Luiz Alberto Esteves, Luciano Chalita Freitas & Ronaldo Neves Moura Filho

Os últimos anos foram marcados por uma série de reformas legais com desdobramentos sobre os mercados regulados no Brasil. A mais principiológica delas veio com a Lei nº 13.874/2019 – Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, centrada na racionalização da intervenção estatal. Para o caso do setor de telecomunicações, tal reforma trouxe aspectos especialmente interessantes. Destaca-se pela renovação do setor e a revisão da política de acesso a insumos escassos por particulares. Dentre as alterações, a possibilidade de estruturação de um mercado secundário de radiofrequências no Brasil foi um dos destaques.

A importância das radiofrequências se deve ao fato de serem insumo essencial para a prestação e uso de serviços de comunicação sem fio. Até a edição da Lei nº 13.879/2019, os prestadores de serviços detinham acesso exclusivo a partes do espectro. Tal distinção se justificava como contrapartida aos investimentos disponibilizados para aquisição das radiofrequências, obtidas em leilões primários conduzidos pelo regulador setorial. Nessas condições, não podiam negociá-las com terceiros, ou seja, transferi-las ou cedê-las para outros prestadores interessados. Com a reforma legal abre-se aos titulares do direito de uso de radiofrequências a possibilidade de transferência, ou de comercialização da parte ociosa do espectro, mediante anuência da administração pública e submissão a condicionantes de natureza concorrencial e regulatórias.

As bases legais para a criação desse novo mercado se sustentam no reconhecimento de seu potencial para lograr ganhos de eficiência e utilidade no uso de espectro a partir de configurações alternativas ao modelo de alocação tradicional. Sua vertente indutora de ganhos de eficiência alocativa e de aumento da competição no setor de telecomunicações já se encontra consolidada. Em regra, um mercado secundário maduro propicia maior agilidade na designação do espectro por permitir transações entre privados e, em países como o Brasil, pode representar uma oportunidade de ampliação da cobertura em regiões de menor atividade econômica, onde o uso desse recurso é potencialmente ineficiente.

A liquidez nesse novo mercado é um dos fatores críticos para alcançar os benefícios de eficiência, qualidade e ampliação da prestação de serviços móveis. Seu bom funcionamento permitirá elevar a confiança dos investidores para negociarem seus ativos de forma rápida e eficiente, promover a inovação e, inclusive, potencializar a utilidade das atividades nos mercados primários. Ademais, esse mercado também pode estimular o ecossistema financeiro do setor, visto que escalar o espectro a uma condição de ativo negociável gera implicações na composição patrimonial das empresas, com efeitos no custo de capital e no valor do negócio.

A despeito dos benefícios esperados, existem riscos de ordem técnica e concorrencial associados ao desenvolvimento do novo mercado. Aqueles relacionados a comportamentos anticompetitivos, especulativos e de criação de escassez artificial, bem como aspectos como interferências e custos de coordenação e harmonização são exemplos de ameaças comumente atribuídas ao mercado secundário.

Esses aspectos trazem desafios adicionais aos reguladores, visto que os mercados secundários de radiofrequências podem ser estruturados a partir de diferentes desenhos alocativos. Dentre tais possibilidades, a literatura especializada tem apontado três alternativas: (i) o laissez-faire, com mínima intervenção estatal; (ii) o de corretagem, com preços orientados a custos, e; (iii) o Licenciamento de Acesso Indireto Autorizado com incentivos (Leilões).

Um primeiro ponto a ser destacado é que estes mecanismos alocativos apresentam, sob determinadas circunstâncias, vantagens e desvantagens. Um segundo ponto é que o desenvolvimento de mercados secundários de espectro encontra-se em estado embrionário, até mesmo em economias com mercados de telecomunicações bastante sofisticados. Isso significa haver carência de evidência empírica que possa nortear a decisão do regulador.

Na ausência de evidência empírica, acadêmicos e especialistas estão recorrendo a simulações computacionais sobre a eficiência relativa desses mecanismos. Para tanto, faz-se necessária a formulação de modelos de economia computacional baseada em agentes (ACE), parametrizados para simular sistemas evolutivos, com agentes interativos autônomos no mercado secundário de radiofrequências.

Esse método de simulação tem o potencial de auxiliar no desenho normativo do novo mercado e oferecer intuições acerca do seu funcionamento e do comportamento dos agentes. Essa é uma agenda de pesquisa onde temos envidado esforços. O objetivo é buscarmos intuições econômicas que possam contribuir para o desenho de uma política regulatória para o setor de telecomunicações cada vez mais eficiente e menos invasiva.

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