Fernando Boarato Meneguin

Sabe-se que os atos de concentração (AC) podem gerar tanto efeitos positivos quanto negativos para a economia. Entre os pontos positivos, pode-se citar ganhos de escala com aumento de produtividade, propiciando inovação e melhoria da qualidade dos produtos. No entanto, a concentração também pode gerar efeitos deletérios, como aumento dos preços finais aos consumidores em face de uma diminuição da competitividade.

Uma vez que podem existir ganhos de eficiência em determinada concentração, a autoridade antitruste, ao analisar um AC, deve sopesar custos e benefícios e decidir se aprova o ato incondicionalmente, se o rejeita integralmente, ou ainda se adota uma solução intermediária. Nesse caso, um meio termo entre aprovação e rejeição pode ser recomendado de maneira que se eliminem os aspectos negativos à concorrência, mas não se prejudiquem potenciais ganhos de eficiência. Essa solução intermediária é alcançada pelo uso de remédios antitruste.

Apesar de a expressão remédios antitruste não aparecer literalmente na Lei nº 12.529, de 2011, os remédios estão implícitos no âmbito das atribuições do Tribunal Administrativo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), conforme art. 61 da Lei antitruste:

Art. 61. No julgamento do pedido de aprovação do ato de concentração econômica, o Tribunal poderá aprová-lo integralmente, rejeitá-lo ou aprová-lo parcialmente, caso em que determinará as restrições que deverão ser observadas como condição para a validade e eficácia do ato.

§ 1º O Tribunal determinará as restrições cabíveis no sentido de mitigar os eventuais efeitos nocivos do ato de concentração sobre os mercados relevantes afetados.

§ 2º As restrições mencionadas no § 1º deste artigo incluem:

I – a venda de ativos ou de um conjunto de ativos que constitua uma atividade empresarial;

II – a cisão de sociedade;

III – a alienação de controle societário;

IV – a separação contábil ou jurídica de atividades;

V – o licenciamento compulsório de direitos de propriedade intelectual; e

VI – qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica.

Os incisos I, II e III do parágrafo segundo transcrito integram o que na literatura se convencionou chamar de remédios estruturais, pois implicam alterações permanentes na alocação de direitos e ativos. Há também outra classificação usual na literatura: são os chamados remédios comportamentais. Nesse caso, são determinações que se relacionam com a atividade interna da empresa, com obrigações de fazer e não fazer, como a adoção de compromisso de não discriminação nos negócios com outras empresas, proibição de assinatura de contratos com cláusula de exclusividade, medidas que incrementem transparência nos negócios, entre outras. Segundo o Guia Remédios Antitruste[1], publicado pelo Cade, os remédios comportamentais “consistem em obrigações de práticas comerciais, financeiras ou econômicas das partes envolvidas no AC, englobando ou não ativos diretamente afetados por ele, nos mercados relevantes relativos à operação”.

Há na doutrina internacional, algumas recomendações para que os desenhos de remédios antitruste sejam eficientes, no sentido de que mitiguem as preocupações concorrenciais sem custos de monitoramento alto e sem comprometer as sinergias geradas pelos ACs. O Merger Remedies Guide[2], publicado em 2016 pela International Competition Network (ICN), apresenta estudo detalhado sobre o tema. Em síntese, para uma perfeita adequação do remédio, primeiramente é necessário um completo entendimento do real dano à concorrência decorrente do AC. Essa fase preliminar é indispensável para se atingir remédio apropriado, que seja proporcional ao dano, de maneira que os efeitos colaterais e os custos impostos estejam no menor patamar possível. Para que o remédio seja efetivo, fatores como o impacto no ambiente competitivo, a tempestividade do remédio e a duração da sua vigência, a facilidade de sua aplicação e de seu monitoramento, bem como a avaliação dos riscos inerentes são itens fundamentais.

O Departamento de Estudos Econômicos do Cade publicou o Documento de Trabalho nº 02/2020 – “Remédios antitruste no Cade: uma análise da jurisprudência”[3], que apresenta profícua pesquisa sobre o tema. Nesse texto, apresenta-se levantamento realizado no período de 2014 a 2019 acerca dos casos cuja decisão final do Tribunal Administrativo estabeleceu restrições no sentido da adoção de remédios concorrenciais por meio da celebração de Acordos em Controle de Concentrações (ACCs). A constatação foi que, nesses seis anos, houve 36 atos de concentração nessa situação, conforme Gráfico I a seguir:

Cabe lembrar que, além dos remédios serem aplicados no âmbito de um ACC, eles também podem ser designados de forma unilateral pelo Tribunal do Cade ou ainda integrar um Termo de Compromisso de Cessação (TCC).

Um caso atual e bastante divulgado na mídia em que houve a aplicação de remédios antitruste foi a fusão da Localiza com a Unidas, primeira e segunda maiores empresas respectivamente de locação e gestão de frota de veículos do país.

O caso foi decidido pelo Tribunal Administrativo do Cade (Ato de Concentração nº 08700.000149/2021-46), em que houve maioria pela aprovação da incorporação das ações da Unidas pela Localiza.

Na análise, considerou-se a existência de três mercados relevantes: locação de veículos; gestão e terceirização de frotas; e venda de veículos usados. Uma das principais preocupações foi a sobreposição horizontal que seria resultante da operação no mercado de locação de veículos. Segundo terceiros interessados, a empresa resultante da fusão deteria uma escala significativa que lhe conferiria vantagens competitivas significativas frente aos demais concorrentes, inclusive quanto ao poder de barganha para aquisição de veículos.

Assim, considerando benefícios e custos da fusão para o ambiente concorrencial, a aprovação da operação, no âmbito do Tribunal Administrativo, se deu condicionada à celebração de ACC contendo um robusto pacote de remédios estruturais e comportamentais, que, segundo o Tribunal, afastam preocupações concorrenciais apontadas na instrução do ato de concentração e mitigam potencial exercício abusivo de poder de mercado.

Entre os compromissos acordados com o Cade, alguns pontos são os seguintes: desinvestimento em número de veículos para locação, considerando as características específicas de vários municípios e aeroportos; encerramento de cláusulas de não concorrência com outras marcas; comprometimento comportamental de não realizar novas aquisições para locação de veículos durante o período de três anos; e alienação da marca Unidas.

Percebe-se assim que as intervenções pactuadas procuram diminuir o exercício de poder de mercado pela empresa resultante do AC e, assim, diminuir a probabilidade de aumentos de preços após a operação.

Em conclusão, conforme explicitado pelo Guia Remédios Antitruste do Cade: “os remédios devem mitigar o potencial prejuízo ao ambiente concorrencial decorrente da operação, restaurando as condições de rivalidade e de entrada presentes no cenário pré-operação”.

Por fim, o Guia também deixa claro que não cabe aos remédios corrigir problemas concorrenciais pré-existentes e, se os remédios não conseguirem sanar potenciais prejuízos ao ambiente concorrencial em face de um AC, o recomendável é a reprovação da operação.


[1] https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-remedios.pdf

[2] https://www.internationalcompetitionnetwork.org/wp-content/uploads/2018/05/MWG_RemediesGuide.pdf

[3] https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos-economicos/documentos-de-trabalho/2020/documento-de-trabalho-n02-2020-remedios-antitruste-no-cade-uma-analise-da-jurisprudencia.pdf

FERNANDO BOARATO MENEGUIN. Mestre e Doutor em Economia pela Universidade de Brasília. Pós-doutor em Análise Econômica do Direito pela Universidade de Califórnia – Berkeley. Líder do Grupo de Estudos em Direito e Economia – GEDE/UnB-IDP. Consultor Sênior da Charles River Associates e Professor do Mestrado do IDP e da AMBRA University.

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