Andrey V B Freitas
Introdução
O cuidado baseado em valor é um modelo de prestação de cuidados em saúde que muda o foco do volume de serviços médicos prestados para a qualidade do atendimento e os resultados alcançados pelos pacientes. A transição para cuidados baseados em valor representa uma mudança significativa na filosofia de saúde, com o objetivo de melhorar os resultados dos pacientes, melhorar a qualidade do atendimento e controlar os custos de saúde. Requer colaboração entre as partes interessadas da saúde, investimento em tecnologia e compartilhamento de dados e um compromisso com o atendimento centrado no paciente.
No modelo tradicional de fee for service, os prestadores de cuidados de saúde são reembolsados com base no número de serviços que prestam, o que pode levar à sobreutilização de recursos médicos e à falta de ênfase nos cuidados preventivos e nos resultados dos pacientes. O cuidado baseado em valor, por outro lado, busca alinhar os interesses dos pacientes, provedores e pagadores (como empresas de seguros de saúde) para oferecer cuidados de saúde mais eficazes, eficientes e centrados no paciente.
O modelo de cuidado baseado em valor adota uma abordagem centrada no paciente, ao colocá-lo como centro do processo de cuidado. O objetivo é melhorar os resultados gerais de saúde e aumentar a satisfação dos pacientes, adaptando os planos de cuidados às necessidades específicas dos indivíduos.
Em função dessa abordagem, o modelo utiliza como indicadores-chave de sucesso o bem-estar do paciente e resultados de saúde mensuráveis, que permitam aferir melhorias na saúde a longo prazo. Nesse sentido, em vez de esperar que os pacientes fiquem gravemente doentes e exijam intervenções caras, os cuidados baseados em valor promovem medidas preventivas e intervenções precoces. Essa abordagem proativa possibilita a identificação de riscos à saúde precocemente e ajuda a prevenir a progressão de doenças.
Para tanto, o compartilhamento e a análise de dados desempenham um papel significativo no cuidado baseado em valor. Os dados de saúde do paciente, incluindo histórico médico, planos de tratamento e resultados, são usados para tomar decisões informadas, acompanhar o progresso e identificar áreas para melhoria. O modelo também oferece ganhos na gestão de saúde da população: ao analisar tendências e padrões de dados, os profissionais de saúde podem identificar riscos de saúde dentro de grupos específicos e desenvolver intervenções direcionadas.
Além disso, a operacionalização do modelo pressupõe a colaboração entre os profissionais de saúde, por meio de atendimento coordenado que garante aos pacientes o atendimento certo no momento certo, minimizando redundâncias, evitando erros médicos e reduzindo custos desnecessários de saúde. Os incentivos financeiros dos prestadores de cuidados de saúde estão ligados à qualidade dos cuidados e resultados dos pacientes. Isso incentiva os profissionais a se concentrarem em oferecer tratamentos eficazes, reduzindo complicações e melhorando a satisfação do paciente.
Os cuidados baseados em valor podem assumir várias formas, como, por exemplo, o modelo pay-for-performance, no qual os profissionais de saúde são recompensados financeiramente por alcançar certas métricas de qualidade e resultado – o que pode incluir medidas como reduzir readmissões hospitalares ou gerenciar de forma eficaz condições crônicas de saúde. Outra forma seria o de pagamentos agrupados: em vez de pagar por cada serviço individual, os pagamentos são agrupados para um episódio específico de atendimento, o que seria um incentivo para os provedores colaborarem entre si e oferecerem cuidados abrangentes aos pacientes.
O papel da tecnologia nos modelos de cuidados baseados em valor
A tecnologia desempenha um papel fundamental no suporte e aprimoramento de cuidados baseados em valor, fornecendo ferramentas, sistemas e insights orientados por dados, que facilitam a prestação de cuidados de saúde centrados no paciente e focados em resultados.
Nesse sentido, duas ferramentas merecem destaque: os registros eletrônicos de saúde e as plataformas de intercâmbio de informações de saúde. Os registros eletrônicos de saúde (“prontuários eletrônicos”) otimizam o armazenamento das informações de saúde dos pacientes, permitindo o acesso, pelos profissionais de saúde, a uma visão abrangente do histórico médico desses pacientes: tratamentos, medicamentos, resultados de testes, dentre outros. Já as plataformas de intercâmbio de informações de saúde permitem o compartilhamento seguro de dados de pacientes entre diferentes profissionais e organizações de saúde, garantindo o acesso às informações mais atualizadas para fundamentar decisões de tratamento.
Vale lembrar que o modelo de cuidados baseados em valor se apóia, dentre outros elementos, na proposta de atuação colaborativa entre os profissionais de saúde para obtenção dos melhores resultados para o paciente. Dentro dessa lógica, a utilização de registros eletrônicos de saúde e das plataformas de intercâmbio de informações de saúde favorece essa proposta de atuação colaborativa, permitindo maior troca de informações e de insights entre os profissionais, bem como a construção de um entendimento mais abrangente a respeito da situação de saúde do paciente e das possíveis estratégias de tratamento.[1]
Importante também destacar que, ao construir um banco de dados completo com as informações de saúde dos pacientes e facilitar seu uso compartilhado pelos profissionais de saúde, abre-se a possibilidade de análise de grandes volumes de dados e, consequentemente, de identificação de tendências, padrões e correlações. O aprimoramento dessa capacidade analítica é fundamental para a construção de sistemas de modelagem preditiva, que permitiriam mapear fatores de risco e antecipar possíveis problemas sistêmicos de saúde, bem como definir oportunidades de intervenção precoce, voltadas à contenção do agravamento desses problemas e do surgimento de complicações. Esses insights são inestimáveis para identificar populações em risco, avaliar a saúde de populações específicas, identificar pacientes de alto risco, alocar recursos de forma mais eficaz e projetar intervenções direcionadas.
Vale ainda ressaltar que o envolvimento do paciente é um aspecto fundamental do modelo de cuidados baseados em valor. A sistematização de seus prontuários eletrônicos e a utilização de plataformas (ou aplicativos) que permitem o acesso fácil e seguro a essas informações são incentivos poderosos para que os pacientes acessem suas informações de saúde, agendem consultas, visualizem os resultados dos testes e se comuniquem com segurança com seus prestadores de saúde. Logo, essas ferramentas capacitam os indivíduos para assumirem um papel ativo em seus próprios cuidados.
Outro avanço tecnológico que favorece a adoção de modelos de cuidados baseados em valor é o que se convencionou chamar de telemedicina. A tecnologia de telemedicina permite consultas remotas entre pacientes e profissionais de saúde[2] – viabilizando, inclusive, o atendimento simultâneo e remoto por mais de um profissional de saúde – e melhora o acesso aos cuidados e reduzindo a necessidade de visitas presenciais. Essa ferramenta é particularmente importante em um país de dimensões geográficas significativas e no qual a oferta de recursos de saúde (profissionais, equipamentos e organizações) não é homogênea, como é o caso do Brasil.
Além disso, essa tecnologia favorece que os pacientes procurem consultas para obter segundas opiniões de especialistas, expandindo seu acesso a cuidados especializados e garantindo decisões de tratamento bem-informadas.
Por fim, cabe dizer que a sensibilidade dos dados de saúde sempre traz consigo questionamentos acerca da necessária adoção de instrumentos que garantam o sigilo e a segurança do compartilhamento dessas informações. Nesse sentido, a tecnologia blockchain oferece uma maneira segura e descentralizada de armazenar e compartilhar dados de saúde, garantindo a segurança, a privacidade e a interoperabilidade dos dados, de modo que pacientes e provedores compartilhem informações com confiança. Isso é particularmente importante ao compartilhar informações confidenciais do paciente.
Conclusão
Em resumo, a tecnologia fornece a infraestrutura necessária para coletar, gerenciar e analisar dados de saúde, permitindo que os profissionais e organizações de saúde tomem decisões informadas, ofereçam atendimento personalizado e melhorem os resultados dos pacientes. À medida que o setor de saúde continua a evoluir, alavancar a tecnologia de forma eficaz será crucial para atingir todo o potencial do atendimento baseado em valor e obter os benefícios associados a esse modelo.
[1] Importante lembrar que a interoperabilidade é essencial para o compartilhamento de dados entre diferentes sistemas e organizações de saúde. Assim, soluções tecnológicas que facilitem a interoperabilidade são fundamentais para garantir que os dados do paciente possam ser acessados e utilizados sem problemas por prestadores de serviços de saúde autorizados.
[2] As plataformas de mensagens instantâneas, videoconferência e comunicação segura permitem que os profissionais de saúde se comuniquem e colaborem em tempo real, facilitando a rápida tomada de decisões e a coordenação de cuidados.