Mauro Grinberg

A produção de prova pericial no processo administrativo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) tem sido, ao longo dos anos, objeto de controvérsia e frequentemente negada, inclusive em decorrência do seu custo. Este articulista procura, há algum tempo, mostrar às autoridades a necessidade e/ou a obrigatoriedade, em determinadas ocasiões, da produção de prova pericial, até recentemente sem sucesso.

De fato, em artigo escrito juntamente com Leonor Cordovil e Beatriz Cravo, este articulista escreveu: “Embora o Cade tenha costumeiramente negado a produção de prova pericial, possivelmente face a sua dificuldade da forma como prevista no antigo CPC (o que obviamente não constitui justificativa), vale lembrar que continua a ser uma das possibilidades probatórias, agora com algumas modificações tendentes a sua possível simplificação. Com efeito, a prova pericial tradicional consiste em nomeação de perito oficial pelo juiz e subsequente abertura de prazo para que as partes apresentem assistentes técnicos (na prática, outros peritos) e quesitos para a perícia”[1].

O novo Código de Processo Civil (CPC) permite maior flexibilidade para a produção de prova pericial, ainda que nunca abolida a prova pericial tradicional. Verificamos, para começar, que o art. 471 e seus dois incisos permitem que as partes entrem em acordo para a escolha do perito único, assim eliminando a participação dos assistentes técnicos, até porque é comum o julgador deparar-se com três laudos: “As partes podem, de comum acordo, escolher o perito, indicando-o mediante requerimento, desde que” “sejam plenamente capazes” e “a causa possa ser resolvida por autocomposição”.

Quanto às partes, lembra o artigo acima referido: “No caso do Cade, é necessário que se estabeleça com clareza quais são as partes no processo administrativo: de um lado está o acusado e de outro o Poder Público”[2]. No processo administrativo do Cade, “é ele quem acusa, processa e decide”[3]. Ou seja, exercendo a sua função acusatória, é autor e, como tal, pode compor com a parte acusada na escolha do perito. Quanto à possibilidade de autocomposição no processo administrativo do Cade, os acordos de leniência e composições de conflitos, aqui mencionados como fatos notórios, nada mais são do que formas de autocomposição.

Portanto, o Cade e as partes – incluindo, se for o caso, terceiros interessados devidamente admitidos no processo – podem escolher um perito comum, ficando claro que se trata de uma possibilidade e não de uma obrigação. É a primeira forma de simplificação da perícia, que não elimina, entretanto, a importância das partes apresentarem seus quesitos para as respostas do perito.

O mesmo artigo prossegue: “Mas a maior possibilidade de simplificação reside na possibilidade de se proceder à prova técnica simplificada para situações de menor complexidade”[4], que se encontra prevista nos parágrafos 2º e 3º do art. 464 do CPC: “De ofício ou a requerimento das partes, o juiz poderá, em substituição à perícia, determinar a produção de prova técnica simplificada, quando o ponto controvertido for de menor complexidade”, sendo que “a prova técnica simplificada consistirá apenas na inquirição de especialista, pelo juiz, sobre ponto controvertido da causa que demande especial conhecimento científico ou técnico”. Esta prova técnica simplificada faz uma aproximação com a expert opinion do direito norte-americano. Isto está no mesmo artigo[5].

Aqui tratamos não só da Superintendência-Geral do Cade, que tem o poder-dever de instruir o processo, de acordo com o art. 72 da Lei 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência – LDC) (“a Superintendência-Geral, em despacho fundamentado, determinará a produção de provas que julgar pertinentes”) como também do próprio Plenário do Cade, de acordo com o art. 76 da LDC (“O Conselheiro-Relator poderá determinar diligências, em despacho fundamentado, podendo, a seu critério, solicitar que a Superintendência-Geral as realize, no prazo assinado”).

Este articulista já defendeu, quanto ao art. 76 da LDC, que, “quando o texto legal diz  `poderá´, está claro que (o Conselheiro-Relator) não tem obrigação de fazê-lo”[6], sendo muito importante esta menção, até porque o “poder” não foi considerado por este articulista como dever ou poder-dever. Entendeu o articulista, na ocasião que o poder de deferir implicava também no poder de indeferir.

Todavia, sobreveio a decisão unânime da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Recurso Especial (REsp) 1.979.138-DF, Relator o Ministro Benedito Gonçalves, em cuja ementa consta: “No que diz respeito às teses que compreenderam pela ocorrência de preclusão e de extemporaneidade, observo de início que a postulação da produção probatória perante a Secretaria de Defesa Econômica – SDE, com base na Lei n. 8884/1994, não implica em momento exclusivo para o acusado fazê-lo, diante da previsão expressa do art. 43, que dispõe que o Conselheiro Relator do CADE analise requerimento de prova”.

Para efeito do tema deste artigo, o mencionado art. 43 da lei vigente na época não difere do art. 76 da lei atual: “O Conselheiro-Relator poderá determinar a realização de diligências complementares ou requerer novas informações, na forma do art. 35, bem como facultar à parte a produção de novas provas quando entender insuficientes para a formação de sua convicção os elementos existentes nos autos”. Para completar o raciocínio, o mencionado art. 35 da lei revogada trata da produção de prova pela SG.

Vale lembrar que a decisão em tela aplicou o parágrafo único e seu inciso X do art. 2º da Lei 9.784/1999 (Lei do Processo Administrativo – LPA): “Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de” “garantia dos direitos (…) à produção de provas. Fica clara a aplicação da LPA aos processos administrativos do Cade.

Tratando da referida decisão do STJ, este articulista escreveu que “a decisão tira qualquer discricionariedade do Conselheiro-Relator em relação ao artigo em questão. A palavra `poderá´, no que diz respeito ao deferimento de produção de provas, deve ser entendida como `deverá´”[7]. Assim, passa o ato de discricionário a vinculado. No bojo do voto do Ministro-Relator ainda encontramos, para reforçar esta ideia, que se trata de “uma exigência da observação das garantias fundamentais que devem ser asseguradas ao acusado”.

Na linha do tempo, o Cade, por meio de despacho, em caso de avocação, do Conselheiro-Relator Gustavo Augusto Freitas de Lima, no processo 08700.001797/2022-09, abriu divergência em relação a casos anteriores ao determinar “que seja aberto prazo para que os representantes, representados ou terceiros interessados indiquem se desejam contratar a realização de perícia técnica de informática para analisar o funcionamento da plataforma digital do (…) de forma a esclarecer quanto à existência e a responsabilidade das falhas técnicas narrada”.

Deve aqui ficar claro que este articulista não conhece o processo em que tal despacho foi proferido, nele não tem atuação profissional e consequentemente não tem interesse no desfecho da demanda. Também não emite juízo de valor sobre a necessidade ou não da perícia no caso específico. Importa aqui apenas registrar que, em dadas circunstâncias, a perícia deve ser feita no processo administrativo do Cade e já existe despacho inovador nesse sentido.

Como o Conselheiro-Relator deixou claras (i) os requisitos dos peritos (incluindo “nível mínimo de pós-graduação”), (ii) a necessidade de aprovação dos peritos pelo Cade e (iii) a necessidade de acompanhamento da perícia pelo Cade, fica claro que se trata de perícia oficial e não dos conhecidos pareceres que muitas vezes as partes pedem a eminentes acadêmicos (que também podem ser peritos).

Mauro Grinberg é ex-Conselheiro do Cade, Procurador da Fazenda Nacional aposentado, mestre, membro de IBRAC, IASP, IBA, ABA e outras entidades, advogado em Direito Concorrencial, sócio de Grinberg Cordovil


[1] “O Novo Código de Processo Civil e a Prova no Processo do Cade”, Revista Brasileira de Advocacia, AASP/RT, São Paulo, Ano 2, nº 4, 2017, pág. 171

[2] Obra e página citadas

[3] Obra e página citadas

[4] Obra citada, págs. 171/172

[5] Obra citada, pág. 172

[6] A Superintendência-Geral (SG) do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e suas duas funções”, Web Advocacy, 03/03/2022

[7] “Perícia no Processo Administrativo do CADE: uma Decisão Histórica do STJ”, Web Advocacy, 29/11/2022

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