André Santa Cruz & Ronan Santos
Com a garantia gradual aos empregados da propriedade de ações ou quotas da sociedade empresária, o contrato de opção de compra de participação societária promove o comprometimento e a visão de sócio do colaborador.
1. Por que o Vesting é importante para as empresas inovadoras?
As dificuldades em contratar e treinar colaboradores para uma empresa são amplamente conhecidas. Os empreendedores brasileiros sofrem, há muito tempo, com a escassez de mão de obra qualificada.
No âmbito das startups, essa caça aos talentos é ainda mais difícil, dado que ideias disruptivas costumam demandar alta capacidade técnica para saírem do papel. Ao mesmo tempo, pessoas competentes costumam aceitar uma proposta de trabalho cuja remuneração pareça atrativa.
Além disso, há uma prospecção de talentos feita, inclusive, a profissionais que já estão empregados. Portanto, é necessário montar a equipe com critério. Ao detectar um profissional de extrema importância e compatível com a visão dos sócios da empresa, é possível se utilizar o contrato de vesting para manter o colaborador-chave nela.
Trata-se de uma prática antes restrita a grandes companhias, mas que agora está se difundindo por todo o ambiente empresarial. Neste artigo, explicaremos o papel do vesting na atração e retenção de colaboradores estratégicos.
2. O que é o contrato de vesting?
O vesting consiste na venda de participação societária ao colaborador ao longo de determinado prazo, condicionada ao cumprimento de determinadas metas. Confere-se ao colaborador a opção de comprar as ações ou quotas por determinado preço, sob condições de desempenho e de tempo[1]. As partes acordam que haverá uma venda das quotas/ações da sociedade empresária, de maneira gradual e progressiva, com base em critérios específicos de produtividade[2].
No contrato de vesting, o empresário oferece a perspectiva de crescimento, e o funcionário faz jus a essa confiança, com um trabalho que se torna mais estratégico, uma vez que a visão de sócio, tão desejada pelos empreendedores em seus times, já se faz presente. Trata-se de uma relação de ganhos mútuos.
A previsão legal das chamadas stock options está no art. 168, §3°, da Lei das Sociedades Anônimas, que versa sobre o “plano de opção de compra de ações”, que pode ser implementado desde que a companhia o faça dentro dos limites do capital autorizado. Apesar de o plano de stock options estar previsto na Lei das S/A, não há impedimento à sua aplicação nas sociedades limitadas, desde que se observem as peculiaridades de cada tipo societário.
Isso porque o art. 1.055, §2°, do Código Civil veda a contribuição realizada diretamente em serviços. Contudo, nada impede que os créditos decorrentes da prestação desses serviços sejam usados para integralização de capital.
Existem duas formas de vesting: o tradicional (em que a participação aumenta de acordo com o tempo e as metas) e o invertido (em que a participação começa cheia e pode ser recomprada pela startup se os objetivos não forem alcançados). O primeiro tipo costuma ser mais utilizado, já que tende a dar mais incentivo ao colaborador, cujo esforço terá de ser contínuo e crescente para a obtenção de maiores recompensas. Aqui entra a importância de um mecanismo fundamental: a cláusula Cliff.
3. Cláusula Cliff
Um dos maiores problemas do contrato de vesting diz respeito ao interesse do colaborador em atender às expectativas e prestar um serviço de qualidade satisfatória. Para garantir que os objetivos acima sejam cumpridos, a cláusula Cliff estabelece um período de carência (1 ano, em geral) depois do qual o colaborador, cumpridas as condições estipuladas no contrato, terá o direito de iniciar a aquisição das ações/quotas[3].
Se o funcionário for demitido nesse período, ele não terá direito ao pagamento das quotas/ações, uma vez que detinha apenas expectativa de direito à aquisição das quotas (como explicaremos logo mais à frente). Esse período de teste é crucial para sanar os possíveis erros de percepção dos sócios sobre o colaborador.
4. Diferença entre vesting e stock option
As stock options são opções de compra de ações ou quotas. Nesse sentido, podem ser oferecidas a qualquer um que queira se tornar sócio e, por algum motivo, não possa adquirir a participação imediatamente. A stock option, portanto, é mais ampla e tem suas condições negociadas entre as partes. Já o vesting é uma espécie de stock option. Leva esse nome por causa da aquisição gradual das quotas ou ações, que são “vestidas” pelo colaborador. Está inserido dentro de uma relação de emprego ou de trabalho, especificamente.
5. Pontos de atenção na hora de elaborar o contrato de vesting
Na elaboração e execução do vesting, alguns pontos de atenção precisam ser considerados. Trataremos, nos tópicos a seguir, de cada um deles. É importante analisá-los não apenas antes da formação do contrato de vesting, mas principalmente durante o prazo de aquisição das ações ou quotas e depois dele (haja vista a futura relação societária).
5.1. Aspecto Trabalhista
O primeiro ponto de atenção envolve a parte trabalhista. É preciso que haja a efetiva compra das quotas/ações, isto é, que se assuma efetivamente o risco da atividade econômica[4]. Caso contrário, haverá a caracterização salarial da quantia, com o pagamento dos respectivos consectários legais. O preço tem de ser mais vantajoso do que o valor de mercado, mas não deve ser ínfimo, sob risco de ser tido por fraude à lei[5].
Ainda dentro do âmbito trabalhista, a questão da extinção do contrato de trabalho ou de prestação de serviços precisa estar detalhada no vesting. É preciso determinar o que ocorre quando o colaborador é demitido ou pede para sair antes de obter as primeiras ações/quotas.
O Tribunal Superior do Trabalho entende que, se ainda não houve a aquisição, não será devida indenização. Ou seja, a cláusula que prevê a perda do direito de adquirir as quotas ou ações pelo empregado demitido antes do fim do prazo de carência é lícita[6]. Isso porque ainda se trata de mera expectativa de direito.
É importante atentar também para os fundamentos da demissão quando o fim do período de carência está próximo. Isso porque os tribunais podem interpretar que houve má-fé do empresário. Em outras palavras: pode-se entender que o empreendedor estaria burlando o vesting, frustrando o implemento da condição para que o colaborador adquira as quotas ou ações[7].
O empregador ou contratante deve fundamentar, mesmo que de forma mínima, a dispensa do colaborador. Primeiro, tem-se que deixar claro no contrato de vesting os deveres daquele que vai adquirir as quotas ou ações e estabelecer penalidades pelo descumprimento – a demissão pode ser uma delas. Por fim, cabe documentar as razões para o desligamento daquele funcionário.
Convém prever, ainda, a dissolução parcial da sociedade em caso de demissão do colaborador após o período de carência. Deve-se computar, no cálculo dos haveres, os valores a título de rescisão ou de indenização, a depender do que motivou a saída[8].
Por fim, a determinação das metas também precisa de cuidado, para que não se atribua natureza trabalhista à opção de compra. As metas devem vincular-se não ao desempenho individual do colaborador, mas ao faturamento, expansão da carteira de clientes, captação de investimentos etc.
5.2. Aspecto Tributário
Outro ponto de atenção está no campo tributário. Caso a quota/ação seja adquirida a custo zero, sua natureza será remuneratória e incidirão as alíquotas do IRPF, até 27,5%. Caso sua natureza seja mercantil, a opção de compra será tributada nas alíquotas entre 15% e 22,5%. Ademais, uma vez que a sua natureza seja mercantil, não haverá a incidência de contribuição previdenciária. Esse é o entendimento do Judiciário[9] e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais[10].
5.3. Aspecto societário
Por último, mas não menos importante, o aspecto societário. É preciso saber o quanto do percentual será destinado para o vesting, de forma que não haja uma diluição prejudicial aos sócios fundadores. Também se deve analisar o perfil da pessoa que será beneficiada pelo vesting, a fim de evitar problemas.
A redação de um bom acordo de sócios, com a previsão de cláusulas para resolução de conflitos societários, proibição de venda a terceiros e opção de compra (call option) no caso de demissão. Nesse caso, você também pode variar os critérios, conforme a dispensa tenha sido com justa causa ou sem justa causa.
Aliás, é importante que o contrato de vesting contenha cláusula que vincule o colaborador ao acordo existente ou futuro. Desse modo, as expectativas de todos os envolvidos estarão alinhadas. Por exemplo, caso seja estabelecida uma cláusula de não concorrência, será necessário estabelecer a sua abrangência em termos de segmento de mercado, duração, territórios (em negócios que dependam de uma base geográfica). Caso contrário, há um grande risco de esse dispositivo ser afastado pelo Poder Judiciário[11].
6. Conclusão
Reter talentos é fundamental. Num contexto de ascensão das startups, cujas soluções disruptivas exigem alta competência técnica, o empresário não pode se dar ao luxo de perder uma peça-chave. Por isso, o contrato de vesting se torna um mecanismo imprescindível para atrair e reter talentos para todas as sociedades empresárias. Atendidas as peculiaridades que envolvem essa modalidade contratual, ambas as partes só têm a ganhar.
[1] OLIVEIRA, Fabricio Vasconcelos de; RAMALHO, Amanda Maia. O Contrato de Vesting. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, n. 69, pp. 183 200, Jul/Dec. 2016
[2] OLIVEIRA, Fabricio Vasconcelos de; RAMALHO, Amanda Maia. O Contrato de Vesting. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, n. 69, pp. 183 200, Jul/Dec. 2016, p.184.
[3] POLLI, Marina. Vesting: Inovação Contratual Popularizada pelas Startups. In: MORETTI, Eduardo; OLIVEIRA, Leandro Antônio Godoy. Startups: aspectos jurídicos relevantes. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2019, p. 130
[4] CLT, Art. 2º – Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
[5] MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da validade – 22. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019 p.108 e seguintes.
[6] ARR-2843-80.2011.5.02.0030, 8ª Turma, Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 20/11/2015
[7] Código Civil, Art. 129. Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer, considerando-se, ao contrário, não verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele a quem aproveita o seu implemento.
[8] OLIVEIRA, Fabricio Vasconcelos de; RAMALHO, Amanda Maia. O Contrato de Vesting. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, n. 69, pp. 183 200, Jul/Dec. 2016, p.194.
[9] Processo: ApCiv – APELAÇÃO CÍVEL / SP 5009539-20.2017.4.03.6100, Relator(a) Desembargador Federal OTÁVIO PEIXOTO JÚNIOR, Órgão Julgador: 2ª Turma, Data do Julgamento: 10/01/2023, Data da Publicação/Fonte Intimação via sistema DATA: 17/01/2023
[10] Acórdão nº 2402-011.012 – 2ª Seção de Julgamento / 4ª Câmara / 2ª Turma Ordinária.
[11] TJSP; Apelação Cível 1005903-92.2020.8.26.0100; Relator (a): Maurício Pessoa; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 2ª VARA EMPRESARIAL E CONFLITOS DE ARBITRAGEM; Data do Julgamento: 16/06/2021; Data de Registro: 16/06/2021
André Santa Cruz é advogado inscrito na OAB/DF, sócio do escritório Agi e Santa Cruz Advocacia, doutor em Direito Comercial pela PUC-SP, professor de Direito Empresarial do Centro Universitário IESB, em Brasília, e ex-diretor do DREI – Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração.
Ronan Santos é advogado inscrito na OAB/DF, sócio do escritório Agi e Santa Cruz Advocacia, graduado em Direito pelo Centro Universitário IESB, em Brasília, e pós-graduando em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas.