argumenta que “[a] PEC prevê a criação de ‘impostos seletivos, com finalidade extrafiscal, destinados a desestimular o consumo de determinados bens, serviços ou direitos’, ao fundamento de que deveriam sofrer tributação adicional os itens ‘geradores de externalidades negativas’, a exemplo de ‘cigarros e bebidas alcoólicas’”.

Não obstante o caráter social – e quiçá altruísta – da proposta, a operacionalização no mundo político, jurídico, tributário – enfim, dos fatos –, deve ser analisada com a parcimônia necessária. O conceito de prejuízo à saúde e ao meio ambiente é bastante elástico e impreciso, singrando pelos mares das vontades políticas dos governos de plantão.

Há que se considerar, por exemplo, que a sobretaxação de produto “nocivos à saúde”, por exemplo, fomentará o contrabando entre países vizinhos, como acontece com a maior parte do tabaco consumido no estado do Paraná, só para exemplificar.

Em um ambiente democrático deve prevalecer a autonomia da vontade. Evidentemente, essa limitação está constrita ao respeito à liberdade do próximo, sem que um cidadão tenha a possibilidade legal de prejudicar outro. Porém, a escolha – e não está a se falar em extremo liberalismo – tem que ser respeitada e desenvolvida. Imputar comprometimentos tributários à essa escolha soa como tangimento à individualidade pessoal. Deve ser encontrado o caminho do meio!

Voltando à essência do tema, o imposto seletivo deve ser usado de tal forma que permita à sociedade direcionar seus rumos, sem mudanças abruptas, para um mundo mais equalizado e ambientalmente mais protegido. Penalizar, tributariamente, setores produtivos essenciais à economia do país não trará, em primeiro lugar, o resultado econômico-financeiro desejado, e após, não beneficiará a economia do país, levando-o a situações que terão que ser justificadas com subterfúgios midiáticos.

Se, acaso, de toda forma, for o caminho político escolhido, não se pode cair na armadilha de achar que uma política governamental irá mudar, significativamente, o modo de vida dos cidadãos. O entranhamento e a inerência das práticas costumeiras são naturais à sociedade. Faz-se necessária a moderação da ação do Estado em relação às opções dos cidadãos.

Em contraponto a este aspecto, cabe uma reflexão. A responsabilidade das empresas do setor produtivo deve ser equilibrada e, caso necessário, imputada uma obrigação compensatória, sob forma de tributo ou iniciativas sociais e/ou ambientais, mas sempre à luz da proporcionalidade e razoabilidade, de tal forma que não haja a demonização da atividade produtiva, sempre tão cara à fomentação de empregos e de ganhos à sociedade.

No PLP 68/2024, de origem do Poder Executivo, a justificativa para a implantação do imposto seletivo, traz:

De acordo com o comando constitucional, o imposto incidirá sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens ou serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Nesse sentido, o art. 393 prevê a incidência do Imposto Seletivo sobre os seguintes bens: (i) veículos; (ii) embarcações e aeronaves; (iii) produtos fumígenos; (iv) bebidas alcoólicas; (v) bebidas açucaradas; e (vi) bens minerais extraídos.

Ora, é indiscutível que o uso excessivo de produtos fumígenos e de bebidas alcoólicas é nocivo à saúde, mas o que dizer dos demais itens? Como colocar como prejudicial à saúde a bebida açucarada ao mesmo tempo em que coloca como integrante da cesta básica de alimentos o “açúcar classificado nos códigos 1701.14.00 e 1701.99.00 da NCM/SH”? Ademais, ao passo que o imposto seletivo sobretaxa o produto, os alimentos destinados ao consumo humano preveem uma redução em 60% das alíquotas padrão. Nada mais contraditório!

Em relação aos veículos de todas as espécies, qual a comprovação científica do grau de nocividade ao meio ambiente? Estudos apontam que o metano expelido pela flatulência de rebanhos bovinos causa mais efeito estufa que o CO2 dos automóveis. E não se trata de chiste, mas de rigorosa análise técnica.

Avançando, no que diz respeito aos bens minerais extraídos, o projeto apresentado é uma violência ao mercado produtivo nacional. Como conceito, o Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), no novo modelo representado pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), deve ser cobrado no destino ao contrário do modelo atual, cujos bens e serviços são taxados na origem. A partir deste enfoque, há que se arguir, como exemplo, qual a nocividade do alumínio para o meio ambiente? Não há! No entanto, a extração da bauxita, matéria prima para a fabricação do alumínio, deve ser sobretaxada. Mas, em que caso a bauxita é utilizada como destino final, para manter respeitado o momento da taxação? Não há! É de se levar em conta, ainda, que essa tributação faz com que o fabricante de alumínio, para manter o exemplo, se sinta incentivado a importar a bauxita, que ficaria mais barata que a nacional. Ora, se o dano ao meio ambiente ocorre na extração do minério, como pode o Brasil aventar a possibilidade de cobrar tributos nas atividades de outro país? Assim, existe um claro disparate entre os conceitos utilizados no projeto de lei, maculando, na origem, sua aplicabilidade.

E mesmo quanto aos produtos fumígenos e às bebidas alcoólicas. Qual o objetivo de sobretaxá-los? Diminuir o consumo? Diminuir os gastos públicos relacionados aos problemas de saúde advindos do consumo de álcool e tabaco? Conscientizar a população dos malefícios trazidos pela utilização desses produtos? É preciso deixar claro o objetivo a ser alcançado e não somente amplificar a carga tributária, visando ao aumento de arrecadação.

Por fim, mas não menos importante, é atentar para o fato de que se o objetivo é taxar a produção, extração, comercialização ou importação de bens ou serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, essa tributação deve estar, necessariamente, atrelada a uma política pública que vise a mitigar ou compensar os supostos danos causados à saúde ou ao meio ambiente. O projeto de lei do Governo não condiciona a existência dessa política à cobrança do imposto.

O PLP 29/2024, de autoria do deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança e outros, elaborado em conjunto com a sociedade civil organizada, por intermédio de uma coalizão formada por 26 Frentes Parlamentares, dispõe sobre a instituição do imposto seletivo. Porém, além de deixar claro que o imposto tem como finalidade “desestimular o consumo de bens e serviços comprovadamente prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente”, define que as hipóteses de incidência do imposto serão estabelecidas em Lei Complementar Específica, que “deverão, obrigatoriamente, prever as metas programáticas e objetivos para a definição e incidência do Imposto Seletivo, sendo necessário estabelecer a evolução na mitigação dos impactos inerentes às atividades, bens ou serviços e operações prejudiciais à saúde e ao meio ambiente”.

Ou seja, o tributo deve ter claramente expresso, para sua existência, uma finalidade tangível, consubstanciada por meio de uma política pública mensurável e aferível, de forma a ser possível constatar a eficácia da tributação, que por seu caráter extrafiscal, como já dito, não pode ter natureza arrecadatória, mas intimidatória e educativa.

Assim, necessário se faz permanecermos vigilantes com o que está sendo concebido nos gabinetes parlamentares, para não sermos presenteados com um verdadeiro cavalo de Troia.


José Américo Azevedo.

Engenheiro Civil pela Universidade de Uberaba e Advogado pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa IDP, em Brasília. Consultor independente e ex-colaborador na Defensoria Pública do Distrito Federal. Colunista na plataforma WebAdvocacy. Atualmente presta consultoria para o Instituto Unidos Brasil. Experiência em gerenciamento e coordenação de contratos, licitações, contratos e concessões públicas atuando por empresas privadas e pelo Governo. Ex-membro de Comissões de Licitações. Relações institucionais e governamentais. Credenciado como perito técnico judicial junto ao TRF 1 Região. Membro da Comissão de Infraestrutura da OAB/DF.


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